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Ministério Público investiga jornadas de médicos do SUS

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O promotor Rodrigo Barros diz que atuação do MP vai muito além da investigação das jornadas de trabalho (Foto: Fernando Priamo)
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A Coordenadoria Regional de Saúde do Ministério Público está atuando em conjunto com as Promotorias de Justiça da Defesa da Saúde na região para apurar o descumprimento da jornada de trabalho e o acúmulo ilegal de vínculo público por parte dos profissionais da área da saúde da cidade e de 94 municípios da macrorregião. A Tribuna descobriu que, neste momento, há 56 inquéritos em andamento para investigação dos casos. Somente em um procedimento apuratório, o Ministério Público constatou quatro vínculos profissionais para o mesmo médico, sendo três municipais e um estadual, com carga horária de cem horas semanais. Esse total equivale a uma jornada diária de, no mínimo, 14 horas durante sete dias por semana, o que foi considerado “surreal” pela promotoria.

Neste caso, está sendo cobrado do especialista a devolução de R$ 600 mil, dinheiro que teria sido pago indevidamente e que deverá ser usado para ressarcir os cofres públicos. As apurações tiveram início em 2010, levando um dos médicos investigados a devolver, dois anos depois, R$ 230 mil obtidos em jornadas nas quais ele pouco trabalhou. A atuação conjunta dessas promotorias também resultou na exoneração de um ginecologista da cidade dos quadros do Ministério da Saúde no ano passado. O órgão federal justificou a demissão do especialista informando que ele “valia-se do cargo público para proveito pessoal em detrimento da dignidade da função pública e prática de ato de improbidade administrativa”.

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No caso do profissional que somava quatro vínculos públicos, três deles foram formalizados pela Secretaria de Administração e Recursos Humanos de Juiz de Fora ainda no início da década de 1990. Além desses contratos, o médico acumulou de 2009 a 2011 um quarto vínculo público com a Prefeitura de Tabuleiro, município onde ele estava lotado como médico do Programa de Saúde da Família em jornada de oito horas diárias, embora mantivesse com a Prefeitura de Juiz de Fora a obrigação legal de trabalhar também por oito horas diárias. Por causa da incompatibilidade de horário e da quantidade de vínculos, o médico é réu em ação civil por atos de improbidade administrativa com pedido de reparação de danos ao erário. A apuração aponta que, das cem horas semanais, ele trabalhava efetivamente 22.

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A fraude da jornada foi levantada pelo Ministério Público a partir do cruzamento de informações junto ao Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), às folhas de frequência do profissional e declarações prestadas pelo próprio servidor investigado no período de janeiro de 2009 a julho de 2012. “Além de flagrante violação a vedação constitucional de acumulação de mais de dois cargos/empregos privativos de profissionais da saúde, apurou-se verdadeiro descaso por parte do demandado para com a saúde e erários públicos, uma vez que, durante o período analisado, o profissional simplesmente desconsiderou suas obrigações com as municipalidades e o Estado, deixando de cumprir significativo percentual das jornadas diárias de trabalho às quais estava legalmente submetido”, afirmou, no ano passado, os promotores Jorge Tobias de Souza, Adriana Vital do Valle, Rodrigo Barros, Bruno Alexander Soares, Nélio Costa Júnior e Samyra Ribeiro Namen, que juntos assinam a denúncia.

Jornadas substituídas por acordos durante décadas

Há exatos dez anos, a Tribuna denunciou o descumprimento de jornada de trabalho por parte dos profissionais da área da saúde na cidade. Passada uma década, o tema continua polêmico e ainda divide opiniões.

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Alguns profissionais que são alvo dos procedimentos apuratórios do Ministério Público dizem estar amparados por lei municipal. É que, em 2011, foi sancionada norma que estabelece critérios para o cumprimento da jornada semanal de trabalho dos médicos ligados à administração direta.
A lei formaliza uma prática antiga: a agenda real. Por quase 20 anos, as jornadas de trabalho legalmente previstas foram substituídas por acordos de produtividade junto aos médicos vinculados à Secretaria de Saúde. Na prática, caberia aos profissionais da área médica o atendimento diário de 14 pacientes do SUS, além de duas urgências, com consultas com duração média de 10 a 15 minutos. Isso resultava em uma jornada mínima de duas horas e meia, embora a carga horária fosse de quatro horas.

Titular da Secretaria de Saúde na década de 1990, o atual deputado estadual Antônio Jorge Marques (PPS) afirmou que a agenda real não foi um princípio do descumprimento da jornada de trabalho, ao contrário, veio trazer um real cumprimento das obrigações do médico especialista do PAM-Marechal, com a implantação de consultas de qualidade e respeito ao horário agendado.

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“Naquela época, o PAM era o exemplo de tudo que não funcionava no SUS. Difícil de administrar, com vícios de cultura e uma fila institucionalizada. De modo geral, muitos não trabalhavam o mínimo necessário. Não havia sequer prontuário e a fila de pacientes nos incomodava muito, porque era um negócio desumano. Foi quando tivemos notícia de que o Datasus tinha criado algo revolucionário: uma agenda informatizada de consultas. A primeira aplicação pública dessa agenda em parceria com o município foi em Juiz de Fora, quando implantamos a Central de Marcação de Consultas (CMC). A CMC permitia o agendamento prévio. Para a central funcionar, eu tinha que organizar o processo de trabalho e colocar horário nos médicos. A agenda real foi um acordo que fizemos junto aos médicos para cobrar a presença deles. Isso permitiu um salto qualitativo imenso, garantindo o acesso do cidadão a consulta especializada e restabelecendo o compromisso dos médicos com o cumprimento da sua missão. Tivemos um salto brutal de consultas realizadas e de horas trabalhadas, além do fim das filas”, explicou Antônio Jorge.

Com a lei de 2011, os médicos da cidade com carga horária de 20 horas semanais cumprem 12 horas e meia por semana. O restante do tempo pode ser empregado no aprimoramento profissional. “A lei nos concedeu esse benefício. Agora estamos sendo cobrados por isso”, questionou profissional que prefere não ser identificado.

Para o titular da Coordenadoria Regional das Promotorias de Saúde, Rodrigo Barros, a forma de comprovação do uso dessas horas é frágil e dá margem para a existência de irregularidades. Na ação de responsabilização, é pedido, pelas Promotorias, não só o recurso de volta, mas também são identificados os gestores que foram negligentes na fiscalização das horas trabalhadas. Em alguns desses processos, já houve acordo de suspensão condicional mediante o cumprimento de condições legais, como a prestação de serviço à comunidade.

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Sindicato dos Médicos questiona foco da ação da Promotoria

Gilson Salomão critica foco da ação realizada pelas promotorias (Foto: Olavo Prazeres)

O ex-secretário municipal de Saúde, Antônio Jorge Marques, diz compreender a prerrogativa da função do Ministério Público, mas diz que ela não resolve a questão da discussão referente aos processos de trabalho do médico que, segundo ele, são muito distintos. O presidente do Sindicato dos Médicos, Gilson Salomão, também admite que o Ministério Público está cumprindo a função dele, mas critica o viés da ação. “Tem muitas coisas graves acontecendo no sistema de saúde, como a falta de profissionais, de medicamentos e de insumos, a fila para cirurgias eletivas. É por essas questões que o Ministério Público deveria se interessar mais, no entanto, se a promotoria acha que tem que tomar conta da carga horária de médico, fazer o quê”?

Para o delegado do Conselho Regional de Medicina (CRM-MG), José Nalon, a fiscalização do Ministério Público se baseia no que foi contratualizado entre o médico e o serviço público. “O Ministério Público não se preocupa, por exemplo, se tem médico extrapolando em muito essa carga horária por exigência da própria demanda. Além disso, o médico tem antes de tudo um dever e um direito ético de dedicar ao paciente o tempo que ele precisar, embora existam casos mais complexos e outros mais simples. Infelizmente, a promotoria só está preocupada com a questão da carga horária. O que adianta um neurocirurgião ficar o tempo todo no HPS se ele pode não ser acionado nenhuma vez no plantão? Se esse especialista for imobilizado em um local, vai faltar neurocirurgião em outros hospitais em função do pequeno número de profissionais nessa área diante da demanda”, afirma.

Outras áreas

O promotor Rodrigo Barros, no entanto, diz que a atuação do Ministério Público vai muito além das horas trabalhadas. “Esse é um trabalho conjunto realizado por 35 promotorias que assumiram o compromisso de fazer uma avaliação contínua do quadro de profissionais de saúde vinculados ao município, ao estado e aos entes federados que não inclui somente o médico, mas outros profissionais da área. Encontramos nos 94 municípios quase dez mil vínculos públicos entre 4.500 profissionais, o que gerou diversos relatórios e a deliberação das promotorias em aprofundar essas investigações. Dada a vultuosidade do trabalho proposto, houve a deliberação de focar em áreas específicas e sensíveis à saúde pública.

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Neste momento, o foco é a estratégia de saúde da família, especificamente o cumprimento da jornada pelos profissionais médicos vinculadas a essas equipes, cujos dados estão sendo cruzados para avaliar a compatibilidade entre os vínculos privados e públicos. O Ministério Público, no entanto, tem inquéritos para todas as áreas. Temos outro projeto que verifica a condição estrutural de todas as unidades de saúde da macrorregião, ações contra a falta de medicamentos no município, além de firmarmos um Termo de Ajustamento de Conduta para incluir o farmacêutico nas unidades de saúde. Quem critica, não conhece o trabalho da promotoria.”

Após TAC, biometria é implantada pela Secretaria de Saúde em todas as unidades (Foto: Fernando Priamo)

Depois de ação, biometria  é implantada no município

O levantamento realizado pelo Ministério Público (MP) sobre o cumprimento das jornadas de trabalho acabou resultando na assinatura de um Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o município e o MP em 2010, mas que só agora vem sendo efetivamente cumprido pela Prefeitura. A partir da ação de execução do TAC pela promotoria formalizada em janeiro deste ano, o ponto eletrônico foi adotado pela Secretaria de Saúde, que é um dos maiores empregadores de Juiz de Fora.

Em nota, a Prefeitura informou que o sistema está implantado e todas as comprovações foram remetidas ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais. “A PJF passou a adotar todos os procedimentos para o controle e apuração da frequência dos servidores visando mais eficiência na cobrança da jornada dos profissionais. Neste contexto, após a instalação dos equipamentos, demandou-se longo tempo junto à empresa desenvolvedora do sistema informatizado de controle, para customização do software às especificidades do Município, além do cadastro das digitais dos servidores. Paralelo a isto, a Administração ressalta estar continuamente acompanhando e providenciando eventuais ajustes que se façam necessários visando ao aperfeiçoamento constante do sistema”, informou por meio da assessoria.

Para o secretário executivo do Conselho Municipal de Saúde, Jorge Ramos, a biometria é uma forma de controle, mas não resolve o problema da demanda reprimida e nem da desassistência na saúde. “Faltam profissionais. Muitos especialistas foram se aposentando e não houve reposição desses profissionais na mesma proporção. Outros deixaram o SUS, porque o salário e as condições de trabalho não são atrativas. O fato é que a efetiva redução da jornada, assegurada por lei municipal, não é a melhor maneira de compensar os baixos salários. Por isso, não consigo fazer nexo entre a adoção da biometria e a ampliação de oferta de consultas, pois continuamos com demanda reprimida em algumas especialidades.”

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