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“A educação midiática é fundamental para o fortalecimento dos povos”

jose fernando
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Em tempos em que a noção de democracia é tão arranhada, o professor José Ignacio Aguaded Gómez, da Universidade de Huelva, na Espanha, é enfático no que diz respeito ao estudo das mídias para compreensão da sociedade contemporânea. “A educação midiática tem que ser, necessariamente, progressista. Ela precisa partir de um culto ao saber que não é um culto ao dinheiro ou ao poder. Essas instâncias representam a sociedade vertical que tem se manifestado não só no Brasil e na América Latina com o avanço conservador, mas também com o crescimento da ultra direita na Europa e seus ataques aos imigrantes por exemplo. Estes setores não querem que a população tenha conhecimento sobre as mídias, porque é este o caminho para a democracia de fato, do crescimento de um povo.”

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O docente, vice-reitor de Tecnologia e Qualidade da Universidade de Huelva, da Espanha, esteve em Juiz de Fora na última semana, como convidado do II Congresso Internacional sobre Competências Midiáticas, realizado entre os dias 23 e 25 de outubro de 2017, na Faculdade de Comunicação da UFJF. Sobre o tema central do congresso, ele explica que tais competências correspondem à capacidade de compreender e usar as mídias de uma forma “inteligente, ativa, participativa, em oposição completa ao consumo compulsivo, inconsciente, massivo que normalmente são as práticas de nossa dinâmica com as tecnologias de comunicação e informação”.

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Segundo o especialista, a formação voltada para as competências midiáticas é tão essencial que, só por meio dela, pode-se, na atualidade, pensar em democracia na plenitude do termo. “A democracia na contemporaneidade não é mais votar de quatro em quatro anos, como temos tendência a pensar. É exercer uma cidadania que seja capaz de pensar, de fomentar ações livres, democráticas, proativas e tolerantes. E isso se consegue entendendo os meios, por isso é tão importante que haja formação para isso, para possibilitar que a interação com eles seja inteligente.
“Não é possível pensar em um povo inteligente sem que ele seja alfabetizado para a realidade, sobretudo a realidade virtual.”
“Os poderes precisamente não creem nesta fórmula de educação que promove a emancipação, já que ela fere seus interesses.”
“A escola sempre é partidária porque ela só tem sentido não para reproduzir o passado, mas para transformá-lo.”

Tribuna – Qual é o papel das mídias na atualidade?
Professor José Ignácio – As mídias hoje são o universo central da sociedade. Não há possibilidade de entender a sociedade contemporânea sem elas, por isso é tão importante que os cidadãos estejam preparados, formados, alfabetizados e tenham letramento para compreendê-la de uma forma inteligente, para apropriar-se dos aspectos positivos, mas também para recusar os negativos, que são muitos. A televisão, a internet e vários outros meios possuem programas que não aportam valores positivos às pessoas, mas há um altíssimo consumo deles. É importante, por isso, desenvolver estratégias que permitam à população compreender suas mensagens, fazer análises criticas e, de alguma forma, aproveitar todas as possibilidades que as mídias têm, mas que, por ignorância, desconhecimento e incompreensão de suas línguas e códigos os cidadãos não conseguem.

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– Como é possível “separar o joio do trigo” nos ambientes digitais?
– Com educação e formação. A primeira e mais simples atividade é tomar distanciamento dos meios. Eles estão presentes em nossas vidas de uma forma naturalizada: comemos, dormimos, fazemos tudo e consumimos mídia ao mesmo tempo. O uso de celular é algo que se tornou natural em nossa vida, mas não podemos nos esquecer de que ele é um ator artificial. Não há reflexão sobre o impacto das mídias em nossas vidas. Toda a linguagem das mídias tem fatores técnicos que a população deveria conhecer, não do ponto de vista técnico ou profissional, mas como usuários. É simples entender: se estudamos história porque nos permite conhecer o passado e somos melhores cidadãos a partir deste conhecimento, também deveríamos estudar os meios de comunicação, conhecimento que nos permite viver melhor.

Assim, as mídias deveriam ser parte do currículo escolar e deveria também ter uma formação junto à família, já que a maior parte do consumo midiático se passa em casa. E os meios também deveriam ter programas de formação midiática, pois educar sua audiência é a melhor estratégia para se compreender um público crítico, participativo, que vai além de audiências rasas que só buscam valores de mercado.

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– Até porque as mídias também têm um papel social, né?
– Claro! Um tripé em que fossem convergentes família, meios de comunicação e escola seria a melhor estratégia para o desenvolvimento de uma sociedade que, em vez de valores comerciais e econômicos, seja capaz de realizar um desenvolvimento cultural que realmente faça progredir os povos. Os povos não crescem somente pelo PIB, crescem quando há muita cultura, muita crítica, muita população inteligente. Hoje não é possível pensar em um povo inteligente sem que ele seja alfabetizado para a realidade, sobretudo a realidade virtual. Porque se fizermos um levantamento sobre o que as pessoas pensam sobre a realidade, a da vida real mesmo, ficaríamos surpreendidos com o quanto deste conhecimento vem da televisão, das redes sociais, da internet como um todo. Criamos nossa opinião a partir dos meios.

– Existem iniciativas de sucesso neste tipo de formação?
– Há muitas referências mundiais, muitos casos isolados em países como Canadá, Austrália, Inglaterra, Espanha… que vêm apresentando bons resultados. Mas este tipo de experiência precisa ser contínuo, ao longo de um período de tempo, não podem ser exercícios esporádicos. Além disso, tem que ser uma prática convergente, em que escola, meios de comunicação e família intervenham conjuntamente. Porque a escola finalmente já não tem o monopólio do saber. O saber está mais nos meios, hoje as crianças aprendem muito mais com a televisão, com os jogos eletrônicos, com as redes sociais, com internet do que na escola. Portanto, se não há convergência de todos estes fatores, é muito difícil. Então, sim, há muitas experiências bem-sucedidas, mas o mundo muda muito rapidamente também.

Há dez, 15 anos, ninguém falava em smartphone, e hoje gravamos, fazemos vídeos, conversamos com qualquer parte do mundo…. Fazemos tudo, menos falar. Hoje telefone não é para falar. Os adolescentes contratam pacotes de telefonias telefônicas com zero voz, só dados. Os meios estão no nosso bolso, estão nos acompanhando. McLuhan (Marshall McLuhan, canadense, teórico da comunicação) dizia que os meios eram como uma extensão das pessoas, hoje não são mais extensões, são partes internas, integrantes e vão ao mundo todo com elas. Por isso a necessidade urgente de formar pessoas para que tenham competências que as permitam compreender os meios. Porque eles não vão parar de se desenvolver, e as pessoas também não podem. Devem ser capazes de se apropriar deles, serem protagonistas. E não serem absorvidas por eles, os meios.

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– Mas é possível pensar nisso em um contexto de evolução tão acelerada da tecnologia? Parece que estamos sempre ficando para trás…
– É um grade desafio, tentar por, no mesmo compasso, o desenvolvimento das pessoas e o desenvolvimento dos meios. Mas é possível. Hoje as mídias estão mais acessíveis, mais universais, mais compreensíveis. Mas, de qualquer maneira, é possível porque a formação para os meios é muito semelhante agora ao que era há 15 anos. Porque a principal mudança é uma tomada de posição: a de que pessoa não é mais apenas receptora passiva, é protagonista dos meios. Isso vale para a TV, para o rádio, para internet, redes sociais. Só desta forma os meios podem se converter em instrumentos de desenvolvimento e só assim poderemos falar de uma cidadania crítica, democrática e participativa.

– E em termos de formação de competências midiáticas, como está a América Latina?
– A América Latina é um todo muito global, muito plural, mas não está mal neste contexto. Desde os anos 1970, houve um forte crescimento de iniciativas de educação para comunicação. É verdade que vários países passaram por crises econômicas, sociais e políticas, que são um fator perverso. Isto porque este tipo de formação exige uma população que tenha elevado nível cultural, que creia no poder da democracia participativa popular, e a educomunicação contraria completamente as ditaduras, os poderes econômicos e o mercado (em um sentido imperialista, quando vem tudo de fora).

Apesar disso, acredito que a América Latina e o Brasil em particular estejam em um caminho bom, com experiências notáveis. Mas é preciso haver articulação para que haja pesquisa de qualidade, que permita desenvolver programas que envolvam os meios de comunicação, os políticos com as leis, a educação e os currículos escolares e também as famílias, um núcleo central, já que o consumo midiático começa com cerca de 2 anos, com crianças tão pequenas que só pais e mães podem exercer um trabalho importante na educação para as mídias.

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– No Brasil e em vários outros países, vive-se um momento de avanço do conservadorismo e do reacionarismo. Como as competências midiáticas podem atuar neste contexto?
– A educação midiática é fundamental para o fortalecimento dos povos, porque os modelos reacionários se embasam fundamentalmente em povos incultos. A “incultura” é sinônimo de ditadura, já o empoderamento – uma palavra muito interessante apesar de ser um anglicanismo – é o poder dos povos, da cidadania. Quando ele existe, cria-se uma blindagem para que haja uma democracia sólida. E, atualmente, o jogo para se fazer isso está, em grande parte, nos meios de comunicação.

Há programas de TV e internet, telenovelas e produtos midiáticos diversos que vendem valores convencionais e estereótipos conservadores, tudo isto limita a compreensão de mundo, a vida pessoal e contradiz o empoderamento social. Uma sociedade com valores fortes, embasados fundamentalmente na educação e nas competências midiáticas é chave para que estas involuções conservadoras e reacionárias, que têm caráter mercantil e ideológico, sejam impedidas de crescer.

– O senhor fala muito na integração “escola-família-mídias-políticas-sociedade” para o desenvolvimento das competências midiáticas. No Brasil, há alguns setores (como o movimento “Escola sem partido”, em prol de uma educação desvencilhada de fatores políticos) que defendem a separação destas instituições na formação das crianças e jovens. Como o senhor vê isso?
– A estratégia de separar família, mídia e qualquer uma das outras premissas é conservadora justamente porque a integração entre estes elementos é o fator chave do empoderamento dos povos. Enquanto isso, o modelo conservador segue pensando em castas, em elites que dominam os povos e acreditam que os povos não pensam, não agem. A educação midiática é sempre estruturada em modelos progressistas, de transformação social e de empoderamento, reação a modelos conservadores que defendem que deva haver castas, elites e aristocracias econômicas sim, mas também culturais e ideológicas. Não pode haver uma escola sem partido. A escola sempre é partidária porque ela só tem sentido não para reproduzir o passado, mas para transformá-lo.

– Estamos conectados o tempo todo, inclusive nossos jovens e crianças. Como é possível incorporar essa conectividade para construir um modelo de educação mais emancipatório?
– A meu ver, o mais importante é que haja muita formação de base. Creio que a informação não virá “de cima”, dos poderes, porque eles precisamente não creem nesta fórmula de educação que promove a emancipação, já que ela fere seus interesses. Acredito muito nos jovens como elemento de transformação, por isso acho essencial formar grupos voltados para a formação deste público. São eles que realmente podem realizar esta revolução da educomunicação, um processo que será sempre pausado, mas que será sempre necessário para melhorar a sociedade e o mundo. A partir destas mudanças, poderemos conceber sociedade com mais consciência de meio ambiente, posturas mais pacifistas, uma visão mais global do mundo e mais solidária.

– E o conhecimento técnico sobre tecnologia os jovens já têm, em sua maioria esmagadora. Como usar isso a favor desta noção de democracia com base no empoderamento do povo?
– Há duas considerações que algumas pesquisas apontam. A primeira é que o consumo massivo não garante uma compreensão melhor dos meios, pelo contrário, quanto mais consumo, menos capacidade analítica possuo. É diferente do que ocorre com os livros, os quais quanto mais lemos, mais temos registros linguísticos, conhecemos mais palavras e mais expressões. Na linguagem das mídias, acontece o oposto: é uma linguagem que não é intuitiva. Por exemplo, uma pessoa na faixa de 60, 70 anos anos que assiste oito horas de TV por dia vai perdendo as capacidades interpretativas e de compreensão.

Com isso, ela tende a pensar que a realidade televisiva é a própria realidade da vida. Isto é um princípio veementemente contrário à educação midiática, que pretende primeiro mostrar que a realidade mostrada nas mídias é diferente da realidade “real”. Portanto, o consumo excessivo não garante a compreensão dos meios. Outro ponto é que o conhecimento acerca da tecnologia não é o conhecimento sobre os meios de comunicação, porque não permite a compreensão deles em sua totalidade, de seus valores, o que ocultam… porque afinal muitos meios são mantidos por poderes econômicos que pretendem vender alguns valores frente a outros. A noção de valores de igualdade só é possível com a educação midiática, que é necessariamente progressista e vai muito além do mero consumo de mídias e do conhecimento da tecnologia.

 

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