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Obra milionária em Jardim Botânico pode não sair do papel

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Teleférico deveria ter sido entregue em abril de 2014, mas só torres foram instaladas (Foto: Fernando Priamo)
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Próximo de inaugurar o Jardim Botânico, a UFJF tem que lidar com um problema causado por um projeto milionário, que até agora não saiu do papel: o teleférico e o trenó de montanha. Previstos para funcionarem em parte dos 85 hectares que compõem o empreendimento, não há o menor sinal de que os equipamentos irão, de fato, funcionar. Enquanto a atual gestão da universidade enfrenta a limitação de recursos para garantir o início das visitações ao importante espaço verde, mais de R$ 23 milhões foram gastos somente nesses projetos, e, pior, correm o risco de serem desperdiçados. A Tribuna descobriu que as seis cabines, orçadas em R$ 11,378 milhões, estão há quatro anos guardadas em dois contêineres na Suíça. Para trazer o material ao Brasil, cuja garantia expirou em 2016, a UFJF teria que desembolsar mais de R$ 1,6 milhão, a fim de proceder a importação, dinheiro que a instituição já afirmou não dispor (ver fac-símile 1). Se não for remetido ao país, o teleférico poderá ser incorporado ou alienado pela fabricante suíça Rowema AG, como já ameaçou a empresa estrangeira. Seria uma forma de cobrir as despesas mensais de armazenagem de 23 toneladas de material, que está em torno de 10 mil francos suíços, cerca de R$ 40 mil por mês.

Por e-mail, o gerente geral da Rowema em Dübendorf, Andreas Knapp, confirmou para a Tribuna a guarda do equipamento e até se dispôs a fotografá-lo para o jornal mediante autorização da Topus Construtora, empresa brasileira que iniciou as obras do teleférico e intermediou a compra junto à Rowema. Sediada em Belo Horizonte, a Topus está em litígio contra a UFJF. De acordo com o processo que corre na 2ª Vara do Tribunal Regional Federal (TRF1), em Juiz de Fora, a empresa mineira que paralisou as atividades nas estações de lançamento e reenvio do teleférico, localizadas no Bairro Santa Terezinha e Alto Eldorado, cobra mais de R$ 5 milhões da UFJF por diversos descumprimentos contratuais. A Topus exige, ainda, o encerramento do contrato.

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Procurados pela Tribuna por e-mail e telefone, representantes e advogados da empresa não demonstraram interesse em se manifestar sobre o assunto. Apesar de as obras estarem suspensas há mais de dois anos, placas da Topus ainda podem ser vistas na entrada do Jardim Botânico e no que seria a estação de reenvio do teleférico. No local, porém, fechado com cadeado, a única movimentação é de um cachorro mantido no prédio inacabado e de dois vigias da Adcon, terceirizada da UFJF, que se revezam na função de “proteger” o patrimônio.

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Conforme outdoor instalado na entrada do Jardim Botânico, o teleférico deveria ter sido entregue em 1º de abril de 2014. A UFJF, principal interessada no assunto, afirmou que não pode se manifestar neste momento sobre o assunto, alegando segredo de justiça. Disse apenas que, tão logo a nova gestão assumiu o comando da universidade, entrou com recurso na justiça, solicitando o envio do teleférico ao Brasil. Até agora não existe acordo sobre isso.

Fac-símile 1: UFJF já afirmou não possuir recursos para importar equipamento que está na suíça

UFJF poderá ter que devolver mirante

A polêmica em torno do teleférico não se restringe ao valor da obra, mas à viabilidade de funcionamento e de uso de um espaço que seria transformado em uma das principais atividades de lazer da cidade. A previsão era de que os visitantes sairiam de dentro do Jardim Botânico, em Santa Terezinha, onde uma parte da estação de lançamento pode ser vista, e seguiriam, por transporte aéreo, em cabines, até o Alto Eldorado, onde está parcialmente instalada a estação de reenvio. Lá de cima, avistariam a Zona Norte da cidade e parte dos 291 hectares que compõem o espaço conhecido como Mata do Krambeck, a maior reserva de Mata Atlântica em área urbana do país.

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Mirante do Bairro Eldorado, que era usado como área de lazer da comunidade, foi ocupado por construção inacabada (Foto: Fernando Priamo)

Antes da estação de reenvio começar a ser construída, havia um mirante na parte alta do Eldorado que foi doado pelo Município para a UFJF em 2014 (ver fac-símile 2). A escritura de doação da área de 23.824 metros quadrados, orçada em R$ 4,8 milhões, prevê que a UFJF inicie as atividades em dez anos, caso contrário, terá que devolver o espaço para o Município. O prazo expira em 2024.

Fac-símile 2: Escritura mostra que área de mirante foi doada à UFJF pela Prefeitura

O mirante era utilizado como lazer por toda a cidade e, principalmente, pelos moradores do bairro periférico que realizavam até um famoso festival de pipa na área, que chegou a ser conhecido não só em Juiz de Fora, mas na região. “Agora não temos mais nada, nem o local para os meninos brincarem de pipa. Do teleférico, há apenas as torres instaladas em meio ao vazio”, atesta Rosa Pires de Oliveira, 39 anos, moradora do prolongamento da Rua Adelaide Maria da Conceição, onde o asfalto ainda não chegou.

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A indignação é compartilhada pelo presidente da Associação de Moradores do Eldorado, Luiz Cláudio Cardoso, 56. Segundo ele, o início das obras trouxe a expectativa de melhorias na infraestrutura do bairro, carente de equipamentos urbanos e com vias precárias e estreitas. “Hoje o teleférico virou um elefante branco, que fica ali fechado, sem acesso ao público. Iríamos ter lazer, atrair o público e benefícios para o bairro, e, ao longo do tempo, a gente viu que não foi isso que aconteceu. O que vimos é uma obra parada, onde há mato alto e não se sabe como e quando ficará pronta”, afirma.

Encosta

Outra questão que preocupa moradores da região é a instabilidade da encosta na qual estava sendo erguida a estação de reenvio. Segundo Luiz Cláudio, 13 casas foram interditadas pela Defesa Civil, em 2012, em virtude do risco de queda do talude nas residências localizadas na Rua Doutor Sebastião de Andrade, no Eldorado. Do alto da via, é possível observar parte da construção parada. “Ninguém falou pra gente que eles estariam construindo algo no topo. Nos deixaram a Deus dará. Se pediram pra gente sair por causa de uma rachadura aqui na parte debaixo, por que deixaram fazer uma obra tão pesada em cima de uma estrutura condenada?”, questionou a moradora de uma das residências localizadas na área Lidiane Domingos Dutra, 31.

Por meio de nota, a Secretaria de Meio Ambiente (SMA) informou que o Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Comdema) concedeu, em 2013, uma licença de instalação para a construção do teleférico. A licença, válida por dois anos, foi renovada em 2015 e encontra-se vencida, uma vez que se expirou em 2017. No entanto, a pasta afirma que a recente publicação da uma nova Deliberação Normativa do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), em março deste ano, retirou a atividade de instalação de teleféricos da listagem de atividades passíveis de licenciamento ambiental. Ou seja, a UFJF não precisará de licença ambiental caso um dia retome a obra.

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Com relação ao terreno doado à Universidade, a pasta afirma que, após o prazo de dez anos, a previsão legal é que, não havendo a construção/instalação da estação, o imóvel seja revertido ao Município automaticamente.

Sobre a reclamação feita pelos moradores, a Defesa Civil informou, em nota, que que o problema de deslizamento do local é antigo e não teve qualquer interferência da obra, que está situada “acima do barranco e distante” da interdição, “não gerando qualquer impacto ou problema para encosta”. Segundo a nota, a obra trouxe benefícios para população, pois contemplou a captação e direcionamento da água da chuva que caía na parte de cima do barranco e descia em grande volume pela encosta. A pasta conclui, lembrando que existe um projeto de contenção em aprovação no Ministério das Cidades, orçado em R$ 8,5 milhões, que depende de recursos e aprovação para licitação e execução.

Capacidade de carga

Como o mirante deu lugar a uma estação inacabada, a grande questão dos moradores é quanto ao uso do teleférico, se, um dia, ele vier a ser instalado. É que a maioria não tem recursos para usufruir de um lazer pago, única forma de garantir a manutenção de um equipamento desta natureza. Outro ponto polêmico diz respeito à capacidade de carga do Jardim Botânico: 300 pessoas por dia. O número não garante a rotatividade necessária para manter um investimento milionário como o teleférico.

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Projeto de estação de lançamento do teleférico, localizada no interior do Jardim Botânico, ficou apenas no croqui. Obras estão paradas há dois anos (Foto: Fernando Priamo)

Além do teleférico, há ainda um trenó de montanha, no valor de R$ 4,3 milhões, que também está se deteriorando por falta de uso. Quando o material foi adquirido, em 2014, a Rodoviário Camilo dos Santos Filho Ltda, unidade Park Sul Juiz de Fora, foi a primeira depositária do equipamento que hoje não está mais sob os cuidados da empresa. Atualmente, o trenó e toda a estrutura de suporte e instalação estão sendo mantidos em um galpão do Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (Caed).

O equipamento teria como finalidade transportar visitantes e pesquisadores para outras áreas preservadas do jardim, com acesso a trilhas onde poderiam ser observadas espécies nativas, serpenteando parte da vegetação do Jardim Botânico, como uma espécie de montanha russa. Sentado em um carrinho, o condutor tem o controle do objeto para realizar a descida, decidindo em que velocidade quer andar através do sistema de freios. O empreendimento serviria não apenas para fomentar o lazer no espaço, mas para possibilitar o acesso de visitantes e trânsito de pesquisadores para áreas remotas da vegetação do Jardim Botânico.

MPF e TCU investigam possíveis irregularidades na licitação

Os problemas envolvendo a obra do teleférico estão sob investigação do Ministério Público Federal (MPF) e do Tribunal de Contas da União (TCU). Em fevereiro deste ano, o MPF abriu inquérito civil para investigar possível favorecimento de uma empresa na elaboração do projeto de instalação do teleférico em 2011. Já o TCU tem uma representação aberta para apurar possível sobrepreço do teleférico.

A suspeita do MPF é de que “o responsável técnico pelo projeto executivo de implantação de equipamentos no Jardim Botânico da Instituição seria o dono da empresa que intermediou a compra dos teleféricos”. O processo corre na Procuradoria da República em Juiz de Fora, cujo promotor titular é Marcelo Borges Mattos Medina, o mesmo responsável pelas ações e investigações da Operação Editor, que investiga irregularidades nas obras do Hospital Universitário da UFJF. O inquérito tramita em sigilo.

Não é a primeira vez que as suspeitas de favorecimentos aparecem no processo de licitação do Jardim Botânico. No que tramita na 2ª Vara da Justiça Federal, a Construtora Topus e a própria Universidade já comentaram essa possibilidade em audiência (ver fac-símile 3). A UFJF chegou a abrir uma sindicância administrativa em setembro de 2017 para apurar dados orçamentários e financeiros relativos à compra do teleférico e do trenó de montanha. O procedimento segue em andamento na instituição.

Fac-símile 3: Suspeitas de favorecimentos foram levantadas em processo que tramita na 2ª Vara Federal, cuja última audiência foi realizada em 11 de dezembro de 2017

O que está sendo questionado é se houve conflito de interesses na licitação. De acordo com os autos, os advogados que representam a Topus afirmaram, em 22 de janeiro de 2018, que “o teleférico especificado pela UFJF na fase licitatória era exclusivo de um único fornecedor, localizado na Suíça, que detinha um único representante oficial credenciado no Brasil”.

Procurada, a responsável pelo projeto executivo, a M3V Empreendimentos, afirmou não ter conhecimento do Inquérito Civil instaurado no Ministério Público Federal e que não vai comentar o assunto. Sobre o andamento do processo, o Tribunal de Contas da União disse que a representação foi aberta no início de 2018 e corre em sigilo.

UFJF pretende inaugurar Jardim Botânico ainda este ano

Expectativa é de que área do Jardim Botânico receba até 300 visitantes por dia (Foto: Fernando Priamo)

Apesar do impasse envolvendo o teleférico, a UFJF trabalha para inaugurar o Jardim Botânico ainda em 2018, após mais de três anos de atraso. Desde que assumiu a gestão da universidade, em 2016, o reitor Marcus David determinou que fossem iniciados estudos de propostas condizentes com o atual cenário político e econômico da instituição para traçar um plano que pudesse viabilizar a conclusão do espaço.

A nova gestão pretendia realizar a abertura do espaço ao público e para a pesquisa em março de 2018. Atualmente, a UFJF realiza obras finais de infraestrutura, bem como a instalação das redes de água, esgoto e energia. A expectativa é que o local receba 300 pessoas por dia. Cem vagas seriam reservadas às escolas e as outras 200 preenchidas mediante demanda espontânea.

Além da pesquisa e da educação, o jardim reserva atrações que reforçam o turismo local, como lagos com decks, espaços de exposição, bromeliário e orquidários. Recentemente, a instituição selecionou 28 estudantes bolsistas para atuar no projeto pedagógico de educação ambiental, que vai orientar as visitas.

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