Cerca de 70% dos homicídios e das tentativas de assassinato em Juiz de Fora têm algum tipo de envolvimento com gangues, conforme avaliação do delegado Rodrigo Rolli, que faz palestra nesta quinta-feira (29), às 10h, no plenário da Câmara Municipal. O evento é promovido pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), oficializada em maio para investigar e apurar recorrentes casos de violência envolvendo grupos e rivalidade de bairros na cidade.
O objetivo é alertar os jovens para o problema e buscar soluções para minimizar a criminalidade, não tendo o intuito de fiscalizar ou punir. Segundo Rolli, a expectativa é de que as informações possam contribuir para que a CPI de Combate às Gangues emplaque propostas no Legislativo, como coibir os bailes funks no município – durante os quais ocorreram sete tentativas de assassinato e dois homicídios em um intervalo de apenas oito meses – e também promover ações voltadas para a educação e para projetos sociais, com foco nas escolas públicas.
À frente da Delegacia Especializada de Homicídios há três anos, o delegado contabilizou, ao todo, 1.040 crimes contra a vida entre 2014 e 2016, sendo 634 tentativas de assassinato e 406 homicídios. Nos cinco primeiros meses deste ano foram 124 casos, e 49 deles resultaram em morte. Em cerca de 75% das ocorrências, os jovens de até 25 anos aparecem como vítimas e também como autores. Rolli destaca a dificuldade em se combater esse tipo de delito e pondera que, embora a maioria dos crimes contra a vida tenha relação com grupos rivais, a maior parte deles tem também como pano de fundo o tráfico de drogas.
A observação busca diferenciar aquele conceito primário de gangue, relacionado apenas à questão territorial e bairrista, da atual concepção de quadrilha ou bando, reformulada pelo artigo 288 do Código Penal desde 2013 como associação criminosa. Com a mudança, é prevista punição de um a três anos de reclusão para quando são associadas três ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes. Antes, quando o artigo tratava de formação de quadrilha, era necessário ter no mínimo quatro pessoas para tipificar o crime.
“Agora também há associação qualificada para uso de armas e de menores de idade. Isso ajudou muito a ter uma punição mais severa para autores desse tipo de crime”, destacou Rolli. No caso do agravante de associação armada ou com participação de criança ou adolescente, a pena pode ser aumentada até a metade da prevista.
O delegado destacou que vai concentrar a palestra na relação das gangues com homicídios, por se tratar da sua área de atuação, apesar de reconhecer que os grupos também estão envolvidos em outros delitos, como crimes contra o patrimônio, incluindo roubos, e de dano, no caso de pichações. “Vou fazer uma análise criminológica. Mas vamos indicar à CPI que faça uma análise sociológica, com um profissional, para levantar os vários fatores que desencadeiam a formação de gangues.”
A CPI é presidida pela vereadora Ana Rossignoli (PMDB) e tem como relator Charlles Evangelista (PP). Os trabalhos terão duração de 90 dias, devendo o resultado ser publicado até o final de agosto. Também integram o colegiado os parlamentares André Mariano (PSC), Marlon Siqueira (PMDB) e Sargento Mello (PTB). A proposta partiu de requerimento apresentado por Ana, após ter sido concebida pela vereadora Sheila Oliveira (PTC). Pelo menos dez autoridades e profissionais foram convidados a integrar a comissão, incluindo o juiz Paulo Tristão, do Tribunal do Júri, e os promotores de Justiça Paulo Emílio e Juvenal Martins Folly, além de representantes da OAB e das polícias Civil e Militar.
Disputa ligada a bairros ainda persiste na Zona Norte
O delegado Rodrigo Rolli destacou que, na Zona Norte de Juiz de Fora, ainda há casos de violência contra a vida motivados apenas pela questão territorial, e não atrelada a outros fatores, como o tráfico de drogas. “Existe especificamente uma rivalidade acentuada de gangues sem qualquer outro tipo de fundamentação por baixo.” Como exemplo, ele cita as disputas, muitas delas com mortes, entre moradores das vilas Esperança I e II, e entre residentes do Jardim Natal e do Jóquei Clube I. Já entre o Parque das Torres e os bairros Jóquei Clube II e III, a questão das drogas permeia os conflitos.
Um dos inquéritos elaborados pelo delegado resultou em uma recente condenação de quatro jovens, com idades entre 21 e 25 anos, por homicídio duplamente qualificado e por associação criminosa, no caso do assassinato de Fabrício Domingos Mendonça, 23, executado com vários tiros, no dia 30 de julho de 2016, na região do Parque das Torres. O julgamento no Tribunal do Júri foi concluído no dia 22 e presidido pelo juiz Paulo Tristão.
Os quatro réus seriam integrantes de uma gangue intitulada “Bonde do Celsinho”, suspeita de praticar vários crimes violentos naquela área e de amedrontar os moradores, inclusive promovendo a expulsão de alguns deles. As penas foram superiores a 16 anos e chegaram a 21 anos e seis meses de reclusão. “Fomos até os locais, fotografamos as paredes com as várias pichações. Demonstramos que se tratava de uma organização criminosa. Foi uma condenação muito boa”, avaliou Rolli.
Nas outras regiões, o tráfico estaria mais presente, principalmente entre os bairros São Benedito e Santa Cândida, na Zona Leste, e entre grupos da própria Vila Olavo Costa, Zona Sudeste, os quais disputam pontos de venda de drogas. “Eles se reúnem não só para o tráfico, mas para um defender o outro. Uma morte leva a outra por represália. E é essa a questão que motiva mais os homicídios e contribui para o aumento deles”, observou. Na Zona Sul, o delegado cita os confrontos entre Ipiranga e Jardim Gaúcho, enquanto na Zona Nordeste a briga acontece entre Retiro e Jardim Esperança. Nos dois últimos casos, o delegado relatou que as ocorrências diminuíram.
Delegado alerta para crimes em eventos
Com relação aos crimes mais recentes ocorridos em bailes funk, o delegado informou que o inquérito já possui 180 páginas. Os casos aconteceram no dia 18, quando dois jovens, de 19 e 20 anos, foram baleados no evento em um clube na parte baixa da Rua Benjamin Constant, no Centro. Para Rolli, houve negligência da organização em permitir que a festa continuasse mesmo após o primeiro baleado.
O rapaz mais velho deu entrada no HPS por volta de 1h com ferimento no braço após uma briga com moradores da Vila Esperança II. Já a segunda vítima, foi alvejada na cabeça e no tórax cerca de duas horas depois e, até quarta-feira (28), permanecia no CTI do HPS, sedada, grave e entubada.
Segundo o delegado, houve migração do evento para o clube devido ao cerco municipal feito em fevereiro na boate Santuário, no Mariano Procópio, Zona Nordeste, interditada pela Prefeitura em fevereiro devido ao histórico violento. Em novembro de 2016, uma briga na casa noturna resultou na morte de duas pessoas e deixou dois feridos. Três meses depois, dois jovens e uma adolescente grávida de nove meses foram baleados em uma confusão no local.
“Os bailes funk levam à prática de delitos. Apesar de muitos irem apenas para se divertir, outros já vão com segundas intenções. Há alta incidência de uso de drogas, não tem revista e segurança adequada, e acabam entrando com armas. No caso do clube, a organização deveria ter parado com o evento, mas de forma negligente e imprudente permaneceu com o baile com arma lá dentro. Cerca de uma hora e meia depois, outra vítima foi baleada de forma grave. Precisamos de fiscalização e de uma legislação mais firme.”
Rolli enfatizou a importância da família para tirar os jovens da violência e de ações que fogem da questão da segurança pública, voltadas para a educação e a área social. “Antes, as brigas tinham no máximo um soco inglês. Agora os homicídios nem são praticados mais com revólver, mas com pistolas, devido ao poderio econômico do tráfico. Os jovens não têm conceitos de limites e de valores, inclusive do valor da vida. Precisamos de projetos para diminuir e extinguir essa rivalidade”, finalizou o delegado.