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Mente, cérebro e espiritualidade

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Não é de hoje que a mente instiga a humanidade a aprofundar e realizar descobertas que expliquem a essência humana. Para pesquisadores, uma das grandes questões é entender se a nossa mente e personalidade são produtos do cérebro, sendo resultado exclusivamente de processos físico-químicos, ou se existe algo que transcende a isto tudo. Para refletir sobre a essência da natureza humana e abrir o debate para a relação entre a mente e o cérebro, o Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde (Nupes) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) promove neste sábado, em São Paulo, o Simpósio Internacional Mente-Cérebro, Espírito ou Alma?.

O evento é realizado em conjunto com o Departamento & Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), em parceria com a Universidade de Oxford, na Inglaterra. “Queremos reunir especialistas do Brasil e do exterior para discutir um dos temas mais desafiadores da história da ciência e da filosofia: o problema mente-cérebro. Ou seja, discutir o que nós somos, qual a natureza humana?”, destaca Alexander Moreira Almeida, fundador e diretor do Nupes.

Segundo o pesquisador, o tema abriga hoje duas correntes de estudo: a materialista ou fisicalista e a não materialista ou dualista. A primeira defende que a mente é um produto da atividade cerebral, como se o corpo fosse um computador biológico que gera a mente, com seus desejos, sentimentos e pensamentos. A segunda destaca que a mente é algo além do cérebro, mas que se utiliza do cérebro para se manifestar. “Neste caso, a mente não seria produzida pelas reações químicas e elétricas do cérebro. Ele seria como um aparelho de TV, que é importante para assistirmos a um programa, mas o mesmo não é produzido pelo aparelho de TV.”

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O simpósio reunirá pesquisadores das áreas de neurociência, psiquiatria, psicologia, filosofia e história da ciência. Cada mesa será composta por representantes das duas principais correntes. Entre as pesquisas a serem discutidas, estão estudos de neuroimagem, mostrando as alterações cerebrais em doenças mentais e as geradas por psicoterapia. “Serão também discutidas investigações de experiências espirituais, como as experiências de quase morte (EQM).”

O Nupes é um grupo de pesquisa interdisciplinar, pertencente à Faculdade de Medicina da UFJF, que investiga as relações entre ciência, saúde e espiritualidade, reunindo pesquisadores de áreas como medicina, psicologia, história, filosofia, fisioterapia, enfermagem e sociologia. O núcleo não está vinculado a nenhuma corrente filosófica ou religiosa.

Avanços

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Entre os últimos estudos realizados pelo Nupes, Alexander destaca descobertas sobre o impacto da espiritualidade em casos de transtornos mentais. Sobre os estudos, o diretor do Nupes aponta que, entre dependentes graves de crack, o envolvimento religioso na adolescência se relacionou com menor gravidade da dependência e com menos envolvimento com crimes. Em relação a pacientes com transtorno bipolar, aqueles que tinham maior envolvimento religioso apresentavam uma taxa bem menor de depressão e melhor qualidade de vida. “Mas quando tinham uma visão de um Deus punitivo ou uma postura passiva frente a problemas, desejando que Deus resolvesse tudo, tinham pior qualidade de vida”, ressalta.

Entrevista/Alexander Moreira Almeida, fundador e diretor do Nupes da UFJF

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Pesquisas investigam o impacto da religiosidade sobre a saúde

Antes de participar do Simpósio Internacional Mente-Cérebro, Espírito ou Alma?, em São Paulo, o fundador e diretor do Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde (Nupes) da UFJF, Alexander Moreira Almeida, conversou com a Tribuna. Ele ressalta, nesta entrevista, que ainda há necessidade de mais estudos acadêmicos nesta área tão complexa, mas lembra de pesquisas importantes, como a de experiências de quase morte (EQM) em que as pessoas relatam as “experiências fora do corpo”. Ele lembra o impacto positivo da espiritualidade e da religiosidade sobre a saúde. Alexander destasca, ainda, que a maioria da humanidade possui alguma espiritualidade e que as pessoas usam a fé para lidar com desafios da vida, como o adoecimento.

Tribuna – O senhor acredita que o cérebro só funciona a partir de processos físico-químicos?

Alexander Moreira – Pelo que se sabe de neurociência, até o momento, o cérebro funciona fundamentalmente a partir de seus processos elétricos e químicos. Porém, estou entre os pesquisadores que defendem a perspectiva de que estas atividades cerebrais são importantes para a manifestação da mente, mas não geradoras da mente. A mente/consciência seria um outro componente essencial do universo, além do componente material.

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– Há evidências científicas de que carregamos um corpo espiritual além do físico?

– Este é um tema bastante complexo e controverso, mas ainda pouco estudado academicamente. Há pesquisas, por exemplo, com “experiências de quase morte” (EQM) em que as pessoas relatam as “experiências fora do corpo”. Elas dizem se perceber fora do corpo físico, muitas vezes, observando o corpo físico como se estivessem olhando a partir do teto. A grande discussão é se estes relatos seriam frutos de alucinações e de imaginação ou se seriam vivências verídicas. Há interessantes relatos documentados em que os pacientes que tiveram EQM descrevem com detalhes e precisão o que ocorreu na sala do hospital durante o período em que estavam em parada cardíaca e, portanto, sem o funcionamento cerebral, o que, segundo a visão materialista, impossibilitaria a atividade da mente.

– Para o Nupes, quais seriam os conceitos de espírito e alma? Há diferença entre eles?

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– O Nupes não tem um conceito específico para os termos, utilizamos os conceitos que são adotados no ambiente acadêmico pelos pesquisadores. Sobre os termos “espírito” ou “alma”, há uma longa tradição de uso destes termos pela filosofia, ciência e religiões. O termo “psiquê” vem do grego e tem sido utilizado ao longo dos séculos e sido traduzido como “alma”, “espírito” ou “mente”. Este termo originou as palavras psiquiatria (medicina da alma/mente) e psicologia (estudo da alma/mente). Assim, estes termos, muitas vezes, são utilizados de modo intercambiável, designando o “eu”, a sede dos pensamentos e sentimentos. Uma questão importante é se esta psiquê é resultado de uma atividade do corpo, como defendem os materialistas, ou se é algo independente dele, como defendem os dualistas ou não materialistas.

– Há diferença, para a medicina, entre os conceitos de religiosidade e espiritualidade?

– Há muita discussão no ambiente científico sobre os conceitos de religiosidade e espiritualidade. Em linhas gerais, pode-se dizer que a espiritualidade diz respeito à nossa relação com o sagrado e o transcendente, com o extra físico. Enquanto a religião seria um conjunto de práticas e crenças desenvolvidas para o contato e o desenvolvimento do sagrado e do transcendente. Nesta perspectiva, a religião seria um subconjunto da espiritualidade.

– Até que ponto a fé pode impactar no quadro clínico de um paciente?

– Há milhares de pesquisas investigando o impacto da espiritualidade e da religiosidade sobre a saúde. Estes dados mostram que a maioria da humanidade possui alguma espiritualidade e que as pessoas frequentemente utilizam a sua fé para lidar com desafios da vida, como o adoecimento. Os estudos indicam de modo bastante consistente que os maiores níveis de envolvimento religioso estão geralmente associados à melhor qualidade de vida, menos depressão, suicídio, uso/abuso de drogas e maior expectativa de vida. Por outro lado, pessoas podem, por razões religiosas, abandonarem tratamentos essenciais, gerando piora de seus quadros clínicos. Assim como uma atitude religiosa que enfatiza a intolerância, a passividade ou um Deus punitivo está associada com depressão, ansiedade e pior qualidade de vida.

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