O acelerado processo de urbanização em Juiz de Fora, sobretudo nas últimas cinco décadas, tem deixado a cidade cada vez mais quente. Isso significa que, cada vez mais, a população enfrenta dias com temperaturas superiores a 30 graus, enquanto os picos de frio, com termômetros abaixo dos 10 graus, têm diminuído. Esta constatação, fruto de pesquisas da climatologista da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Cássia Ferreira, que analisa o comportamento do tempo no município entre 1974 e 2020, vem à tona no momento em que o planeta discute maneiras de evitar os efeitos adversos das mudanças climáticas. Entre os dias 1º e 12 de novembro, representantes de governos, setor privado e sociedade civil se reuniram no Reino Unido para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP 26. O encontro, e a percepção de que as mudanças climáticas já podem ser observadas localmente, transformam a discussão teórica em uma necessidade de ação.
“A cidade vem apresentando uma tendência ao aquecimento, que pode estar atrelado a como se deu e se dá o processo de urbanização, frequentemente suprimindo os espaços verdes, espaços livres, arborização viária e com cada vez mais prédios, asfalto, concreto e aumento da área urbana”, explicou a climatologista, que ressalta a interferência desses fatores na forma como a energia fica armazenada em superfície, contribuindo para que a cidade fique cada vez mais quente.
No seu pós-doutorado sobre alterações climáticas, concluído em 2018, Cássia desenvolveu um diagnóstico que, futuramente, poderá se transformar em um plano de adaptações para Juiz de Fora enfrentar essas mudanças. “Entre 2018 e agora nada alterou, só continuou como estava antes: a cidade cada vez mais cheia de concreto, altos edifícios, mais carros nas ruas e com cada vez menos áreas verdes e livres, com menor presença de arborização viária. Enfim, nada foi feito”, alertou.
O aumento da temperatura na área urbana traz consequências que vão além do conforto térmico. A condição está, por exemplo, diretamente ligada à qualidade do ar. Uma atmosfera mais poluída acaba se tornando mais apta a armazenar calor, pelo fato de ficar carregada com uma maior concentração de gases estufa, que são eficientes em absorver a energia terrestre incidente, como explica Cássia. Nesse contexto, a qualidade do ar também interfere na saúde e na qualidade de vida da população.
Poluição do ar mata
Segundo dados divulgados pela organização State of Global Air em 2020, a poluição do ar mata, apenas no Brasil, 43.600 pessoas a cada ano. Conforme a pesquisadora, questões ambientais devem ser tratadas no mesmo grau de importância de outros elementos do cotidiano, como educação, habilitação e saúde. “A cidade precisa investir nas questões ambientais, pois estas questões afetam outras tantas, como a saúde humana, por exemplo.”
‘Análises e monitoramentos’
Questionada pela Tribuna sobre ações concretas que objetivam controlar o aumento da temperatura e conter a poluição, a Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) respondeu, em nota, que por meio da Secretaria de Sustentabilidade em Meio Ambiente e Atividades Urbanas, “contribui com a qualidade do ar do nosso município, através do monitoramento das emissões atmosféricas de fontes fixas, em conformidade com a legislação, normas e outros instrumentos legais pertinentes.”
O texto também afirma que estão sendo elaboradas análises e monitoramentos dos empreendimentos que precisam de licenciamento ambiental na cidade, e que as empresas instaladas no município, licenciadas ambientalmente, “têm apresentado um cenário favorável na contribuição da qualidade ambiental do ar de Juiz de Fora, comprovados através laudos de emissões atmosféricas apresentados regularmente no período de vigência da licença ambiental. As empresas só são autorizadas a serem implementadas quando atendem às normas dentro dos parâmetros legais exigidos no que se refere às emissões de poluentes no ar, bem como aos usos permitidos no zoneamento urban.”
O impacto dos meios de transporte
Os automotores são um dos vilões para a piora da qualidade do ar nas cidades. E não é diferente em Juiz de Fora, que possui frota de 288 mil veículos, de acordo com dados do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). Ou seja, praticamente um veículo para cada dois habitantes, tendo em vista que a população estimada da cidade em 2021, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é de 577.532 pessoas.
O engenheiro ambiental e coordenador do Núcleo de Análise Geoambiental (Nagea) da UFJF, Cézar Barra, analisa que a média de veículos por habitante chega a ser semelhante à de Brasília. No entanto, o investimento em infraestrutura não avança há 30 anos. “A combinação deste predomínio dos carros e a falta de investimentos em transporte coletivo mais limpo, como o ferroviário, piora demais a qualidade de vida. A tendência é a cidade ir parando nos horários de pico semelhante às grandes capitais”, afirma Cézar.
No Brasil, conforme o Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) e o Observatório do Clima, os meios de transporte foram responsáveis por 8,3% do total das emissões de gases estufa no setor da economia no país em 2020, sendo o modelo rodoviário o principal emissor.
Cézar acredita que uma das alternativas seria o investimento em versões mais modernas dos bondes elétricos e, principalmente, a criação de ciclovias, já que a topografia plana das principais avenidas, como a Brasil e parte da Rio Branco e da Itamar Franco são propícias para ter faixas exclusivas para a circulação de bicicletas de forma segura para os ciclistas. “Hoje, Juiz de Fora é uma cidade sem resiliência para enfrentar as mudanças climáticas. Os cenários que se desenham são pessimistas, atingindo inclusive as áreas rurais. O que atraía as pessoas para Juiz de Fora está deixando de existir. É triste constatar que poderá ocorrer um movimento inverso das pessoas indo embora para cidades com qualidade de vida”, analisa o engenheiro ambiental.
A Secretaria de Mobilidade Urbana (SMU) da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), questionada pela Tribuna, informou que estão sendo realizados estudos para a implantação de ciclovias na cidade, de acordo com a viabilidade técnica. Na última quinta-feira (25), representantes das secretarias de Planejamento Urbano (Sepur), Planejamento do Território e Participação Popular (SEPPOP), Obras (SO), Mobilidade Urbana, Esporte e Lazer (SEL) e a Secretaria de Desenvolvimento Sustentável e Inclusivo, da Inovação e Competitividade (Sedic) se reuniram para debater o tema. Até o momento, foram apresentadas sugestões de modelos para o projeto, que inclui a proposta de remodelação do sistema de transporte coletivo do município.
Papel das praças frente às mudanças climáticas
O aumento da temperatura do ar e das superfícies está diretamente ligado à diminuição das áreas verdes devido a intensificação das construções urbanas que armazenam o calor. Tais efeitos impactam no abastecimento de água, interferem na saúde humana e provocam a extinção de espécies. Na tentativa de encontrar soluções para não agravar este cenário, pesquisadores do Laboratório Virtus.Lab, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora, estudam a importância das praças frente às mudanças climáticas.
Os espaços livres e verdes, como parques e praças, podem reduzir a temperatura e aumentar a umidificação do ar, aliviando o efeito do aquecimento nas áreas urbanas, por meio do sombreamento, vento, reflexão e evapotranspiração das plantas. De acordo com a pesquisadora e coordenadora do Virtus.Lab, Sabrina Barbosa, estudos realizados em diferentes países demonstraram que a temperatura do ar em praças e parques urbanos é normalmente mais baixa do que no ambiente urbano. “As áreas de praças se tornam promissores espaços para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, melhorando o conforto térmico sentido pelas pessoas tanto no seu interior, quanto na sua vizinhança”, diz.
Sabrina estuda as relações entre Arquitetura e Urbanismo, saúde, bem-estar e qualidade de vida. Ela analisa que o crescimento contínuo e o adensamento das áreas urbanas em Juiz de Fora tende a acelerar os efeitos das ilhas de calor urbano. A ilha de calor consiste em um fenômeno climático em que a temperatura média do ar costuma ser mais elevada em relação às regiões rurais próximas. “Nesse contexto, as praças e os parques urbanos da cidade podem atuar como uma linha de defesa contra essas mudanças. Esses espaços resfriam e limpam o ar, melhoram e modificam as circulações do vento local e regulam melhor os padrões de precipitação”, explica.
A pesquisa considera como praça apenas os espaços de acesso público urbanos configurados para o estar e outras práticas sociais. Dessa forma, foram mapeadas 95 praças em Juiz de Fora, o equivalente a, aproximadamente, uma praça para cada seis mil habitantes. No entanto, esses espaços não são igualmente distribuídos na cidade, conforme aponta o professor do Departamento de Arquitetura da UFJF e coordenador do Virtus.Lab, Klaus Chaves Alberto.
Para facilitar o acesso e aumentar o uso desses ambientes, o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos (ONU-Habitat) recomenda que os espaços públicos devem ser posicionados a até 400 metros de distância das residências, o que corresponde a 5 minutos de caminhada. No estudo, os pesquisadores verificaram que cerca de 65% dos juiz-foranos residem a 400 metros de praças. “No entanto, vemos que a cidade ainda tem muito trabalho pela frente. Tão importante quanto garantir a qualidade destes espaços livres públicos já consolidados na cidade é verificar constantemente a possibilidade de criação de novas áreas nas regiões menos privilegiadas e garantir áreas adequadas e bem distribuídas para implantação de praças nas aprovações de novos loteamentos”, afirma Klaus.