
Um adolescente de 15 anos foi apreendido por tráfico de drogas pela terceira vez apenas neste mês, em um mesmo ponto no Bairro Nossa Senhora Aparecida, na Zona Leste de Juiz de Fora. A interceptação da Polícia Militar aconteceu em plena manhã de domingo (27) na Rua Sebastião José da Silva, quando o jovem foi flagrado com 75 pedras de crack. Desde maio, essa já é a quinta ocasião em que o garoto é pego com entorpecentes, sendo quatro delas no mesmo endereço. Em todas as abordagens foram recolhidas várias porções de drogas, chegando a 440 unidades em uma única vez. O caso chama a atenção para o difícil trabalho das polícias no combate ao tráfico, já que muitos menores de idade são usados por traficantes na venda das substâncias ilícitas e acabam retornando rapidamente às ruas, tornando a repressão uma espécie de “enxuga gelo”.
Na ocorrência de domingo, a PM recebeu informações sobre o intenso comércio de drogas no local a partir dos próprios moradores, que não quiseram se identificar, temendo represálias. Ao perceber a aproximação da viatura, o adolescente tentou fugir, mas foi interceptado por outros policiais. Nos bolsos dele foram encontradas as 75 porções de crack, R$ 2,80 e um celular. Cães farejadores ainda foram mobilizados. Ao ser questionado, o jovem afirmou que vendia as pedras, por R$ 5 cada, para um morador do Bom Jardim, na mesma região. Apesar de não fornecer detalhes do suspeito, o envolvido deu sinais de ser vítima de corrupção de menores.
“Esse garoto foi apreendido três vezes, apenas neste período, em ponto contumaz de tráfico, alvo de constante atuação da PM. Isso demonstra a sensação de impunidade, porque a PM apreende três vezes, e ele retorna para praticar o mesmo crime. Acabamos enxugando gelo”, avaliou o comandante da 70ª Companhia, capitão Carlos Vilaça. Ele pontuou que o prejuízo não é só da segurança. “É também social e econômico, porque os policiais envolvidos na ocorrência vão para a delegacia, utilizando recursos humanos e logísticos. E a equipe que fez a apreensão deixa de fazer o patrulhamento preventivo. O impacto acaba sendo maior do que a reincidência do menor em si, porque prejudica várias outras pessoas.” Na ocorrência de domingo, os militares permaneceram por mais de seis horas na delegacia, enquanto o envolvido era acompanhado por sua própria mãe, 35.
Para o capitão, os adolescentes ficam mais sujeitos ao crime por conta da vulnerabilidade social e da falta de estrutura familiar, diante da possibilidade econômica oferecida pelo traficante. “Em todo tráfico temos envolvimento de menores de idade justamente por conta disso: como têm facilidade legal, são cooptados frequentemente.” Como saída para retirar essas pessoas das ruas, o policial cita políticas públicas voltadas para este fim, já que apenas a repressão qualificada não tem sido suficiente, sendo necessário o envolvimento de vários órgãos na tentativa de solucionar o problema.
Conhecedor de que a presença de adolescentes no tráfico pode ser constatada em praticamente todos os bairros da cidade, Vilaça reforçou que “não é um problema só de polícia. Envolve educação, saúde, saneamento básico. A prevenção primária e secundária são as mais importantes”. Para tentar frear o visível avanço das crianças e dos adolescentes no mundo das drogas, a PM desenvolve alguns projetos, como o Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd) e o Jovens Construindo a Cidadania (JCC).
Família desestruturada agrava problema
O garoto de 15 anos apreendido cinco vezes por tráfico de drogas desde maio estaria em meio a uma família desestruturada, conforme informou o comandante da 70ª Companhia, capitão Carlos Vilaça. “Além do histórico dele, há parentes envolvidos no tráfico, e ele não frequenta a escola. A desestabilização familiar acaba criando ambiente propício ao tráfico, que é rentável.” Para ele, como os adolescentes não respondem por crimes, mas por atos infracionais dentro dos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que prevê uma série de medidas socioeducativas, muitos se valem da situação. “Nesse caso, ele sabe do caráter ilícito do fato e se aproveita disso, porque a legislação ampara o adolescente, visto como pessoa que exige acompanhamento.”
No dia 12 de agosto, a PM apreendeu o mesmo suspeito com 88 pedras de crack, 117 buchas de maconha, além de dinheiro e celular. Boa parte do entorpecentes estava enterrada em um terreno na Rua Sebastião José da Silva. Dez dias antes, o jovem foi pego no mesmo local com 77 porções de crack, duas de maconha e R$ 130. Em 17 de junho, quando ainda tinha 14 anos, o garoto foi apreendido ainda no mesmo local com 420 pedras de crack, uma faca e R$ 440 provenientes da venda de drogas. Na ocasião, um homem, 23, também foi preso em flagrante, embora o adolescente tenha assumido a posse dos produtos encontrados em uma sacola próxima. Já no dia 20 de maio, o envolvido foi flagrado com 12 porções de crack e R$ 370 na Rua Diva Garcia, no Linhares.
ECA prevê acautelamento para crimes violentos e reincidência
Apesar de em Juiz de Fora o acautelamento de adolescentes ser mais comum em casos de crimes violentos, como roubos e homicídios, a reincidência no tráfico de drogas também pode ser vista como fator que leve a uma medida socioeducativa mais severa, principalmente se outras em meio aberto se mostrarem insuficientes para ressocialização. Conforme o artigo 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a medida de internação só poderá ser aplicada quando “tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa”, “por reiteração no cometimento de outras infrações graves” ou “por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta”. Ainda segundo a lei, a internação somente pode ser aplicada caso não haja outra medida mais adequada e menos onerosa à liberdade do adolescente.
De acordo com decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) referente ao julgamento de um pedido de habeas corpus para ato infracional análogo ao crime de tráfico de drogas, “o juiz deve analisar as peculiaridades do caso concreto e as condições específicas do adolescente para definir se a reiteração está configurada e qual a melhor medida socioeducativa a ser aplicada.” No exemplo citado, publicado no último dia 16, a Sexta Turma do STJ negou a concessão da liberdade a um jovem acautelado por entender que “não há ilegalidade na aplicação da internação, porque o juiz sentenciante destacou o histórico do adolescente, por idêntico ato infracional, análogo ao crime de tráfico de drogas, com aplicação anterior de duas medidas socioeducativas em meio aberto, que se mostraram insuficientes para ressocializá-lo, uma vez que estava em liberdade assistida quando foi novamente apreendido na atividade do comércio espúrio.”
A Tribuna procurou a Vara da Infância e Juventude para saber se alguma medida já foi tomada em relação ao garoto citado na reportagem e apreendido cinco vezes em menos de quatro meses, mas foi informada pela assessoria do juiz que os dados são sigilosos exatamente por se tratar de pessoa menor de idade.
Já a assessoria da Polícia Civil repassou que a 5ª Delegacia, responsável pelos casos da Zona Leste, encaminhou à Justiça duas das cinco ocorrências relacionadas. Os demais procedimentos ainda estão sendo elaborados. A corporação destacou que, nos flagrantes citados, o menor de idade é liberado para o responsável legal, porque o tráfico não é um crime que envolve violência ou grave ameaça, seguindo o artigo 173 do ECA.