O imbróglio envolvendo a Casa de Passagem, que foi fechada no início do mês, foi o estopim para a criação do Fórum Popular de Assistência Social, formado pelo Fórum de Coletivos e Mulheres Feministas de Juiz de Fora (8M, Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro, Coletivo Marielle Franco, Coletivo Maria Maria, Coletivo LGBT Comunista e Movimento Mulheres em Luta), pela Fundação Maria Mãe, pelo DA da Faculdade de Serviço Social da UFJF, pelo Centro de Referência dos Direitos Humanos, pelo Movimento Negro Unificado, pela Unidade Classista, pelo Sintufejuf e pelo Sinserpu.
O objetivo, como destacam os movimentos sociais que o compõem, é lutar pela mudança de perfil na assistência social, na cidade, para que seja, de fato, garantia de promoção de cidadania. Mesmo com a habilitação da Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (Adra) pelo Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS), permitindo o funcionando da Casa de Passagem, o fórum, concebido para atuar de forma horizontal, sem uma coordenação centralizada, afirma que irá fiscalizar os processos de chamamentos públicos, responsáveis pela seleção das entidades que irão prestar serviços de assistência social para o município.
De acordo com um de seus representantes, o coordenador do Movimento Negro Unificado, Paulo Azarias, a formação do colegiado partiu da discussão que os movimentos sociais vêm fazendo do que consideram como retrocesso na área de assistencial. “Temos visto o fim de programas que atendiam à camada mais vulnerável da sociedade. Esse público tem sido penalizado, o que culminou com esse processo traumático do fechamento da Casa de Passagem“, afirma Azarias.
Ele reitera que o Fórum Popular de Assistência Social pretende vigiar a seleção das entidades prestadoras de serviços no setor social. “A sociedade não sabe quais critérios são usados. Vamos cobrar transparência”, pontua Azarias, acrescentando: “Atuaremos junto ao Comitê Intersetorial de Políticas para Pessoas em Situação de Rua e a outros movimentos sociais para garantir uma assistência social que seja efetivamente produtora de cidadania.”
Secretária diz que lei vem disciplinar e dar transparência
O chamamento público é uma imposição da Lei Federal 13.019 de 2014 e visa à transparência ao estabelecer uma nova relação do Poder Público com as organizações da sociedade civil para concessão de recursos. Segundo a secretária de Desenvolvimento Social da Prefeitura de Juiz de Fora, Tammy Claret, antes de a legislação entrar em vigor, a assistência social contratava serviços por meio de convênios, às vezes, em razão da oferta de alguma entidade ou até mesmo pela proximidade dela com o Poder Público. A lei começou a valer em 1º de janeiro de 2017. Todavia, em Juiz de Fora, como o Município mantinha convênios com previsão de conclusão no final de 2017, ela só passou a vigorar em janeiro deste ano. “Agora, a seleção das entidades da área de assistência social tem uma série de quesitos a serem cumpridos. A lei vem disciplinar e dar transparência para todo o processo, regularizando e democratizando acesso ao recurso público”, afirma Tammy.
A secretária explica que o chamamento público, por meio de edital, prevê regras para o certame e expõe o termo de referência, que antecipa o serviço que a Prefeitura precisa e aquele que a entidade concorrente terá que prestar, além dos critérios de pontuação. “O processo torna-se público e diferente do que era até então, pois era possível fazer convênio com a instituição sem haver critérios. O acesso democrático permite que qualquer entidade capacitada possa concorrer, e a que apresentar a melhor proposta vença”, ressalta Tammy, acrescentando que os editais estão publicados no site da Prefeitura. Ela ainda explica que, para o chamamento, foi criada uma comissão para seleção das entidades. “Essa comissão é formada por cinco membros que são funcionários efetivos com fé pública. Todos os cidadãos e até os movimentos sociais podem, se tiverem prova que não houve lisura nesses processos, procurar o órgão específico e fazer denúncia, apresentando provas, pois seremos os primeiros a pedir a apuração, lembrando que as regras para o chamamento dão prazos para recorrer.”
Situação da população de rua é uma das preocupações
O Fórum Popular de Assistência Social irá realizar reuniões ordinárias, mas ainda não definiu a periodicidade dos encontros. “Vamos avaliar o impacto desses chamamentos nas vidas das pessoas, porque entendemos que toda a cidade é atingida pelo aumento que vemos de moradores em situação de rua, pelo corte de benefícios, como auxílio-moradia”, pontua Azarias. Ele também enxerga com preocupação a falta de avanço para a colocação em prática do Plano de Políticas Públicas para Pessoas em Situação de Rua que, desde 2016, quando foi elaborado e apresentado pelo Comitê Pop Rua, aguarda o andamento dos trâmites para sua aprovação por parte do Poder Executivo. “Isso evidencia uma falta de sensibilidade por parte da Administração em, minimamente, discutir o tema. Esse plano já tem algum tempo que foi elaborado em cima de critérios técnicos, de participação de moradores em situação de rua, e percebemos o aumento dessa população. Esse é o problema mais grave que temos hoje nesse setor”, avalia o coordenador do Movimento Negro Unificado, ressaltando que: “Essa é uma situação que só vai ter sucesso se a Administração dialogar com os movimentos sociais.”
Em matéria publicada pela Tribuna, no último dia 6, quando esse mesmo tema foi abordado, a Secretaria de Desenvolvimento Social informou que o Plano de Políticas Públicas para Pessoas em Situação de Rua, devido à sua complexidade, foi analisado, tendo sido elaborado um parecer com as alterações necessárias para dar andamento ao processo. A pasta também afirmou que a intenção é apresentá-lo na próxima reunião mensal com o Comitê. Acerca do corte do auxílio-moradia, a pasta afirmou que se trata de um beneficio eventual, para auxiliar a pessoa em situação de vulnerabilidade social ou em risco habitacional, que será incluída no auxílio através de um relatório social. Devido ao cumprimento da Lei Federal 13.019, o programa passará por uma reordenação. Segundo a Secretaria, não há registro sobre a participação de moradores em situação de rua no auxílio-moradia.
Crise
A militante Laiz Perrut, que faz parte do coletivo Maria Maria, também é integrante do fórum. Para ela, a assistência social na cidade vive uma crise. “Nos propomos a pensar em como podemos interferir nessas situações. No caso das mulheres em situação de rua, vamos acompanhar esse trabalho, porque esse cenário é muito grave. Esse tempo de frio complica ainda mais a condição delas.”
Invisibilidade da população LGBT
A proposta do Fórum Popular de Assistência Social também é reivindicar políticas públicas voltadas à população LGBT. Na visão da secretária política do Coletivo LGBT Comunista, Kenia Borges, a comunidade de gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais ou transgêneros é a mais vulnerabilizada, porque é atingida por diversas questões, inclusive as que se referem à situação de rua e ao trabalho sexual. Elas são colocadas para fora de casa, porque a família não aceita a identidade de gênero e, assim, recorrem à prostituição. Para Kenia, essa população acaba sendo penalizada mais de uma vez, porque o Poder Público também colabora para a invisibilidade desse segmento. “Tanto que não existe, na cidade, conselho que trate de políticas para a população LGBT e não existem políticas públicas na assistência social”, argumenta Kenia.
Segundo ela, a entrada do Coletivo LGBT no fórum tem o objetivo de questionar onde e de que forma essa população é atendida. “Sabemos que é atendida na Saúde em alguns momentos. Temos dados nacionais, mas não temos dados municipais.” Conforme a militante, há situações óbvias sem respostas. “Uma travesti de Juiz de Fora, por exemplo, em situação de rua é direcionada para o albergue masculino, para o albergue feminino? Qual tratamento diferenciado é dado para ela? No campo do trabalho formal, por exemplo, elas não têm acesso a empregos por conta do preconceito. A população LGBT é segregada aos piores postos de trabalho. Poucas chegam à universidade e lá são discriminadas. A expectativa de vidas das travestis e das transexuais é de 35 anos hoje no Brasil, o que é uma violência. Então, pensar que essas pessoas não dependem de assistência social é, no mínimo, irresponsabilidade.”
No que tange à questão do albergue, Tammy diz que a resposta vem de como essa travesti se entende, se homem ou mulher. “Temos uma orientação de respeito à identificação dele enquanto pessoa, independente de ser homem ou mulher, se identifica-se como homem ou como mulher. Além disso, temos a Casa de Passagem onde eles podem fazer a higiene, jantar, tomar banho, dormir e tomar café da manhã. Para as pessoas muito fragilizadas, do ponto de vista de saúde, temos o acolhimento institucional que é misto, servindo tanto para homens como para mulheres.”
Foco na proteção, vigilância e acesso a direitos
A secretária de Desenvolvimento Social, Tammy Claret, explica que a assistência social trabalha num tripé, com foco na proteção social, vigilância socioassistencial e acesso a direitos. “Esses três pilares como proposta primeira à inclusão de todo cidadão nesse tripé. Partimos do princípio da equidade, que começa com a oferta, de acordo com a necessidade da cidade e de cada família atendida. Então é uma política cujos termos são transversais, como a questão da sexualidade, da vulnerabilidade, da violência contra a mulher, da inclusão do idoso, da pessoa com deficiência.”
A titular da pasta também explica que as ações estão divididas em proteção básica e especial. “A básica é nossa porta de entrada, que são os Cras (Centro de Referência de Assistência Social), cujo objetivo é o atendimento ao núcleo familiar. Se nesse núcleo há deficiente, idoso, pessoa homoafetiva, todos esses aspectos serão trabalhados. Se tiver violação de direitos e vínculos rompidos, o trabalho é feito pelo Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social). Além disso, temos um conjunto de profissionais que compõem a equipe dos Cras, do Creas, que, com todos os nossos serviços, formam uma rede. Toda nossa política de assistência é voltada para fazermos um restabelecimento da conexão social. Não temos um olhar específico, mas global para fazer interseções, a fim de que essas pessoas sejam respeitadas e fazerem uma construção social digna.” Atualmente, a Prefeitura conta com 11 Cras e três Creas.