
Foram muitas as horas, dias, semanas, gastas construindo as prateleiras, os balcões e as caixas de madeira do bar. Muitas foram as noites perdidas com a preocupação por arriscar largar o serviço de encarregado numa fábrica de móveis para se associar a um amigo na criação de um negócio cuja sede nem mesmo acabamento tinha. “Levantava muito cedo”, recorda-se Jovino Campos Reis. “Saí do lugar que trabalhava, vendi um carro, bicicleta e som para juntar um pouco de dinheiro. Pegamos empréstimos com os amigos e o pessoal da família para comprar as primeiras mercadorias. Eu mesmo fabriquei os móveis com a ajuda de um irmão que tinha marcenaria. Nessa época, acordava de madrugada para comprar pão e revender no negócio. Chegávamos a virar noite trabalhando. Era difícil pagar as contas. Ficávamos no caixa, atendíamos clientes, fazíamos de tudo”, diz, referindo-se ao sócio Paulo Roberto Lopes. “Nos conhecemos tomando cerveja no barzinho Vira Vira, do Oswaldo, lá em Santa Luzia. Já conhecia ele antes de conhecer a irmã dele.”
Na esquina das ruas Porto das Flores com Ibitiguaia, no Santa Luzia, o Bahamas, em 1983, uniu duas famílias que, no ano seguinte, estariam ligadas pelo matrimônio. “Casei em 1984 com a Marta, logo depois de abrir o negócio. Fui morar numa garagem. Minha esposa foi muito corajosa. Era um banheirinho e um quarto. A cozinha era numa varandinha, com o tanque do lado de fora”, lembra Jovino, que passado mais um ano foi viver na casa de cima, de um tio dela. “Sempre pensei que não podia tirar da empresa para ter para mim. Fui ter carro novo depois de muitos anos. Só dez anos depois de ter aberto o bar é que fomos ter nossa casa”, pontua ele, hoje CEO do Grupo Bahamas, que soma 39 lojas abertas e ocupa o 16ª lugar no ranking das maiores redes supermercadistas do país, divulgado pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras). Em 34 anos, no entanto, Jovino continuou acordando cedo. “Acostumei. Mas durmo cedo e não durmo mal. Naquela época, eu acordava cedo e dormia mal. Amanheço animado para trabalhar. Não tenho compromisso de horário, mas estando em Juiz de Fora, venho. Sou um dos primeiros a chegar e um dos últimos a sair. Inclusive sábado.’
José e Maria
Pouco mais de 72km dividia Maria da Penha e o marido José de Paula Reis Filho. Por alguns meses, José (hoje viúvo, com 93 anos) e um dos 11 filhos viveram sozinhos em Juiz de Fora, apostando numa vida melhor que tinham em Rio Pomba. “Minha mãe vendeu um sítio que herdou do meu avô em Rio Pomba e comprou um lote aqui, no Santa Luzia. Fomos morar na casa ainda sem reboco, sem piso, sem nada. Vim para cá muito cedo, quando estava para completar meus 7 anos. Família grande, éramos 11, hoje são apenas dez. Meu pai era marceneiro e minha mãe, do lar”, conta Jovino, que precisou, muito cedo, juntar-se aos trabalhadores da casa. “Quando criança, antes de completar 14 anos, fui ajudante no açougue e caixeiro no mercado. Trabalhar é o melhor remédio. Isso ajudou muito na minha formação. Aos 14 fui trabalhar numa fábrica de móveis, com meu pai”, traz à memória.
Os estudos, iniciou na Escola Municipal Oswaldo Velloso, em Santa Luzia, depois transferiu-se para o Colégio Euclides da Cunha, no Alto dos Passos e, ainda, começou o curso técnico em eletrônica, no Pio XII, mas não concluiu. “Não tive competência para trabalhar e estudar a noite. Cansava muito. Resolvi me dedicar ao trabalho e infelizmente deixei os estudos de lado”, comenta ele, que alistou-se no Exército e, ao sair, ainda permaneceu por quase dois anos atuando como marceneiro até conhecer Paulo. “Não me via como empreendedor, mas como uma pessoa ambiciosa. Lembro que quando falava em ambição, meu pai me puxava a orelha. Era um mal. E eu ficava com vergonha. Mas eu gostava de conquistar as coisas. Tive meu primeiro carro aos 17. Moto, aos 16. Tudo fruto do meu próprio trabalho. Pensava que não era por ter nascido pobre que morreria pobre.”
Da caderneta ao card
Todos os dias, levantar a pesada porta de metal do bar e mercearia no Santa Luzia representava mais um tanto de aprendizado. “Fazíamos muito o que víamos fazer, o que dava certo. Em alguns casos, vendíamos abaixo do custo, só para ganhar cliente. Vendíamos fiado, na caderneta, e levávamos prejuízo. Quando um cliente deixava de pagar, era preciso vender muito para pagar a conta daquele cliente. Trabalhávamos muito, mas o resultado ainda era ruim”, ressalta Jovino.
“Abrimos o bar sem pretensões. Fomos aprendendo aos poucos. Hoje a empresa é bem organizada, mas passamos por momentos ruins para chegar até aqui. Até 2000 não tínhamos planejamento na empresa. O que arriscávamos, acertávamos, na grande maioria. Passávamos sufoco. Vivíamos pagando juros a banco, a fornecedor, atrasando duplicata, sem sossego no dia a dia”, pontua ele, que ao lado do sócio abriu uma filial no São Pedro e, mais tarde, uma loja em plena Avenida Rio Branco.
O negócio de bairro tornou-se, então, empreendimento da cidade e hoje é o maior empregador do município: dos sete mil colaboradores, cinco mil estão em Juiz de Fora, dentre eles, três dos quatro filhos de Jovino, além dos irmãos e outros familiares. “Nada se deu por acaso. Houve muito esforço e trabalho. A família e os colaboradores ajudaram bastante. O mérito é de todos nós, inclusive de nossos clientes”, diz ele, um dos proprietários da única empresa genuinamente local a faturar acima de R$ 2 bilhões anuais.
Planos para os 95
Questionado sobre um desejo urgente, Jovino diz do negócio que ajudou a fundar. “Particularmente penso muito na empresa. Quero ver a empresa grande, independente do quanto ela vai valer. Meu objetivo é ter uma empresa bem organizada para que, quando formos medir no mercado, ela possa valer muito”, responde, demonstrando em sua retórica o que empreendeu para o grupo e também para si. “Nunca coloquei o dinheiro na frente do negócio. Ele é consequência. Hoje queremos chegar entre os dez”, diz, na expectativa de inaugurar, neste ano, quatro novas lojas na Zona da Mata, duas no Triângulo Mineiro, além de reformar uma grande unidade juiz-forana. “Penso em me aposentar com 95”, ri, aos 55 anos de idade. “Não tenho data-limite para me aposentar. Enquanto tiver saúde e sentir que posso ser útil, vou continuar. Mas estou trabalhando para que a empresa seja cada vez menos dependente de mim”, comenta, incansável desde os tempos em que balcões e prateleiras eram por sua conta e risco.