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JF Terra de empreendedores: Carolina Simões, educadora e sócia da Arteria

Foto - Fernando Priamo
Foto – Fernando Priamo
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Cartazes foram colados nos postes da cidade. Ponto de encontro, o Bar Redentor, na esquina da Rua Espírito Santo com a Avenida Rio Branco, também serviu à divulgação. ArteIbiti era o nome estampado no material feito à mão. Aos 19 anos, Carolina Simões de Carvalho passou vários dias daquele janeiro de 1986 envolvida com as propagandas artesanais de seu evento, que prometia levar circo, teatro de fantoches, artes visuais e música regional a Conceição de Ibitipoca, distrito de Lima Duarte. “Consegui, na época, apoio da Funalfa, que cedeu um caminhão. Também consegui um monte de malhas coloridas para levar para as mulheres da vila fazerem tapetes. Subimos vestidos de palhaço. Uns amigos, atores argentinos, faziam fantoche de vara. Tinha uma exposição de fotografia, varal de poesia, mas choveu pra caramba. Em Ibitipoca não subia. Chegou na Fazenda do Engenho, e o caminhão não subia mais. Um tanto ficou por lá e o outro tanto subiu a pé. Fizemos o trabalho com os moradores de Ibitipoca, na igreja. Os violeiros dos arredores participaram, mas não teve muito movimento porque ninguém subia. Deu certo, apesar da chuva e de ninguém ter subido”, ri ela, recordando-se da semente que três décadas depois floresceu Arteria – Fábrica de Cultura, projeto que conjuga cultura, campo onde sempre foi espectadora, e educação, área na qual se inscreveu protagonista.

“Sempre quis abrir um espaço cultural para mexer com arte, com a proposta de uma educação voltada para a livre expressão de ideias, para um aprendizado significativo, que trabalhe a diversidade. Sempre valorizei isso. Ou montava agora ou não fazia mais. Quando meu pai faleceu, percebi que a vida passa muito rápido, então tomei a coragem”, diz ela, filha do dentista e professor da Faculdade de Odontologia da UFJF Antônio Teixeira e da professora e diretora do Colégio Balão Vermelho Áurea Alice.

Nascida em tempos de silêncios impostos, a mulher, que se prepara para soprar as velinhas de 50 anos de idade, foi criada sob o signo da liberdade. “Sempre convivi num universo que me levava a ter imaginações férteis, criatividade. Minha família sempre foi voltada para a comunicação e para o desenvolvimento da cultura. Fui criada solta na natureza, aberta à criação. Desde nova vou aos eventos culturais da cidade.”

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Sala para chamar de sua

Para a menina que assistia da janela do quarto o trânsito dos carros na Avenida Independência, em São Mateus, a calmaria da fazenda no antigo distrito juiz-forano era um bálsamo. “Aos 9, minha mãe montou uma sala de aula para que eu ajudasse outras crianças na fazenda que meu pai tinha em Chapéu D’Uvas. Gostava disso. Como minha mãe era uma das sócias do Balão Vermelho, fui criada ali e cedo comecei a também ajudar as professores. Assim que me formei no magistério comecei a dar aulas”, lembra Carolina, que retornou, já mãe de Luan e Óliver, para viver por uns tempos na fazenda, indo e voltando diariamente para dar aulas. Perseguia, para os filhos, a liberdade dos pés descalços que lhe tomou de assalto a infância.

Durante a crise econômica dos primeiros anos da década de 1990, no entanto, Carolina tornou-se sócia do Colégio Balão Vermelho, lugar onde permaneceu por 30 anos. “No Governo Collor, todas nós (professoras) revertemos nosso fundo de garantia em cotas. Por estar há mais tempo, era uma sócia com uma quantidade grande de cotas. Nessa época éramos 23. Algumas foram saindo e hoje são dez sócias”, conta ela, que em fevereiro de 2016 decidiu-se pelo caminho das artes.

Palco para chamar de seu

Foto – Fernando Priamo

As tribos eram muitas, semelhantes às que conhecia em Juiz de Fora. O ano era 1982, e Carolina Simões estava na inauguração da Surpreendamental Parada Voadora, casa que viu nascer o rock brasileiro sob o nome de Circo Voador, com sede defronte aos Arcos da Lapa, no Rio de Janeiro. “Também curtia tudo na cidade. O que me marcou muito foram os eventos ao ar livre, na universidade, as exposições de arte no (Centro Cultural) Bernardo Mascarenhas, os muitos lugares para que as pessoas mostrassem sua arte. O que tinha eu ia. Realizo-me vendo os artistas. Sou muito tímida, mas sempre quis ser uma artista mambembe, sair pelo mundo levando arte. Mas tenho tanta vergonha”, conta ela, para logo abrir um sorriso e dizer: “Aí trabalho com as crianças e acabo realizando esse lado artístico.”

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Nos tempos em que a timidez não era freio, Carolina chegou a ser animadora de palco. Organizado por amigos seus, o festival de música que se seguiu ao ArteIbiti, em 1987, foi uma de suas raras atuações sob os holofotes. “Eu ficava no palco apresentando as atrações e dançava”, ri, recordando-se de uma atividade que não faz, mesmo agora tendo um palco para chamar de seu.

Família para chamar de nossa

Luan tem 27 anos, é formado em gestão ambiental e estuda arquitetura. Óliver tem 26, graduou-se em direito e estuda para concurso. Tales, aos 22, cursa educação física. Os três filhos, mais o marido Wesley, de 48, com quem está casada há 12, tocam o negócio que Carolina escolhe ser extensão da própria casa, sem disso tornar amador. “Estamos aprendendo a conviver o tempo todo”, brinca ela, surpresa com os rumos de uma casa, no alto da Rua Oswaldo Aranha, em São Mateus, que pouco a pouco vai se assumindo maior, com oficinas de artes, restaurante, shows, lançamentos literários, exposições, dentre outras manifestações culturais.

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Certa de que sempre há tempo para conjugar o verbo arriscar, Carolina diz ter escolhido ser feliz. “Cada hora temos um projeto novo. É uma fábrica de trabalho. No início é preciso ter ideias para divulgar o espaço, para que as pessoas venham até nós. E estamos lutando muito. Quanto melhor a estrutura, melhores os profissionais. Isso tem um custo alto. Estamos encontrando nosso espaço”, emociona-se ela, filósofa na formação e na prática dos dias. “Acredito nos existencialistas, que creem na liberdade de expressão, na importância de ‘ser no mundo’, e de que é preciso fazer de tudo para que a vida seja valorosa para o bem, que traga um alargamento de horizontes. Penso na Arteria como uma mistura, o que é próprio do povo brasileiro. Singularidade sem preconceitos. Isso é liberdade. Ser livre é poder escolher.”

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