Ícone do site Tribuna de Minas

Aumento da população de rua é perceptível em JF durante pandemia

PUBLICIDADE

Uma ambulância do Samu parada no Parque Halfeld chamou a atenção de pedestres que passavam pelo local. O motivo de ela estar ali era o atendimento a uma pessoa em situação de rua que tinha passado mal. O fato aconteceu na última segunda-feira (22), causando comoção entre as pessoas que lá estavam. Muitos, inclusive, pensaram que o homem, de 39 anos, sofria de complicações em razão da Covid-19. Depois que o Samu chegou, e ele foi atendido, foi verificado que o homem teve um desconforto abdominal com muita dor e vômito. Ele foi atendido, medicado e liberado no local. A situação acendeu o sinal de alerta para o perceptível aumento da população em situação de rua espalhada por Juiz de Fora.

No Parque Halfeld, há vários dias, barracas e carrinhos de supermercado dão suporte à “casa” improvisada (Foto: Fernando Priamo)

Um dia depois, a Tribuna circulou por algumas áreas da região central da cidade e constatou grupos de moradores de rua no Parque Halfeld e nas praças do Riachuelo e Antônio Carlos. A presença deles também foi verificada no final da Rua Bahia, no Bairro Poço Rico, Zona Sudeste, e na esquina entre a Rua Padre Café e a Avenida Itamar Franco, no São Mateus, Zona Sul. Ao longo do trajeto, a reportagem também deparou-se com pessoas em situação de rua circulando pelas ruas Batista de Oliveira e Mister Moore e pela Avenida Getúlio Vargas. O aumento da quantidade de pessoas em vulnerabilidade nas calçadas e logradouros da região central pode ser mais um dos efeitos da pandemia da Covid-19.

PUBLICIDADE

O problema que, nestes tempos de coronavírus toma ares de emergencial, é antigo em Juiz de Fora, que aguarda a retomada das atividades do Comitê Intersetorial da População em Situação de Rua, o desengavetamento do Plano Municipal da Política para a População em Situação de Rua e a realização de um levantamento que aponte as características e necessidades dessa parcela da população. Essas medidas, como apontam os profissionais que trabalham com essa população, podem contribuir para que novas políticas e as já existentes sejam de fato efetivadas, colaborando para que saiam das ruas.

PUBLICIDADE

Múltiplas violações de direitos humanos

Não há dados concretos que comprovem o aumento da população em situação de rua no município. Mas de acordo com Érica Herzog, coordenadora do Centro de Referência em Direitos Humanos (CRDH), é possível observar que há um empobrecimento generalizado daqueles que já estavam em condições desfavorecidas e um aumento declarado e visível de pessoas vivendo nas ruas e tirando delas os seus meios de vida. “A diminuição das possibilidades de emprego e renda e de trabalhos informais aumenta em muito as privações e violações de direitos”, avalia.

Na Praça Riachuelo, a Tribuna flagrou pessoas dormindo sobre colchões no gramado dos canteiros (Foto: Fernando Priamo)

Juiz de Fora não possui um diagnóstico atualizado a respeito da população em situação de rua, o que impede a constatação precisa do crescimento do número de moradores em situação de rua. O último diagnóstico realizado é datado de 2016 e está ultrapassado.

PUBLICIDADE

Para Érica, são múltiplas as violações de direitos humanos nestes casos, e a solução, aponta, precisa ser trabalhada em conjunto. “Existe necessidade de realização de um diagnóstico atualizado; urgência de oferta de três refeições diárias para as pessoas que não estão referenciadas ou incluídas nos equipamentos e para aquelas afastadas da região central, além da indispensabilidade do resguardo do isolamento completo e eficaz dos casos suspeitos ou confirmados de Covid dos demais acolhidos com comorbidades”, ressalta.

A coordenadora do CRHD também pontua sobre a necessidade de manutenção das casas de passagem provisórias, que foram criadas com o advento da pandemia pelo período que esta perdurar, necessidade de um local para pernoite e a concessão de auxílios moradias como suporte para superação da condição de rua. Segundo ela, todas essas considerações foram apresentadas pelo Centro de Referência em Direitos Humanos em reunião, na última terça-feira (23), com representantes da Secretaria Especial de Direitos Humanos e Secretaria de Governo da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF).

PUBLICIDADE
Na Praça Antônio Carlos, sobre o palco montado, um grupo improvisa com lona um lugar para se abrigar (Foto: Fernando Priamo)

“Em nossa análise, a reunião foi proveitosa não havendo objeções por parte do governo em se mobilizar para a proteção e promoção dos direitos. A proposta é de que haja encaminhamentos rápidos para minorar o sofrimento dessas pessoas. Houve o reconhecimento por parte da PJF da importância de encaminhar o quanto antes a realização do diagnóstico, para, a partir dele, pensar as melhores estratégias de intervenção, sem, contudo, deixar de agir antes mesmo dele, naquilo que é urgentíssimo e elementar como ações que assegurem alimentação, higiene e moradia”, observou Érica.

PJF prepara decreto para Comitê Intersetorial

Em entrevista à Tribuna, o secretário Especial de Direitos Humanos da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), Biel Rocha, afirmou que a realização do diagnóstico para conhecimento da população em situação de rua e a retomada do Comitê Intersetorial da População em Situação de Rua e do Plano Municipal da Política para a População em Situação de Rua estão entre as prioridades de sua pasta.

“Estamos reconstruindo uma proposta de política voltada para a população de rua. Nos últimos anos, no governo passado, não foram à frente algumas propostas já discutidas pelos movimentos, como a retomada do Comitê Intersetorial. Uma das primeiras propostas da prefeita é a retomada desse comitê, que envolve setores da saúde, assistência, educação, direitos humanos, transporte, segurança e representação da sociedade civil para pensar políticas e não ações isoladas, que não vão resolver o problema”, afirmou. O Comitê Intersetorial da População em Situação de Rua teve suas atividades paralisadas em fevereiro de 2019.

PUBLICIDADE
Na Avenida Itamar Franco com a Rua Padre Café, a cena se repete: carrinhos de supermercado e colchões amparam quem está na rua (Foto: Fernando Priamo)

Para Biel, é imprescindível a realização do mapeamento dessa população. “Já estamos em conversa com a UFJF, porque o diagnóstico pressupõe ir para rua, saber, conhecer a história de cada um, mas como estamos em pandemia, estamos avaliando como encontrar pesquisador para ir a campo”, pontuou.
Ele também ressaltou que sua pasta irá trabalhar para colocar em prática o Plano Municipal. “O plano acabou sendo engavetado por uma visão equivocada que visa só à assistência, mas o povo na rua não é só comida, é saúde, educação, acesso à moradia, a emprego e renda. Com o Comitê e o plano em funcionamento, teremos condições de retomar essa discussão. Há uma questão emergencial hoje, com pessoas passando fome e muitas em situação de rua, e temos que responder por isso e quem irá responder é a Secretaria de Assistência Social”, considerou.

Ainda segundo Biel, um decreto que versa sobre o Comitê está para ser publicado nos próximos dias. “A Secretaria de Direitos Humanos agora existe e estão sendo feitas alterações no decreto que será republicado. Com isso, vamos desengavetar o Plano Municipal”, disse.

Diagnosticados com Covid-19

De acordo com o secretário Especial de Direitos Humanos da PJF, também está em discussão com a prefeita Margarida Salomão (PT), a questão dos moradores em situação de rua que testarem positivo para a Covid-19. “Já estamos com um projeto pronto, aguardando definições a respeito de um local e que vai envolver as equipes do Consultório na Rua, que elaborou a proposta, e outros órgãos da Prefeitura. Alguém que testar positivo terá que ser isolado e, para isso, precisa-se de uma casa. Vamos ter um lugar de acolhimento com profissionais para acompanhamento até que sejam curados”, ressaltou, acrescentando que, até o momento, houve o óbito de dois moradores de rua e que vem sendo apurado a possibilidade de haver pessoas positivadas nos equipamentos da PJF. No caso do Parque Halfeld, Biel também informou que o homem teve um problema estomacal, sendo medicado e liberado.

PUBLICIDADE

O titular da pasta de Direitos Humanos ainda destaca que a PJF disponibiliza equipamentos para acolhimento da população de rua, que são coordenados pela Secretaria de Assistência Social, fornecendo alimentação. “O crescimento da população de rua é de muita preocupação, pois, com o fim do auxílio emergencial do Governo federal, milhares de famílias que tinham esse auxílio como única fonte de renda foram parar na situação de extrema pobreza. Desempregadas e sem dinheiro para comprar comida, essas pessoas vão para as ruas. Já existia uma crise econômica antes e foi agravada com a pandemia.”

“Tenho liberdade”

Durante o dia em que circulou pela região central de Juiz de Fora, a Tribuna flagrou muitas cenas de grupos de moradores em situação de rua. No Parque Halfeld, a reportagem tentou localizar o homem que havia passado mal, na última segunda-feira, mas não obteve êxito. No local, havia homens e mulheres perto da área onde existem mesas de jogos. Uma barraca estava montada no lugar e havia diversas roupas espalhadas e carrinhos de supermercados com material reciclável recolhido nas ruas. O mesmo tipo de cena foi observado nas praças Antônio Carlos e do Riachuelo e na Rua da Bahia, no Poço Rico. Em todos esses locais havia sujeira e era perceptível o consumo de bebida alcoólica entre os membros dos grupos.

Na esquina entre a Rua Padre Café e a Avenida Itamar Franco, no São Mateus, Zona Sul. A reportagem conseguiu conversar com duas pessoas em situação de rua. A primeira foi uma mulher, que completava 47 anos naquele dia. Ela contou que era formada em Administração e que morava com a avó, mas, depois de uma desilusão familiar após a morte de sua avó, começou a preferir a companhia das pessoas da rua. “Eu tenho casa, mas lá eles não me entendem e aqui eu sou compreendida. Eu só estudei em escolas particulares e me formei numa faculdade particular, mas aqui na rua sou mais feliz”, disse concluindo a conversa.

O outro, foi um homem, de 49 anos. Ele contou que há 28 anos fica na rua. “Eu tenho casa, mas não gosto de ficar lá. Na rua, eu tenho o 0800, recebemos doação e tenho a liberdade”, disse, afirmando que também não gosta de ficar abrigado em equipamentos da Prefeitura, onde horários lhe são impostos.

2.762 pessoas atendidas

A Secretaria de Assistência Social (SAS) da Prefeitura informou que dispõe de quatro equipamentos para acolhimento das pessoas em situação de rua. São eles: Casa da Cidadania, com 50 vagas para homens e mulheres, Casa de Passagem para Mulheres (50 vagas), Casa de Passagem para Homens (100 Vagas) e Casa Cem para Homens e Mulheres (50). Desde janeiro deste ano, esses serviços já realizaram um total de 1.130 acolhimentos até o último dia 25.

Segundo a pasta, os serviços de acolhimento trabalham com vagas estabelecidas nos termos das parcerias firmadas entre a SAS e as Organizações da Sociedade Civil (OSCs) acolhedoras. O sistema é semelhante ao de vagas de hotelaria. “Todos os serviços de acolhimento mencionados oferecem algum tipo de alimentação: lanches, almoço ou jantar, ou mesmo diária completa”, ressaltou a pasta, completando que os equipamentos atenderam 1.130 acolhimentos no trimestre, oferecendo cerca de 4 mil refeições aos assistidos.

Ao longo destes três meses, também até a data de 25 março, foram um total de 880 abordagens e 752 atendimentos no Centro População de Rua (Centro POP), somando, com os acolhimentos, 2.762 pessoas atendidas pela Proteção Especial da Secretaria de Assistência Social de Juiz de Fora.

Sair da versão mobile