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Mulheres de Luta: ‘Não vou buscar a simpatia dos homens’, diz Daniela Auad, professora e escritora

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Muito antes que discussões acerca de feminismo(s) ganhassem atenção pública como (felizmente) vem acontecendo, Daniela Auad já vivia sua militância. “Eu fui militante feminista no ensino médio na época em que não era comum ser militante feminista, quanto mais no ensino médio”, diz a professora, recentemente indicada pela revista Nova Escola, como uma das autoras fundamentais de estudos de gênero para docentes que prestam concurso público na área de educação.

Daniela Auad, 45 anos, professora e autora de livros de educação (Foto: Marcelo Ribeiro)

Para Daniela, que vive em Juiz de Fora há nove anos com a esposa Cláudia, também professora universitária, e a filha Leila, o reconhecimento vem da longa tradição na abordagem de temáticas de gênero sob o viés educacional, entre outros motivos. “É claro que é muito gratificante esse reconhecimento. Ele vem de muitos anos de pesquisa, de quando questões de gênero sequer eram consideradas pelos acadêmicos como pesquisa, eram considerados uma temática relegada aos movimentos sociais”, observa ela. “Este é um dos motivos pelos quais vemos hoje retrocessos e tensionamentos sociais, que já ocorreram em outros momentos, o que se pode compreender por meio do conhecimento científico sobre o tema. Entender o feminismo, a LGBTTIfobia e outras questões que tangenciam as questões sociais é uma forma fundamental de promoção do conhecimento e da emancipação da sociedade”, completa a professora.

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Quem não se cala pode perder privilégios

A professora afirma, ainda, que seu posicionamento como docente, pesquisadora e autora é indissociável da militância. “A indicação dos meus livros é a prova de que o gasto do dinheiro público com a minha formação foi devolvido à sociedade. E eu sigo devolvendo o salário que eu recebo como servidora pública não apenas com as aulas que eu dou e com as pesquisas que eu faço, mas por meio daquelas pessoas que se formam lendo a as obras que eu já escrevi e que foram feitas com pesquisas financiadas pelo dinheiro público”, pontua.

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“O feminismo precisa ter como norte a ética, a lisura, a correção, visando a democratização das oportunidades”

Embora faça questão de reconhecer os privilégios de sua jornada sendo branca, tendo estudado em escolas particulares, sendo cisgênero e de classe média, Daniela ressalta também que há outros marcadores sociais – não apenas para ela, mas para qualquer mulher – que tornam a caminhada mais difícil. “Primeiro porque, quando você decide não se calar e se colocar no mundo, você perde uma série de privilégios que o silêncio assegura. Eu sou feminista, sempre fui, e sou sapatão, não abro mão da minha identidade. E, com isso, a gente perde certas vantagens, sim. Deixando de lado a doçura sem embates que se espera de mulheres, lidar com homens, sobretudo profissionalmente, é muito mais difícil. Não cair no flerte bobo de homens que pode facilitar uma coisa ou outra no dia a dia, porque a sociedade heteronormativa te dá privilégios se você performa a feminilidade de acordo com os estereótipos que ela constrói. Pois eu não busco a simpatia dos homens e não me silencio diante do que é errado só porque pode dificultar minha vida. É uma escolha”, afirma com veemência.

‘Feminismos invisibilizados’

Daniela também destaca que, para ela, é impossível que haja uma concepção de feminismo que não abarque as noções de ética, lisura e de democratização de oportunidades. “Há muitos feminismos e muitos deles são invisibilizados, como o feminismo negro e o feminismo lésbico. Mas é impensável que haja um feminismo que, por exemplo, trate mal o dinheiro público. Não faz sentido eu ser feminista e favorecer alguém que eu conheço em uma vaga de emprego. Ou numa oportunidade de bolsa, ou em qualquer situação que seja. O feminismo precisa ter como norte a ética, a lisura, a correção, visando a democratização das oportunidades. Senão quem já tem privilégios sempre continuará tendo. Só por meio de um sistema ético, justo e comprometido, sem corrupções, é que mais mulheres negras, lésbicas, trans, periféricas e tantas outras terão acesso a direitos como ensino público de qualidade”, pontua a professora. “As pessoas não conseguem entender a relação do feminismo num espectro amplo de questões como este, mas está tudo completamente interligado”.

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(Foto: Marcelo Ribeiro)

O posicionamento em prol das mulheres e o encantamento pela trajetória de vida de muitas delas vem de muito antes de o feminismo se tornar militância e tema de pesquisa. “Lembro-me claramente de uma vez ainda criança quando vi a Marta Suplicy dando uma entrevista à Marília Gabriela sobre autonomia da mulher na TV Cultura. Pensa na representatividade disso! E eu adorava artistas como a Maria Alcina, as Frenéticas, a Elis Regina… Não entendia muito bem como podia estar vendo essas mulheres cantarem na TV, mudar de canal e ver o casamento da Ladi Dy com o príncipe Charles, fundia minha cabeça. Na verdade, mesmo muito nova, acho que nunca concebi o mundo de uma forma não feminista, que as mulheres deveriam estar e aceitar vir em segundo plano”, recorda-se.

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Ainda que acredite que os tempos atuais ofereçam mais desafios, Daniela não tem a menor intenção de soltar a mão da menina que foi, encantada ao ver exemplos de mulheres de representatividade na TV e na vida. “Tive o exemplo da minha avó, que era costureira, e uma mulher admirável, minha mãe, minhas tias, mulheres que sempre traçaram sua história e inspiraram outras mulheres. Apesar de todos os problemas, de todos os machistas, racistas, lesbofóbicos, homofóbicos, transfóbicos ao meu redor, aos que assumem o poder… Apesar deles, eu continuarei com meus planos de pesquisa, de escrita e de vida, buscando sempre a emancipação das mulheres. As que estão ao meu redor e as que estão longe.”

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