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Mais de 6 mil pessoas aguardam transplante em Minas Gerais

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Vida nova: Lucilene Pedrosa recebeu um rim no dia 11 de setembro, depois de sete anos na fila de espera (Foto: Arquivo pessoal)
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O dia 27 de setembro é marcado como Dia Nacional da Doação de Órgãos, e durante todo o mês as campanhas de conscientização são intensificadas. Apenas em Minas Gerais, são mais de 6 mil pessoas aguardando por um transplante, de acordo com o boletim de agosto do MG Transplantes. São 2.992 pessoas precisando de um rim, 3.228 de córnea, 21 de coração e seis de pâncreas neste momento. O que pode parecer apenas estatística, no entanto, representa vidas que seriam totalmente transformadas por esses órgãos, cuja falta pode significar perda de qualidade de vida, danos enormes à saúde ou mesmo a incapacidade de viver sem eles. O caso do apresentador Faustão, no mês passado, mostrou o quanto uma doação pode impactar a vida de uma pessoa, mas também despertou curiosidade sobre como o processo funciona e para quem os órgãos chegam primeiro – assim como levantou debates sobre a legislação da doação.

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Ezequias da Costa recebeu um coração novo há quase dois meses (Foto: Arquivo pessoal)

No caso de Ezequias da Costa, que assim como o apresentador também precisou de um transplante de coração, era uma questão de urgência. Quando foi internado em Belo Horizonte, o jovem de 34 anos, que vive em Juiz de Fora, estava “praticamente morto”. “Tudo começou em 2021, quando eu tive uma parada cardíaca em uma academia em Juiz de Fora, precisei ficar entubado e viram que eu estava com miocardite, uma inflamação no miocárdio, e com Covid-19”, relembra. Desde então, recebeu um cardiodesfibrilador implantável (CDI) para manter o funcionamento do coração em ritmo normal e teve a capacidade de bombeamento reduzida, mas em abril deste ano o quadro piorou bastante. “Comecei a piorar, e o médico que me acompanha tentou fazer alguns ajustes na medicação, mas não melhorava e eu tinha muitos sintomas, como cansaço, muita tosse e falta de ar, não conseguia mais dormir deitado. O meu coração estava funcionando em 21%, com muitas lesões, e o quadro foi ficando muito grave”, conta.

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Em junho, o médico o avisou que ele precisaria de um transplante de coração para continuar vivendo. Ezequias já havia perdido muito peso, indo de 85kg para 59kg rapidamente, e já não estava conseguindo comer sozinho. Mesmo com o CDI, Ezequias chegou a ter cinco paradas cardíacas. “Foi tudo muito rápido, eu sou praticante de atividade física desde sempre, tenho uma boa alimentação, nunca usei drogas ou fui abusivo com álcool. Nunca tinha imaginado passar por uma situação assim”, conta. Ele conseguiu receber o coração em Belo Horizonte e está, agora, com 46 dias de cirurgia.

Da mesma forma, Lucilene Pedrosa recebeu um rim no dia 11 de setembro, após sete anos esperando por um transplante devido a um quadro de doenças policísticas. Ela descobriu que tinha essa doença no mesmo momento que a mãe, que estava iniciando um tratamento de hemodiálise, e fez tratamento durante 14 anos pela UFJF, até que teve que começar a hemodiálise e, em seguida, a diálise peritoneal em casa. “Eram 8 horas e meia na máquina, todos os dias, com só uma folga semanal. Agora é uma vida nova. Eu vou poder fazer coisas que antes eu não fazia, que não podia fazer, como entrar no mar e na piscina, coisas que às vezes a gente nem dá a devida importância, mas que são, sim, importantes pra vida da gente”, diz.

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Segundo transplante

Nem sempre o primeiro transplante, no entanto, consegue trazer essa mudança completa até o fim da vida do indivíduo. É o caso de Gregson, de 39 anos, que está fazendo o processo de hemodiálise atualmente, embora já tenha recebido anteriormente um rim de sua mãe. “Eu sou renal crônico desde 2009. Tive uma cegueira momentânea, que durou dois meses, e foi quando descobri essa condição clínica. Fiquei transplantado durante 11 anos e 11 meses, até que ano passado, em maio, tive Covid-19 e perdi a função renal, e aí precisei voltar para a fila em janeiro deste ano”, conta. Já fazem oito meses que ele voltou para a lista dos indivíduos que precisam de transplante, sem perder a esperança de que, em algum momento, vá receber também o órgão que fará com que ele recupere a sua rotina. “Tinha planos de fazer concurso público para ser professor universitário e viajar para o exterior para fazer doutorado, coisas que, fazendo hemodiálise, eu não consigo mais. Mas continuo trabalhando como diretor de escola, porque o trabalho me auxilia na rotina do tratamento, que não é nada fácil”, conta. O momento de fazer a hemodiálise, três vezes por semana, como ele explica, acaba sendo um tempo que poderia estar com suas filhas. “Quando chego do tratamento, fico debilitado, preciso dormir, então não estou com elas. Com um novo rim, poderia acompanhá-las de uma forma que eu não consigo mais”, afirma.

Um doador pode salvar oito vidas

Hélady Sanders é responsável pelo Serviço de Transplante Renal do HU-UFJF (Foto: Arquivo pessoal)

Como explica Hélady Sanders, responsável pelo Serviço de Transplante Renal do HU-UFJF, com a doação dos órgãos de apenas uma pessoa, até oito pessoas podem ter sua vida modificada. “Quando uma pessoa doa os órgãos do seu ente querido, ela doa vida para outras pessoas. É uma oportunidade de tornar uma coisa muito ruim, que é a morte de um ente querido, uma coisa maravilhosa para outras pessoas, que recuperam de volta a sua vida”, afirma. Ela explica que, nos casos em que é possível fazer a doação, geralmente os indivíduos tiveram uma morte cerebral, fato que ocorre geralmente de forma inesperada, que ocorre por um traumatismo craniano, derrame ou mesmo um tiro. Sendo assim, quem quer doar, como ela explica, deve expressar de forma clara aos familiares.

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No Brasil, segundo Juliana Bastos, nefrologista do serviço de transplante da Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora, há algo próximo de 50% de recusa familiar. “A cada dois protocolos de morte encefálica, perdemos um doador. Por isso, é muito importante as pessoas falarem em vida, porque isso pode acontecer como uma surpresa, os familiares podem ter receio de a pessoa não querer e até de se sentir de alguma forma violada”, diz. Quando já há a certeza de que é uma escolha do indivíduo, como ela explica, essa decisão se torna mais fácil – e é até por isso que muitos indivíduos deixam postado em redes sociais essa decisão ou escrevem isso e guardam em papéis na carteira. Para um indivíduo se tornar um candidato a receber um órgão, por sua vez, como explica Hélady Sanders, primeiro o médico explica o que é o tratamento, como é feito um exame clínico e uma avaliação, e depois ele é encaminhado para uma avaliação laboratorial, em que é avaliado se ele tem condição de ser submetido a cirurgia e é também avaliada a sua tipagem genética para ver sua compatibilidade, que posteriormente vai ser comparada com possíveis doadores.

Ela esclarece que, no momento, 90% dos transplantes realizados no país são feitos pelo SUS. “Temos o privilégio, no Brasil, de termos o maior serviço público de transplante do mundo. Tudo que foi regulamentado ao longo desses anos foi aprimorado e organizado. Esses critérios são aplicados de forma igual, a qualquer paciente, independentemente de quem eles são, de acordo com a sua condição clínica e compatibilidade genética”, explica.

Transplante de rim é o mais procurado na Santa Casa

Juliana Bastos é nefrologista do serviço de transplante da Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora (Foto: Arquivo pessoal)

Na Santa Casa de Juiz de Fora, de acordo com Juliana, são feitos os transplantes de rim, fígado e pâncreas. “Disparado, o que mais fazemos é o de rim. Já fizemos 144 transplantes neste ano, sendo 31 de doadores vivos e 113 de doadores falecidos. A doença que mais leva à disfunção é a diabetes, seguida da hipertensão arterial e as glomerulopatias, que podem ser autoimunes ou genéticas”, explica. Nesse caso, o transplante altera profundamente a vida do paciente que recebe o órgão, porque faz com que ele saia da hemodiálise e da peritoneal, e faz com que tenha uma vida mais próxima da normalidade, além da possibilidade de uma longevidade maior. “A pessoa vive mais se ela recebe o transplante. Por mais que a diálise esteja melhorando e o serviço esteja avançando, ainda tem uma mortalidade alta quando esses dados são comparados”, diz Juliana.

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A lista dos candidatos a receber o transplante segue o mesmo parâmetro dos outros órgãos. “A lista dá prioridade para a compatibilidade, justamente porque queremos fazer esse transplante e que o paciente fique com ele pelo máximo de tempo possível. Então, há os pacientes priorizados, que passam na frente por alguma condição clínica de gravidade, mas fora isso a maior pontuação que o paciente ganha é de compatibilidade, e por isso há pacientes que recebem um transplante com três semanas e outros que sabemos que ficam muitos anos aguardando”, explica. Além disso, como Hélady reforça, o transplante é uma cirurgia, e para que esse órgão não seja rejeitado imediatamente, é preciso fazer o uso de remédios que controlam a resposta do nosso sistema imunológico contra o órgão que é estranho. “Esses pacientes têm a chance de viver mais e melhor, mas continuam precisando de acompanhamento médico durante a vida inteira, para entender como esse novo órgão está funcionando”, afirma.

Nova legislação provoca debates

A atual legislação sobre a doação de órgãos, que prevê a doação por consentimento da família, já tem 24 anos. Conforme as médicas entrevistadas explicam, quando acontece uma morte encefálica, as famílias são perguntadas sobre a doação sem a presença de um médico, após receberem a notícia, para que não passem por nenhuma coerção. Ainda em setembro deste ano, no entanto, a Câmara dos Deputados aprovou urgência para votar o projeto de lei que torna todos os cidadãos doadores de órgãos em potencial. Se aprovado, o texto estabelece que a doação é presumida por lei, ou seja, exceto nos casos em que a pessoa tenha expressado anteriormente que não quer ser um doador, ela automaticamente se torna um em caso de morte encefálica.

Com o caráter de urgência, é feita uma votação simbólica, ou seja, sem contagem nominal de votos. Com a aprovação, a análise do projeto poderia ser acelerada e feita diretamente no plenário sem ter que passar por comissões temáticas. Sobre o assunto, a médica Hélady, que também é Coordenadora do Departamento de Transplante Renal da Sociedade Brasileira de Nefrologia, comenta que o posicionamento da entidade é de que esse é um assunto muito importante para que seja considerado urgência, já que há a atividade de transplantes funcionando. “Não entendemos que isso seja um assunto que possa ser resolvido sem discussão, porque precisamos trazer a discussão para todas as pessoas envolvidas e ouvir a sociedade para saber se essa é a opção realmente que será melhor”, explica. Pessoalmente, ela tem receios: “Já analisei casos em que, com a doação presumida, os casos de doação caíram, pelo fato de a população expressar que não queria doar. O que poderia resolver o problema trouxe uma queda importante na doação de órgãos. É preciso ter uma discussão muito mais profunda sobre a importância da doação de órgãos”.

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Tecidos também são procurados

O transplante de tecidos de um órgão não sólido também é bastante procurado – é justamente o caso da córnea, que acaba tendo uma espera menor, e da medula óssea. Em Juiz de Fora, o Hospital Universitário já faz esse tipo de transplante há dez anos, tendo atendido cerca de 500 pessoas – um número que, como Abrahão Hallack Neto, responsável pelo Serviço de Transplante de Medula Óssea do HU-UFJF, explica, é expressivo e acaba atendendo também outros estados próximos. Nesse caso, ele explica que a medula pode ser doada em vida porque se renova, ou seja, qualquer pessoa pode doar, e as regras são as mesmas da doação de sangue. “A grande questão é a compatibilidade. Utilizamos células-tronco de um doador da família ou do banco de medula óssea, onde ficam armazenados os códigos genéticos dos prováveis doadores, e quando alguém precisa de algum transplante e não tem na família, recorre a esse banco”, explica.

Geralmente, os indivíduos que procuram essa doação têm leucemia aguda ou aplasia de medula, e em diversos casos apenas o transplante é curativo. Por isso, ele explica que quem se cadastra no banco acaba apresentando um enorme altruísmo, já que apresenta ainda em vida uma capacidade de mudar a trajetória de alguém. “Nem todas as pessoas que estão cadastradas vão doar, depende muito da compatibilidade. Tem gente que se inscreve lá e que nunca vai doar, assim como tem gente que é compatível e que acaba não sendo encontrada ou que não está mais em condições. Mas há gente que precisa e que não consegue receber por não encontrar ninguém compatível que está disponível”, diz.

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