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Um idoso é atropelado por dia em Juiz de Fora

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Homem atravessa a Rio Branco, esquina com Rua Marechal Deodoro, com o sinal aberto para os carros, arriscando-se em meio ao trânsito intenso (Foto: Marcelo Ribeiro)
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De janeiro a abril deste ano, 123 pessoas acima de 60 anos de idade foram atingidas por veículos em Juiz de Fora, de acordo com dados do Ministério da Saúde. Isso representa, em média, pelo menos um idoso atropelado por dia no município. O número, de acordo com o Departamento de Informática do SUS (Datasus), também coloca a cidade como a segunda no país em atropelamentos desta faixa etária, perdendo apenas para São Paulo. A situação preocupa porque o total de atropelados é crescente. Em igual período do ano passado, 83 idosos deram entrada em hospitais credenciados ao Sistema Único de Saúde (SUS) em Juiz de Fora, o que representa um aumento de 48% em 2018. Na comparação com a última década, há um salto de casos de pessoas com mais de 60 anos atropeladas, já que, entre janeiro e abril de 2008, foram apenas 17 internações no município, ou seja, o número cresceu sete vezes nos últimos dez anos.

A Secretaria de Transporte e Trânsito (Settra) contesta o dado oficial do Datasus. De acordo com a pasta, de janeiro a junho deste ano, 111 idosos foram vítimas de acidentes de transporte de todos os tipos, sete a mais que no ano passado. Dos números de 2018, 41 se referem a atropelamentos de pessoas acima de 60 anos, sendo três óbitos. Para o titular da Settra, Rodrigo Tortoriello, os dados do Datasus não servem como referência para a secretaria. “O Brasil tem um problema sério de geração de dados. O dado do Datasus não tem qualidade para que possa ser feito algum tipo de política pública em cima dessa informação”, afirma.

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O levantamento realizado pelo Datasus apontou quatro óbitos no município, entre janeiro e abril de 2018. Independentemente da origem da informação, as mortes no trânsito trazem um alerta. No início deste mês, por exemplo, houve mais um caso de vítima fatal, quando uma mulher de 78 anos morreu atropelada no Bairro Nova Era, na Zona Norte.

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População idosa cresce no país

Segundo o especialista em segurança e educação para o trânsito e ex-consultor do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), Eduardo Biavati, a questão de atropelamento de idosos está diretamente relacionada ao crescimento dessa população não só em Juiz de Fora, mas em todo o país. Dados divulgados esta semana pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram a trajetória de envelhecimento da população brasileira. Até 2060, o percentual de pessoas com mais de 65 anos chegará a 25,5%, ou seja, um em cada quatro brasileiros será idoso.

Juiz de Fora já possui uma população idosa acima da média nacional. Enquanto no país o índice está próximo dos 10%, na cidade o último censo do IBGE (2010) apontou que 13,6% da população eram formados por idosos. “O único gestor, pela lei brasileira, para conservação e manutenção de sinalização e fiscalização é o poder público. Se em Juiz de Fora a proporção de idosos já ultrapassou a média do país, por que ninguém se preparou?”, questiona o especialista.

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Para Rodrigo Tortoriello, titular da Settra, o trabalho de adaptação é algo gradativo. “Acredito que nenhuma cidade do mundo estará preparada para todas as situações de mudança demográfica que acontecem, mas estamos trabalhando nesse processo de adaptar a cidade para a nova realidade.”

‘Não há cultura de preocupação com a vida’

Ana Beatriz Chaves, presidente da Comissão Municipal de Segurança e Educação para o Trânsito (Comset/JF), destaca, além do envelhecimento da população, outro ponto como causa possível do alto número de atropelamentos de idosos: trânsito de veículos cada vez mais intenso. “Um número grande de veículos circulando aumenta a possibilidade de incidentes de trânsito”, explica.

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Segundo estatísticas do Departamento Nacional de Trânsito, em abril deste ano, a frota do município era composta por 263.673 veículos emplacados. No mesmo período de 2017, eram 254.167, o que representa um aumento de 3,75% no último ano. Já nos últimos dez anos, a frota de Juiz de Fora cresceu 81,1%.

Idoso atravessa fora da faixa na Avenida dos Andradas (Foto: Marcelo Ribeiro)

Para Ana Beatriz, não há uma “cultura de preocupação com a vida”, sendo assim, a solução para muitas questões envolvendo o trânsito está em cada pessoa, que deve “sair do estado de sensibilização e passar para o estado de mobilização”, chamando atenção para o “Nós somos o trânsito”, tema do último Maio Amarelo. “Nós fazemos a diferença no trânsito, a população tem uma parcela de responsabilidade com a própria vida e a do outro. Não basta mais ficar chocado, sensível, tem que, a partir disso, refletir sobre essas questões e mudar de atitude”, defende.

Solicitações da terceira idade

Desde 2017, a Câmara Municipal conta com a Câmara Sênior, composta por 20 integrantes da terceira idade, cujo objetivo é promover discussões e reflexões sobre demandas deste grupo na cidade. De acordo com o vereador sênior Raymundo Januário de Jesus, 71 anos, a acessibilidade é a principal questão levantada pelos idosos. “Nós sempre discutimos sobre isso na Câmara Sênior, sobre os semáforos e também referente à melhoria das calçadas, porque a acessibilidade fica muito difícil, não só ao idoso, como também para a pessoa com deficiência.”

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Para a vereadora sênior Anézia da Silva, 77, o alto número de atropelamentos está relacionado à imprudência de pedestres e motoristas no trânsito. “Às vezes, presenciamos muitos idosos abusando, atravessando a rua fora do local devido. Tem que ter educação para os motoristas, mas tem que ter para os pedestres também”, conta. “Na Semana do Idoso, a gente foi para rua para poder dar panfletos para os motoristas para capacitá-los também a respeito desse problema. Não é só ônibus ou carro, motocicleta, bicicleta, eles não respeitam. Costumamos dizer que os idosos aqui estão à mercê da sorte”, desabafa.

Comissão faz análise do tempo dos semáforos

Presidida pela vereadora Ana Rossignoli (MDB), a Comissão de Defesa dos Direitos dos Idosos procura debater as solicitações da terceira idade em Juiz de Fora, junto à Câmara Sênior e aos representantes de diversas instituições. Segundo a vereadora, o atropelamento de idosos tem sido pauta da comissão, que está procurando articular ações com a Settra, especialmente em relação ao tempo dos semáforos, principal contestação dos idosos. “Está sendo feita uma análise técnica dos semáforos com relação ao espaço de tempo das ruas principais, como avenidas Rio Branco e Getúlio Vargas, exatamente com o sentido de aumentar o temporizador do semáforo”, explica. “Para uma pessoa idosa, fazer uma travessia perigosa num curto espaço de tempo é arriscado.”

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Segundo Ana Rossignoli, o principal trabalho da comissão é de fiscalização dos órgãos municipais, além de promover ações para estimular a participação dos idosos na vida pública. “Nosso objetivo é fazer o idoso sair de casa, estar no dia a dia com outras pessoas idosas, fazer o idoso participar da vida da sociedade, além de tentar, junto às secretarias municipais, conscientizar que o idoso tem que ter uma prioridade em questão de acessibilidade, condições de trânsito, realizando uma vigilância também em relação à segurança.”

Levantamentos

A Settra afirma ter iniciado, em maio, os levantamentos das condições para readequação dos tempos de semáforo. De acordo com Rodrigo Tortoriello, os estudos entre a Garganta do Dilermando e a Rua Antônio Lagrota, na Avenida Rio Branco, já foram concluídos, e até 20 de julho, os semáforos deste trecho seriam reprogramados com aumento do tempo de pedestre. “Estamos analisando uma série de fatores e variáveis. O Brasil deu preferência ao automóvel durante vários anos, mas estamos tentando alterar esse tipo de comportamento.”

‘É necessário adequar a via a quem usa a via’

De acordo com Eduardo Biavati, especialista em segurança e educação para o trânsito, as indagações feitas pelos idosos a respeito do baixo tempo do semáforo são pertinentes. “Existe um manual internacional de engenharia que diz que uma pessoa em condições saudáveis caminha 1,20 m por segundo, a partir disso, calcula-se o tempo do semáforo. Porém, muitas vezes, a referência não é o pedestre, mas os veículos. Muitos engenheiros não querem mexer nisso, mas uma pessoa idosa não consegue andar nesse ritmo”, explica.

Segundo o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), art. 29, § 2º, “em ordem decrescente, os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres”. Para Biavati, é possível reavaliar a duração dos semáforos. “Essa dificuldade de conseguir fazer travessia é um desrespeito à pessoa idosa e ao código que não mandou dar prioridade para os carros. Afinal, quem é mais frágil? É necessário adequar a via a quem usa a via.”

Professor diz que cidade não é acessível

Para o professor de arquitetura da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Emmanuel Pedroso, Juiz de Fora não é uma cidade acessível, o que pode influenciar de maneira negativa na relação do idoso com o espaço urbano. “Na maior parte de nossos edifícios e espaços públicos, é possível verificar a existência de barreiras diversas, que prejudicam não somente o deslocamento da pessoa idosa, mas também a forma como ela interage com o meio, se orienta nele e o utiliza”, explica o pesquisador.

De acordo com Pedroso, estes obstáculos estão presentes na mobilidade urbana, como desníveis ou materiais inadequados existentes em calçadas, desrespeito aos assentos preferenciais no transporte público, imprudência de alguns pedestres e motoristas, além de chamar atenção ao tempo insuficiente para travessia de pessoa idosa em cruzamentos. Para isso, o pesquisador defende o trabalho de conscientização. “Juntamente com as modificações necessárias a serem implantadas no espaço urbano, como o aumento do tempo programado para a travessia do idoso e a implantação de demais soluções em acessibilidade, é preciso realizar campanhas voltadas à conscientização da população acerca dos direitos e demandas da pessoa idosa e da utilização adequada e segura dos equipamentos e serviços existentes.”

Mudança de comportamento

O alto número de acidentes envolvendo pessoas idosas chama atenção para uma mudança de comportamento em relação ao trânsito, de acordo com o gerontólogo José Anísio da Silva (Pitico). “É um quadro que requer educação de toda sociedade, inclusive da pessoa idosa. Ela também precisa e deve estar atenta aos seus deveres e responsabilidades.” Segundo Pitico, com o avanço da idade, há uma diminuição na capacidade funcional das pessoas, por isso há a necessidade de maior cuidado na mobilidade.

Também integrante da Comissão de Defesa dos Direitos dos Idosos, Pitico explica que ações educativas têm sido tratadas com a Settra. “Acredito que os idosos merecem atenção diferenciada. É necessário deflagrar campanhas educativas nos meios de comunicação e instruir a sociedade sobre a presença do idoso no trânsito, tanto como condutor quanto como pedestre. Precisamos mostrar para a sociedade esse processo de envelhecimento de uma forma mais clara, e, a partir daí, os gestores direcionarem suas ações tendo em vista estas especificidades”.

Educação para o trânsito

A Settra realiza palestras e atividades com grupos de idosos na cidade, como na Faculdade Aberta “A Melhor Idade” (FamIdade) do Instituto Metodista Granbery e no Pró-Idoso, que costumam participar das campanhas de trânsito realizadas pela secretaria. Além disso, ações em escolas do município complementam o trabalho de educação para o trânsito. “Essas atividades são feitas em diversas frentes. Nós não vamos conseguir atingir 100% da população, mas esperamos que essas pessoas sejam multiplicadoras de qualquer trabalho de educação”, explica Rodrigo Tortoriello.

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