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Maio Laranja: apenas sete a cada 100 abusos chegam às autoridades

Maio Laranja, abuso, crianças
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“As crianças precisam, desde cedo, entender o que pode e o que não pode. A violência dá sinais”, alerta a titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), Alessandra Azalim, sobre o aumento dos casos de abuso infantil em Juiz de Fora em 2025. Dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) apontam que, entre janeiro e março deste ano, 48 menores foram vítimas de crimes contra a dignidade sexual. Na grande maioria, as vítimas tinham menos de 14 anos. Em comparação com o mesmo período de 2024, o aumento no número de casos foi de cerca de 45% – 15 ocorrências a mais.  

Um agravante é a subnotificação, uma realidade quando o assunto são os casos de abuso. De acordo com pesquisa divulgada pela campanha “Maio Laranja”, todos os anos, 500 mil crianças e adolescentes são explorados sexualmente no país, mas apenas sete a cada cem abusos chegam às autoridades. 

Conforme a delegada, se uma criança apresenta mudanças repentinas de comportamento, na fala e até mesmo no estado de saúde, é necessário redobrar a atenção, já que pode-se estar diante de uma vítima de exploração sexual. Ainda de acordo com ela, os casos no Brasil não fazem distinção de classe social, orientação sexual ou escolaridade. Crimes dessa natureza acontecem em ambientes públicos ou em escolas, sendo inclusive comum que o abuso aconteça na própria casa das vítimas. 

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Segundo a Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, cerca de seis a cada dez casos de exploração sexual aconteceram dentro das casas, tendo por base registros feitos nos últimos dois semestres em Juiz de Fora. Foram 74 ocorrências no total. “É necessário que uma grande rede apoie as crianças que sofreram esse tipo de violência, para que elas se sintam acolhidas. A população precisa estar em alerta.”

Investigação é um quebra-cabeça

Na DEAM a investigação é como um “quebra-cabeça”, define a titular. A delegada destaca que um dos desafios de trabalhar com crianças e adolescentes está na dificuldade que eles têm para relatar abusos. Por isso, nesses casos, a escuta especializada é fundamental. “Crimes sexuais são muito complicados, mas temos que dar total credibilidade e relevância para a fala de uma criança.”

Questionada se há um perfil dos agressores ou mesmo das vítimas, Alessandra foi enfática ao dizer que os abusos independem de um padrão para acontecerem. Mesmo assim, de acordo ela, a figura da menina com menos de 14 anos é a mais visada por agressores, que costumam ser pessoas – normalmente homens – próximas à vítima.

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“A violência ainda é muito silenciada”, avalia a assistente social do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) Hadassa Freitas. De acordo com a profissional, por medo, vergonha, confusão e até mesmo pelas vítimas sequer entenderem que, de fato, houve um crime há dificuldade de verbalização dos casos. Por isso, é fundamental que os adultos estejam atentos aos sinais das crianças, desde os mais sutis. Hadassa lista sinais que merecem atenção:

“É importante falar que esses sinais não confirmam, por si só, que houve abuso, mas indicam que algo não está certo. O nosso papel é escutar, acolher e encaminhar para a ajuda especializada, sem pressionar a vítima”, reforçou a assistente social. Hadassa pontua que falar abertamente sobre o assunto não só pode quebrar o possível silêncio de uma vítima, como também incentiva crianças e adolescentes a conhecerem seus direitos. 

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A delegada Alessandra Azalim endossa que quebrar o tabu e falar sobre sexo pode evitar que mais crianças e adolescentes tenham sua dignidade violada. “Os pais têm que ensinar onde não pode tocar, o nome dos órgãos e que não há motivos para ter segredos. Essas campanhas são fundamentais nas escolas para que eles aprendam, desde cedo, a respeitar o corpo do outro e a que respeitem o seu próprio corpo.”

Dores profundas e duradouras

Hadassa é assistente social no Creas há dois anos  (Foto: Leonardo Costa)

“As consequências desses crimes podem ser profundas e duradouras para as vítimas”, disse Hadassa Freitas. Para além do abuso sexual infantojuvenil, o trauma pode desencadear questões psicológicas, como ansiedade, depressão, baixa autoestima, isolamento social e até mesmo comportamentos de automutilação. Hadassa descreve que, em alguns casos, há reflexos no desenvolvimento escolar e nos relacionamentos interpessoais.

Ainda segundo a assistente social do Creas, o núcleo familiar das vítimas também é trabalhado para que se torne uma rede de apoio e proteção. Quando o poder familiar é restringido – ou até negado -, vítimas de abuso recebem acompanhamento especial da Vara da Infância e da Juventude. 

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“Todos os órgãos da rede de proteção buscam criar um ambiente especializado de escuta em casos como esse”, explica o juiz titular Ricardo Rodrigues, sobre a atuação do órgão público. O juiz destaca que o trabalho da escuta especializada é essencial para colher depoimentos que possibilitem a adoção de medidas de proteção. “Vai ser protegida, retirada do ambiente de conflito e, até mesmo, levada para outros familiares que possam protegê-la. A adoção é o último passo.” Na sua avaliação, negar ao menor o acesso ao ambiente familiar seria uma segunda violência por parte da Justiça. 

Visibilidade para combater os crimes

Em 2000, o Senado instituiu o Dia Nacional de Combate ao Abuso Sexual Infantil como o dia 18 de maio (Foto: Felipe Couri)

 

Marcado pelo combate ao abuso sexual infantil, o Maio Laranja foi criado em 2020, tornou-se campanha nacional em 2022 e busca dar visibilidade ao tema para que ele seja conhecido e combatido.  

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Neste ano, órgãos de diferentes frentes se mobilizaram para levar informações sobre o tema, abraçando a campanha na cidade, como Prefeitura de Juiz de Fora (PJF), Câmara Municipal, Vara da Infância e Juventude, Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, conselhos tutelares e as Polícias Civil e Militar.

O presidente da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente da Câmara dos Vereadores, Negro Bússola (PV), considera que o combate ao abuso sexual infantil é uma responsabilidade coletiva. Segundo o vereador, o foco das ações está na proteção da infância, para que crianças e adolescentes desfrutem da fase com segurança e amor.  Procurada, a Prefeitura, por meio de nota, afirma que vem fortalecendo institucionalmente os espaços de formulação e controle social das políticas públicas para a infância, como o próprio Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente.

Além disso, conforme o Município, a Secretaria de Saúde (SS) ampliou o atendimento às vítimas de violência, centralizando os serviços no Hospital Regional João Penido. A medida, segundo a PJF, garante cuidado “humanizado e eficaz”. Também foi citada a promoção de palestras educativas nas escolas da rede municipal, orientando crianças e adolescentes sobre como identificar e denunciar situações de violência.

Além de dar visibilidade ao tema, a campanha também destaca a atuação daqueles que trabalham diretamente com crianças e adolescentes vítimas de abuso, como é o caso do Creas. “São histórias muito dolorosas, que envolvem violações graves de direitos, e exigem de nós, acima de tudo, humanidade”, desabafa a assistente social Hadassa Freitas sobre o contato diário com vítimas de abuso sexual. O Creas é um espaço público vinculado à Secretaria de Assistência Social (SAS), responsável pelo atendimento a famílias e pessoas em situação de ameaça, vítimas de violência, negligência ou que tiveram seus direitos violados. 

Denuncie 

Sala de acolhimento onde crianças recebem escuta especializada no Creas Norte (Foto: Felipe Couri)

 

“É necessário que a população se conscientize. É um trabalho que dura 365 dias por ano. Não é só o mês de maio”, convida a delegada Alessandra Azalim. Alguns canais de denúncia são: 

– Disque 100: discagem anônima, direta e gratuita 

– E-mail pelo endereço: disquedireitoshumanos@sdh.gov.br

– Disque 180: em casos de violência contra mulheres e meninas, seja violência psicológica, física, sexual causada por pais, irmãos, filhos ou qualquer outra pessoa. O serviço é gratuito e anônimo.

*Estagiário sob supervisão da editora Fabíola Costa

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