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Mães e pais contam suas experiências com os filhos que escolherem ter

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Os trigêmeos Caio, Camila e Carla foram adotados com dois anos e meio pelo casal Jeferson Seidler e Silvana Kronemberger
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Aguardando no corredor frio, sentado num banco de cimento, Jefferson Seidler, de 42 anos, sentia as mãos suadas de ansiedade. Eram seus filhos, esperados por tanto tempo, que estavam chegando. A voz embargou ao avisar a esposa, Silvana Kronemberger, de 41 anos: “Acho que são eles vindo ali”. Semanas atrás, uma ligação dela quase o fez cair da cadeira. “Jefferson, está sentado? Então senta. São três! Isso mesmo: trigêmeos. E aí, vamos?”, indagava ela com um sentimento misto de alegria e tensão. Foram quatro anos de gestação e uma proposta bem maior do que o registrado no Cadastro Nacional de Adoção (queriam uma criança, com menos de 3 anos).

O menino veio chorando e simplesmente se jogou nos braços da futura mãe. Ele tinha febre. Uma das meninas se sentou no outro extremo do banco e encarou os dois com expressão de raiva. A terceira, sorridente, se sentou no chão e começou a brincar distraída com algo caído. Os três tinham 2 anos e meio na época. “Saímos desse primeiro encontro como se tivéssemos sido atropelados. Conversamos e bolamos algumas estratégias. Pedimos uma sala reservada, sem pessoas passando todo tempo. Não levaríamos brinquedo ou doces, pois as crianças deveriam desejar estar conosco e não com o que poderíamos oferecer. Na segunda visita, meu filho de longe nos avistou, me reconheceu, sorriu e correu pra junto de nós como quem diz ‘Vocês? Não acredito que voltaram!'”, lembra Silvana.

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A mãe, que até hoje guarda os sapatinhos que as meninas usavam naquele encontro (o menino foi descalço), ainda lembra da angústia que sentiu no período que começou com aquele dia e só terminou um mês depois, quando Caio, Camila e Carla, hoje com 6 anos, finalmente foram para casa da família.

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Dia Nacional da Adoção

Na quinta-feira, 25 de maio, foi lembrado o Dia Nacional da Adoção. Nesta dada, 7.493 crianças no Brasil aguardavam por este momento. No entanto, 4.826 inscritas no Cadastro Nacional de Adoção estão totalmente disponíveis para integrar um novo lar. As demais ainda têm vínculos com as famílias de origem, situação que possibilita recursos que podem inviabilizar o processo.

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Esse número, porém, é um pouco mais de 10% das crianças que vivem hoje em abrigos. Segundo levantamento do CNJ, são cerca de 46 mil crianças e adolescentes morando longe de seus parentes biológicos e ainda distante de lares definitivos porque estão em um limbo judicial, à espera da conclusão do processo de destituição familiar.
Do outro lado da lista, 39.633 pretendentes à adoção esperam. A maioria, cerca de 80%, não declara preferência por raça, 63% são indiferentes quanto ao sexo da criança, 32% aceitam adotar irmãos ou crianças com algum tipo de problema de saúde. Segundo a professora de direito civil da Universidade de Brasília Suzana Borges Viegas, o perfil traçado pelos requerentes não é a principal causa da morosidade dos processos.

“O que de fato contribui para a demora é toda a burocracia da tramitação judicial. As varas de infância não podem abrir mão de nenhum procedimento exigido por lei, inclusive para evitar problemas como de rejeição. E algumas fases são extensas. A fase de regularização da situação da criança, por exemplo, dura cerca de um ano. O rompimento de vínculo com a família de origem deve ser feito com muita cautela porque a intenção do Estado é, primeiramente, tentar fazer com que a criança fique com a família de origem”, explica.
Uma das medidas para reduzir esse tempo seria, na opinião da especialista, aumentar o número de funcionários nas Varas da Infância. Ela também defende a aprovação de um projeto de lei, apresentado em fevereiro pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública, que determina prazos para a tramitação do processo. O projeto prevê ainda a concessão de guarda provisória mais rápida. “Essa novidade garante que as famílias já fiquem com as crianças antes da conclusão do processo”, explica Viegas.

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A espera, segundo a mãe dos trigêmeos, Silvana Kronemberger, vale a pena. “Meus filhos são a maior representatividade do amor de Deus por mim. Ele me deu a honra de amá-los e educá-los para serem pessoas plenas, homem e mulheres pra fazerem deste mundo um lugar melhor, serem prova de que é possível e que vale a pena investir na família”, define emocionada.

Para se candidatar à adoção é necessário ter mais de 18 anos e ter 16 anos a mais que a criança a ser adotada. O processo tem várias etapas que variam de acordo com o estado e com as Varas de Infância. Os documentos solicitados também são distintos.

Os irmãos Rian e Ícaro, de 11 e 10 anos, sonham em encontrar uma família

Adoção de crianças devolvidas exige reconstrução de laços

“É o tempo inteiro de reconstrução.” É assim que a psicóloga Lúcia Soares, 52 anos, mãe adotiva do casal de gêmeos Alan e Alana, 15 anos, se refere ao processo dos filhos de compreenderem a própria história e se reinventarem a partir dela. Eles foram levados para um abrigo ainda bebês após sofrerem maus-tratos. Lá ficaram até os 3 anos, quando foram adotados. Mas esse ainda não foi um recomeço para as crianças. Após dois anos com a nova família, eles foram devolvidos para adoção. Embora não seja uma situação comum, a devolução de crianças adotadas traz novas marcas de abandono a uma trajetória já impactada pela perda de vínculos afetivos fundamentais.

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Quando a devolução ocorre, o processo de encontrar uma nova família substituta é novamente iniciada a partir de destituição da família anterior. De 2008 a 2015, foram registrados 130 casos de crianças e adolescentes que saíram do Cadastro Nacional de Adoção (CNA) e retornaram.

De acordo com a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), não é possível afirmar que todas voltaram ao cadastro por desistência ou devolução das famílias, pois há também casos em que o adotante morreu ou em que o próprio juiz entendeu que o pretendente não teria condições – financeiras, físicas ou psicológicas – para levar à frente a adoção. A criança deixa de constar no cadastro no momento em que ela sai do abrigo e é acolhida pela família como uma etapa de adaptação, ainda com a guarda provisória.

O juiz assessor da Corregedoria-Geral da Justiça de São Paulo, Iberê Castro Dias, destaca que o número de devoluções não é significativo diante das adoções, mas que o tema não deve ser negligenciado. “Na vastíssima maioria dos casos, as adoções são extremamente bem-sucedidas, inclusive as tardias. A gente tem caso, por exemplo, de um senhor em Guarulhos que adotou seis adolescentes”, apontou. Em 2016, foram adotadas 1.226 crianças e adolescentes em todo o país por meio do CNA. A preparação dos pretendentes, para ele, é a forma de evitar que esses casos ocorram e tragam mais transtornos ao desenvolvimento das crianças e adolescentes.

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Apoio

Lúcia Soares e João Baptista com o casal adotivo de gêmeos Alan e Alana, de 15 anos

Lúcia e o marido João Baptista Bonfim adotaram os gêmeos quando eles já tinham 7 anos. “Após o primeiro encontro, nós já conversamos que tínhamos nos apaixonado por eles”, relembra a psicóloga. Eles contaram com o apoio de um grupo de adoção em Recife, onde moram, para se prepararem para a tarefa. “Você se vê em outras histórias, outras famílias. Você vê que a sua angústia é semelhante à do outro”, disse sobre a importância desse espaço. De acordo com a Associação Nacional de Grupos Apoio à Adoção (Angaad), são pelo menos 150 grupos como esse no país, em todos os estados, que reúnem voluntários que já precisaram desse suporte.

“O grande papel do grupo de apoio à adoção hoje é trabalhar com o Judiciário no preparo desses pretendentes e ainda, mais do que isso, também na pós-adoção. É depois que a criança vai para a família que as coisas começam a acontecer. As dúvidas vêm, e as dificuldades no dia a dia aparecem”, explica Suzana Schettini, presidenta da Angaad. Lúcia relata que o grupo tem sido um apoio importante nos desafios da adolescência dos filhos. Na avaliação de Suzana, é comum que os conflitos ocorram em maior proporção nos casos de adoção tardia e por isso situações como essas precisam ser acompanhadas para que se evitem devoluções.

Raiva foi o sentimento que Lúcia disse sentir por um tempo após conhecer a família adotante que tinha abandonado os seus filhos. “Devolver crianças, por mais que eu entenda um pouco do universo humano, é muito chocante. São marcas que vão ficar para o resto da vida”, disse a psicóloga. Hoje, ela conta que já conseguiu trabalhar esse sentimento e fala sobre o significado da adoção. “Adoção pra mim é a construção de um afeto, de uma relação de troca. A gente está sempre aprendendo. Envolve desafios também, claro, porque ser pai e mãe é desafiante, não é só porque é pai ou mãe adotivo.”

Preparação

É o que avalia também a psicanalista Maria Luiza Girardi, autora do livro “Devolução de Crianças Adotadas – Um Estudo psicanalítico”. Ela explica que não há um levantamento estatístico sobre os casos de devolução, mas que é possível identificar situações mais delicadas, como adoção tardia, inter-racial, de grupos de irmãos e de crianças com necessidades especiais. “É necessária uma preparação rigorosa desses adultos que vão adotar essas crianças, assim como das crianças. Da mesma forma que o adulto idealiza muitas vezes a criança que vai adotar, a criança também idealiza a família onde ela vai ser inserida, ou que ela deseja”, aponta.
Para a psicanalista, a expectativa extremada no caso da adoção explicam parte dos conflitos que surgem na relação familiar. “Nenhuma criança pode satisfazer exigências tão grandes, quando são tão elevadas. Então o nível conflitivo está sempre ali rondando”, explica. A motivação baseada no altruísmo, e não no desejo de exercer a paternidade ou maternidade, também pode ser um fator de risco para as situações de devolução, como explica Maria Luiza. “A ideia de fazer um bem a uma criança não sustenta, a longo prazo, um projeto de filiação verdadeira.”

Reparação

A promotora Mirela Monteiro, do Ministério Público de São Paulo, explica que as crianças e adolescentes que passam por esse processo podem receber reparações. “A expectativa frustrada traz consequências psicológicas, às vezes, até maiores do que ela tinha antes. Nesse caso, tem direito sim a danos morais e até pagamentos por danos de despesas médicas e psicoterapia que a criança venha a precisar”, explicou. Foi o que ocorreu em um dos casos em que Mirela precisou atuar. Não foi necessário ação judicial, pois os pais se comprometeram a pagar terapia para a criança que tinha 8 anos. O caso ocorreu ainda quando a família tinha a guarda provisória, mas já tinha se passado oito meses de convivência.
Mirela reforça que é preciso avaliar caso a caso ao tomar a decisão pela reparação. “Sempre tem que analisar a razão da devolução e o tempo que isso demorou para acontecer”, disse. Os casos que não têm justificativas consistentes são as que, normalmente, requerem reparação. “Nesse caso, entendo que, de fato, há abuso de direito por parte dos pretendentes, dos adotantes, de que o estágio sempre é analisado a favor da criança”, explicou. Nos casos em que a devolução ocorre após concluído o processo de adoção, é possível a solicitação de pagamento de pensão alimentícia até que uma nova família substituta seja encontrada a criança ou adolescente.

Tribunal aposta em campanha incomum para promover adoção de crianças mais velhas

Os irmãos capixabas Rian e Ícaro, de 11 e 10 anos, respectivamente, contam em um vídeo divulgado na internet que gostam de jogar bola, soltar pipa, andar de bicicleta e skate. Os meninos fazem parte de um grupo de 140 crianças e adolescentes acolhidos em abrigos que estão aptos para adoção no Espírito Santo. O número é pequeno diante do total de casais habilitados para adoção: 855 no estado.

Ao contrário de outros países, o sistema brasileiro permite que as famílias adotantes escolham o perfil da criança desejada. Segundo o levantamento, 80,82% buscam crianças de até 5 anos, enquanto menos de um quarto (24,6 %) das crianças aptas da adoção está nesta faixa etária.

Na tentativa de equilibrar esse cenário e reverter histórias de crianças maiores de 8 anos, aquelas com irmãos ou as que têm alguma condição especial de saúde, o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJ-ES) realiza a campanha “Esperando por você”. A medida busca estimular a adoção tardia e apresenta, por meio de vídeos e fotos, as crianças que aguardam uma família. Apesar de inicialmente parecer incomum, por expor a imagem das crianças, a campanha já colhe bons resultados.

“A gente ora pedindo uma família, para que possa dar tudo certo. E também espero que eu possa ser adotado, eu e meu irmão. Que uma pessoa boa possa vir nos pegar, nos levar, nos tratar com carinho. Que a gente possa respeitá-la, a casa dela. Não importa onde ela vai morar, pelo menos eu vou ter uma família”, conta Ícaro em um dos vídeos da campanha.
Segundo o TJ-ES, todas as crianças concordaram em participar do projeto, e o uso de imagem foi autorizado pelos magistrados responsáveis, coordenadores dos abrigos e guardiões legais. A campanha foi inspirada em casos de sucessos semelhantes obtidos nos Estados Unidos, Russia, Bielorrússia.

Segundo o psicólogo da Corregedoria-Geral de Justiça do estado, Helerson Elias Silva, a ideia nasceu da necessidade do acolhimento de crianças que estão crescendo em abrigos sem pretensão de adoção. Segundo ele, que também é um dos coordenadores da campanha, a ação já tem apresentado retorno positivo.

“O que estamos colhendo é muito mais do que esperávamos. Um adolescente de 16 anos pediu para participar da campanha e nos disse: ‘É uma chance que eu tenho, eu quero ter uma família’. Em uma semana já recebeu pretendente interessado”, conta.

A campanha do TJ-ES teve alcance nacional e, até o momento, recebeu mais de 200 e-mails de potenciais adotantes. Em um caso específico, há registro de 60 pessoas interessadas em apenas uma única criança. “Essa criança (por meio dos processos legais) já buscou uma família em todos os cadastros e ninguém se interessou. A barreira acontece pelo preconceito, que vem da falta de conhecimento. Com a campanha, estamos levando essas crianças para ajudar a quebrar uma barreira inicial. Socialmente, tem essa coisa de que criança um pouco maior não vai obedecer. Mas elas estão tão ávidas para serem adotadas, vemos como elas colaboram. Essa criança pode completar uma família e dar muito amor. Estão prontas para adoção, enquanto a criança menor tem uma fila que demanda muito mais tempo”, explica Silva.

Adoção Tardia

Insegurança e medos são sentimentos frequentes entre os interessados em adotar quando o assunto é acolher uma criança acima de 2 anos. Segundo a psicóloga Sanmya Salomão, coordenadora do grupo de adoção tardia da Organização Não Governamental (ONG) Aconchego, em Brasília, desconstruir o tabu é a maior barreira. “O mito de que a adoção de um bebê é facilitada por crescer dentro da família é muito grande. Nós temos que trabalhar com a ideia de filiação, que insere a aceitação mesmo daquela criança já vem com uma história”, afirma a psicóloga.

Na adoção tardia, a criança traz a bagagem de um período de desamparo. Ela não vivenciou situações imprescindíveis para seu desenvolvimento. Por isso, pode apresentar dificuldades de fala e cognitivas, resultado de privação afetiva, explica Sanmya Salomão. “O que cabe a essa família é reconstruir com essa criança um caminho para o desenvolvimento mais pleno. Requer, por parte da criança, uma abertura para essa transformação. Os pais vêm com muitos tabus de que a criança pode ter um desvio de caráter, algum transtorno. Mas o mais difícil é o próprio tabu”.

O economista Flávio Santiago é pai adotivo de Maria*, de 7 anos. Após três meses de preparação, ele e a mulher adotaram a criança. Ele conta a ansiedade e alegria diárias de sair do trabalho e encontrar a filha, que o espera para brincar.

“O início foi muito difícil, de adaptação. A criança tinha que vencer o medo, todas as inexperiências que uma pessoa tem. Além de estar em uma casa diferente, uma outra família. E nós, do outro lado, também achando que seria tudo mil maravilhas. Não foi porque ela com 6 anos já veio com uma experiência de vida própria e nós também e precisamos fazer esse vínculo se encaixar”, disse.

Para ajudar na adaptação, os pais participam do grupo de apoio conduzido pela psicóloga Sanmya, que atende mais 30 famílias em reuniões mensais. “A primeira coisa é que a gente não pode idealizar o filho dos nossos sonhos, porque a gente acaba caindo no erro que até pais de filhos biológicos caem. No caso da adoção tardia, o primeiro ponto é respeitar a criança, que já vem com uma história de vida pronta. Não idealizar porque eles já têm um período de vida em que nós não estávamos presentes”, descreve Santiago.
Para o economista, o caminho da adoção tardia tem sido “gratificante”. “As pessoas têm que ter consciência que vão ter que se doar. É uma vida que está contigo agora. A satisfação que você tem de ver uma criança começar a ler, aprender a fazer contas, de se comportar como você ensina, a te tratar com carinho. A caminhada é muito difícil, mas a recompensa é ainda maior”.

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