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Mulheres de Luta: “A música e o samba me salvaram”, diz Sandra Portella

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sandra portella marcelo ribeiro
De catadora de papel a cantora habituée nas casas de samba da Lapa (RJ), Sandra Portella, 43 anos, relembra sua trajetória(Foto: Marcelo Ribeiro)
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No Mulheres de Luta desta quarta-feira, a entrevistada é Sandra Portella, que conta sua trajetória desde quando frequentava a quadra da Juventude Imperial até se transformar em uma cantora reconhecida. Sandra é uma das personalidades ouvidas pela Tribuna no mês da mulher. As entrevistas, iniciadas com o caderno especial do último domingo, seguem até o final do mês.

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Sandra não é mulher de silêncios, desde criança. Ainda muito pequena, antes de ser Portella, Sandra Francisca Bonsanto, ela conta que dormia na quadra da Juventude Imperial, no Furtado de Menezes, bairro que abriga a Juventude Imperial, sua escola do coração, onde conversamos sobre sua trajetória. “Minha mãe morava na rua debaixo da escola, e a gente vinha subindo pelo barulho do ensaio aqui na quadra. Meu pai era compositor da Imperatriz (Leopoldinense) e vinha para cá nos concursos de samba-enredo. Foi aqui que eles se conheceram, eu sou cria dessa escola mesmo (risos). E aqui eu fui conhecendo o samba, a primeira ala de que fiz parte foi a das baianinhas, depois com uns 20 anos, já casada, fui passista também”, relembra a cantora. “É o samba de morro mesmo, foi aqui que eu conheci, ainda sem saber que ele ia se tornar uma grande parte da minha história”, relembra a cantora, que, não por acaso, lançou, muitos anos depois das sonecas entre batuques, seu primeiro CD, “Samba no Morro” (2013), pela Lei Murilo Mendes.

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Da infância como catadora de papel pegando o Xangai até o lixão da antiga Facit ao início da vida adulta como caixa de supermercado, Sandra não imaginava que se tornaria artista, embora sempre estivesse cantarolando aqui e acolá. “Eu sempre gostei de me ouvir cantar, mas era coisa de chuveiro, de passar o dia, não sabia que era cantora. Nunca tinha tido uma crítica de outra pessoa até meu amigo Joel me ouvir cantar no vestiário do Bahamas e me incentivar. ‘Sandrinha, você canta muito bonito. ‘Bora’ soltar essa voz, nega!’. E foi ele que primeiro me incentivou, deu os primeiros passos pra que eu gravasse músicas, fizesse uns shows a princípio nas próprias festas da empresa. E aí minha vida foi mudando completamente. Eu estava muito triste, tinha acabado de me separar, e essa foi uma das muitas vezes em que a música me salvou, e o samba me salvou muitas vezes depois também”, conta a cantora. Foi nessa época em que começou a cantar que surgiu a alcunha que hoje é seu nome artístico. “Uma amiga me chamava de Portela sempre que eu cantava samba. Na época eu não gostava, ficava brava porque eu era e sempre fui Juventude. Mas fui conhecendo a escola, a história e me apaixonei. Hoje eu sou Portela, sou Clara Nunes e sou, claro, Juventude também”, conta.

O flerte com ele, o samba, começou quando conheceu a carreira do músico Flavinho da Juventude. “Já o conhecia da quadra (da Juventude Imperial), mas foi quando o conheci melhor como cantor que o samba entrou de vez na minha vida. Ele me convidou para fazer parte de um projeto no Muzik, de samba às quartas-feiras, numa época em que o samba estava muitíssimo em alta, estava sendo redescoberto e foi um sucesso de muitos anos e um divisor de águas na minha carreira e na minha vida”, recorda-se a cantora. Veja Sandra cantando “Emoriô”, de João Donato e Gilberto Gil:

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Entre o Rio e Juiz de Fora

Dali para frente, a união com o ritmo que ouvia ecoar ainda menina na quadra só se intensificou, e, atualmente, Sandra se divide entre o Rio, Meca do samba brasileiro, e a terrinha, onde estão seus seis filhos (dos quais dois são adotivos) e suas raízes. Mas nem sempre a voz de Sandra entoou versos cadenciados de Clara Nunes – seu ídolo maior – e outros imortais do samba. No ano passado, a cantora corajosamente denunciou uma agressão que sofreu de um ex-parceiro, indo a público na mídia e tomando as providências legais. “Mas como eu disse, o samba sempre me leva para um lugar melhor. No dia seguinte, fui indicada ao Prêmio da Música Brasileira como melhor cantora de samba. Penso muito nisso, em como a cultura pode mudar o rumo da vida das pessoas, por isso é tão fundamental que se invista nela”, diz a artista. “Eu tive muitos desafios, mas nunca desanimei ou desisti, embora às vezes o caminho seja muito difícil, porque não tenho essa opção. Nunca passei por tragédia alguma, mas às vezes a gente desanima. Mas sigo em frente.”, completa.

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No percurso, a menina que um dia catava lixo teve muitas conquistas com as quais jamais sonharia, como cantar com Alcione, uma das maiores vozes da música brasileira, hoje madrinha de Sandra. “A Alcione esteve aqui na quadra quando foi enredo da Juventude Imperial. Ela me ouviu cantar, me abraçou e chamou para que eu cantasse com ela depois: ‘Vem, rouxinol!’ Foi uma emoção enorme. E claro que isso me abriu muitas portas”.

Como era de se esperar, parar de caminhar e cantar não consta nem muito ao longe nos planos de Sandra. “Eu gostaria muito que as meninas, sobretudo as meninas aqui do Furtado, da Vila Ozanan, do Bairro de Lourdes, bairros que fizeram e fazem parte da minha história, pudessem se inspirar um pouco na minha história, saber que dá pra ter uma realidade diferente. Não vai ser fácil, não vai ser sem luta, vai cansar, mas dá. Eu estou longe demais ainda de chegar onde eu quero, mas reconheço o quanto cheguei longe. Tenho um sonho de um dia conseguir desenvolver um projeto social aqui no Furtado, aqui na quadra onde já vivi tanta coisa, nesta comunidade. Outro sonho enorme é gravar o DVD de um show. Mas eu vou indo, fazendo, e devagarzinho eu chego lá.” E chega mesmo. Sempre chega.

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