Pelo menos 49 idosos foram deixados no hospital após receberem alta médica em instituições de saúde de Juiz de Fora no primeiro semestre de 2025. Internados com comorbidades, eles permaneceram sob cuidados hospitalares, mas nenhum familiar apareceu para levá-los de volta para casa, não contam com uma rede de apoio capaz de cuidar deles ou não possuem nenhum vínculo. A informação é fruto de levantamento feito pela Tribuna junto a Prefeitura de Juiz de Fora (que respondeu pelas instituições de saúde municipais) e com os hospitais Ana Nery, Hospital e Maternidade Therezinha de Jesus (HMTJ), Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU-UFJF) e Hospital Albert Sabin. A reportagem também entrou em contato com Monte Sinai, Hospital Unimed Dr. Hugo Borges e João Penido (Fhemig), que informaram que não houve registros deste gênero nas instituições.
De acordo com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), duas realidades distintas compõem a permanência de idosos em instituições hospitalares mesmo após o recebimento de alta. Há o abandono em casas de saúde, que pode ser caracterizado como crime, desde que praticado por quem tem a obrigação legal com o idoso. De acordo com artigo 98 da Lei 10741/2003, do Estatuto do Idoso, também se enquadra nesses casos quando o idoso não tem suas necessidades básicas (alimentação, higiene, cuidados médicos, vestuários e outros) atendidas pelo cuidador.
Por outro lado, se faz presente a manutenção de idosos nessas instituições também quando eles não possuem condições de retornarem para sua residência, seja em virtude de não terem condições de darem continuidade ao tratamento médico sozinhos ou por falta de algum parente ou rede de apoio que possa efetivar os cuidados de saúde desses idosos. Neste caso, a permanência em instituições hospitalares recebe o nome de internação de caráter social.
Conforme explicou o MPMG à reportagem, “o crime de abandono de idoso em hospital só ocorre quando a pessoa, que tem dever de cuidado para com o idoso (seja em razão de parentesco ou por determinação legal (como no caso do curador), atua de forma proposital, ou seja, de forma dolosa, largando o idoso no hospital para não ter que cuidar do mesmo, podendo fazê-lo”, esclareceu o órgão em nota.
Quando a permanência de idosos em hospitais vira caso de justiça
Os casos de permanência de idosos em hospitais da cidade, que vão parar na 20ª Promotoria de Justiça da Comarca de Juiz de Fora, em sua maioria, não se tratam do crime de abandono. A informação do MPMG revela que a realidade mais comum na continuidade desses idosos em instituições de saúde após receberem alta é por questões pessoais. “O parente trabalha o dia inteiro fora de casa e não pode receber o idoso em seu domicílio porque não tem condições de cuidar, ou porque o idoso não possui sequer referência familiar (sozinho no mundo)”.
O mesmo se verificou nos episódios relatados pela reportagem em instituições de saúde da rede pública do município. De acordo com a Secretaria de Saúde, no Hospital de Pronto Socorro Dr. Mozart Teixeira (HPS), que teve onze registros de permanência de idosos, e na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Norte, que registrou dois casos, há uma diversidade de perfis, mas uma tendência de que esses idosos não possuam rede de apoio familiar ativa ou tenham vínculos fragilizados.
Diante da incidência da continuidade desses idosos em instituições de saúde municipal, a Prefeitura de Juiz de Fora informou que a atuação da rede é imediata. Em primeiro momento, as equipes de assistência social buscam contato com os familiares desses pacientes idosos. “Caso não haja retorno ou haja recusa em buscar a pessoa idosa, o HPS aciona a Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde solicitando orientações para o encaminhamento adequado. Nas UPAs, o fluxo prevê o acionamento direto do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), responsável pelo acompanhamento e medidas cabíveis”, detalhou a pasta de saúde.
Fragilidade na rede de apoio marca permanência de idosos em instituições de saúde
No Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU-UFJF), administrado pela Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), foram registrados quatro casos de idosos que permaneceram internados mesmo após a alta. De janeiro a julho deste ano, segundo informou a instituição, a equipe do serviço social acompanhou essas ocorrências que tiveram a internação prolongada e um processo de desospitalização complexo. Novamente, aparece como marca a fragilidade na rede de apoio.
De acordo com levantamento feito pelos assistentes sociais do HU, Camila Martins da Silva e Wássila Mariana Recepute Veloso, durante a internação, três desses idosos tinham familiares e amigos que os acompanhavam de alguma forma. Mas, durante a alta e a necessidade de continuidade dos cuidados, uma idosa de 60 anos e um homem de 82 tiveram que receber encaminhamento para o Hospital Ana Nery. No caso da mulher, o MPMG foi acionado.
O terceiro idoso, 77 anos, conseguiu retornar para casa, mas com acompanhamento do Departamento de Internação Domiciliar (DID) e seguindo o tratamento no Hospital João Felício. No último caso similar encontrado no local, uma mulher de 88 anos que estava internada morava sozinha e não possuía qualquer rede de apoio. Seu futuro ainda depende da definição de um representante legal e, enquanto o caso está sendo judicializado, a paciente foi encaminhada para o Hospital Ana Nery.
Enquanto em instituições como o Albert Sabin e o Hospital e Maternidade Therezinha de Jesus (HMTJ) apenas um caso semelhante foi registrado em cada, é no Hospital Ana Nery que estão concentrados 30 casos de permanências de idosos após alta. Elisa Montessi, coordenadora administrativa do local, explica que a instituição utiliza um questionário para identificar os pacientes cuja permanência está relacionada apenas a causas sociais – fatores externos ao atendimento médico. Entre os 30 levantados, a maioria é formada por homens; parte deles veio de internações em hospitais psiquiátricos e não possui vínculos familiares.
Segundo ela, isso por vezes acaba sendo um problema, uma vez que o local não pode ser considerado como moradia – já que são leitos hospitalares, chamados de leitos de transição, que servem como ponte para a reinserção desses pacientes com a família. Quando necessário, o hospital contata o MPMG que passa a procurar uma instituição de longa permanência para esses pacientes, que, enquanto o processo tramita, continuam residindo em hospitais.
Saiba o que é a alta social e a diferença para a biomédica
A alta hospitalar, normalmente decidida pela equipe médica, avalia critérios como recuperação antes de autorizar a saída e consequente liberação do leito. Esse processo, conforme observa o MPMG, é influenciado também pela lotação de unidades e a necessidade de fluxo continuo de leitos. A partir da Constituição Federal Brasileira de 1988, entretanto, outras normativas foram acionadas como critérios para alta. Nesse sentido que aparece a “alta social”, isto é, a liberação e a saída do paciente no hospital perpassam uma avaliação das necessidades biopsicossociais dos pacientes e usuários das instituições de saúde, atividade que é desenvolvida pela assistência social.
A alta médica concebida estritamente em função do quadro clínico do paciente, desconsideraria, assim, as condições objetivas e subjetivas do usuário e de seus familiares, o que pode incidir em complicações no quadro de saúde de tal indivíduo e, em última análise, produzir reinternações. Já a alta social está atrelada a uma concepção ampliada de saúde.
“Assim, quando a alta biomédica ocorre, os hospitais públicos devem encetar uma articulação com a Rede de Atenção à Saúde para que seja providenciado o abrigamento do idoso de forma que não haja interrupção no tratamento”, afirma o MPMG, que também atua na busca por abrigo para idosos nesta condição.
De acordo com o órgão, essa alta social, que busca considerar fatores multidisciplinares que interferem diretamente na vida do paciente, é a maior causa da realidade em que idosos moram no hospital. Diante da falta de apoio para continuar os cuidados médicos em casa, os idosos permanecem nas instituições de saúde até conseguir encaminhamento para outros locais. “Neste caso, como os parentes não têm como prestar o cuidado por impossibilidade, não se pode falar na existência do crime de abandono de idoso em hospital”, ressalta o MPMG, que finaliza acenando para o crescimento dessa realidade junto ao aumento de problemas sociais no país.

