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Van destinada a transporte de pacientes do SUS é usada pelo Tupi

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Tribuna acompanhou trajeto da van nos últimos dias 19 e 20 de setembro, desde a saída da sede do Tupi, no Centro, até o desembarque dos jogadores no Estádio Radialista Mário Helênio. Veículo plotado com símbolo do Centro de Ação Social tem sido usado pelo clube com frequência
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O Centro de Ação Social Sr. Joaninho, ligado ao ex-vereador João Evangelista de Almeida, o João do Joaninho, está utilizando um veículo doado pela Secretaria de Estado da Saúde para transportar o time do Tupi. A van Mercedes-Benz, placa HMH-5256, foi entregue para a entidade assistencial em 2013, com a finalidade de desenvolver ações relacionadas ao Sistema Único de Saúde (SUS), conforme termo de doação de veículos celebrado com o Estado de Minas em 30 de outubro daquele ano (ver fac-símile 3 na página 4). Enquanto a van – que custou à época mais de R$ 90 mil aos cofres públicos – vem servindo à equipe esportiva, cerca de 30% das consultas médicas da rede pública em Juiz de Fora são abandonadas por causa da dificuldade de acesso dos usuários a transporte. A própria pintura que permanece no veículo doado indica sua principal finalidade: “Transportando pessoas em tratamento de saúde – fisioterapia, quimioterapia, hemodiálise, equoterapia, radioterapia e outros apoios”. De acordo com a ouvidora regional de Saúde, Samantha Borchear, hoje há mais de 400 pacientes de hemodiálise sem dinheiro para deslocamento.

Flagrantes feitos pela Tribuna a partir do dia 12 de setembro apontam o uso frequente do carro pelo clube. Na última semana, por exemplo, a equipe de reportagem acompanhou todo o trajeto realizado pelo veículo fabricado em 2008. Nos três registros feitos pelo jornal, a van, cuja documentação está em nome do Centro de Ação Social, deixou a sede do clube, localizada na Rua José Calil Ahouagi, antes das 15h em direção ao Estádio Municipal Radialista Mário Helênio (ver vídeo no site da Tribuna), onde o time vinha treinando para enfrentar o Fortaleza na disputa de uma vaga na série B do Campeonato Brasileiro de 2018. Após passar pela Avenida Brasil, Avenida Rio Branco, Rua Benjamin Constant e Avenida Olegário Maciel, o carro seguiu até o estádio, onde entrou e deixou os jogadores na porta do vestiário. A van ficou no local por mais de 40 minutos.

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‘Não tenho dinheiro para mexer com isso mais’

Para o ex-vereador João Evangelista, idealizador da associação privada em atividade desde 2006, não há desvio de finalidade, apenas uma “parceria” com o Tupi “para ajudar o povo”. “A van veio para a associação e o centro de ação social tem um estatuto dela. Qualquer carro, não pode vender, mas é para atender o que está no estatuto. É assim que funciona. Eu acompanho o estatuto e, na época que esse carro veio para atender a associação, era só saúde. Mas, depois, foi mudado o estatuto, que passou a incluir esporte e cultura. Estou usando uma parceria no esporte para atender a saúde. São as condições que tem. Arrumei um parceiro, e eles me ajudam no atendimento às comunidades. É uma parceria para ajudar o povo. Nada mais. Não tem valores, não tem aluguel, não rola dinheiro, não existe isso”, informou João do Joaninho, alegando não ter recursos próprios para arcar com as despesas do transporte de pacientes.

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“Não tenho dinheiro para mexer com isso mais. Antes, como vereador, eu era um dos patrocinadores do centro de ação. Infelizmente, as coisas não saíram do jeito previsto. Dos 100% do atendimento que fazíamos, estão sobrevivendo uns 30% (do atendimento à saúde) por causa dessa parceria com o Tupi. Eles colocam o diesel e pagam o motorista, que era o mesmo que já trabalhava na van para atender os meus pacientes da saúde. Então, eu não gasto com motorista, não gasto com manutenção e não gasto com petróleo. Em troca, eles usam a van.”

Apesar de João do Joaninho alegar que a “parceria” com o Tupi atende ao estatuto da entidade, o transporte do time do Tupi não atende ao acordo firmado com a Secretaria de Saúde do Estado. O texto do termo de doação determina a utilização do bem “estritamente” para o estabelecido pelo Gestor Estadual do Sistema Único de Saúde. E mais: “o donatário não poderá, em hipótese alguma, negociar o referido veículo sob qualquer forma, especialmente quanto à alienação, locação, empréstimo e permuta”, diz o documento (ver fac-símiles 1 e 2).

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O ex-vereador garantiu que está mantendo o transporte de saúde para mais de 30 famílias da cidade, embora nenhum endereço atribuído ao Centro de Ação Social Sr. João do Joaninho esteja ativo. Hoje a instituição é presidida por Luana Oliveira Evangelista, sobrinha de João. Segundo o Comprovante de Inscrição e de Situação Cadastral da entidade, a sede deveria funcionar na Rua Antônio Rufino 100, Bairro São Pedro. A casa, no entanto, está vazia e disponível para aluguel. “Na verdade, tive que entregar os aluguéis, então o carro está ficando guardado na Rua Benjamin, onde eu gerencio uma loja. Quando está cheio aqui, ele dorme lá no Tupi, que é aqui pertinho, então daqui que é controlado. Mesmo assim, está devagar demais, quase parando, porque eu não tenho mais dinheiro para mexer com isso. Antes usava o meu salário de vereador. Hoje estou em uma luta para tentar manter o atendimento de saúde a 30 e poucas famílias, porque a despesa é grande. Não é fácil não, pois eu não fui aproveitado em nada da política, mesmo com quatro mil e tantos votos. Então, estou dando os meus pulos”, comentou o ex-vereador.

Ouvidora diz que situação do transporte de pacientes é caótica em JF

A ouvidora regional de Saúde, Samantha Borchear, diz que a situação do transporte de pacientes com doenças crônicas do SUS é caótica. “Nós não temos em Juiz de Fora o Programa Transporte Sanitário, que faz a remoção de pacientes com doenças crônicas. Todos os dias, há pelo menos um pedido de transporte na ouvidoria. Para não deixar estas pessoas sem atendimento, temos judicializado individualmente caso a caso. Além disso, o carro de apoio da antiga Astransp, que é para o transporte de pessoas com deficiência, está sendo solicitado nestes casos, o que é um desvio de finalidade.” A ouvidora acrescenta ainda que, apesar das investidas do órgão (Ouvidoria), até hoje, a situação permanece inalterada.

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O secretário executivo do Conselho Municipal de Saúde, Jorge Ramos, aponta a questão do transporte como um dos grandes problemas de abandono de consultas e até de tratamento na cidade. “O percentual médio de abandono é de 30%, pois a maioria das pessoas não tem dinheiro para o deslocamento. Isso impacta demais. Por isso, a questão do acesso é uma das grandes responsáveis por esse abandono”, aponta.

De acordo com o termo de doação de veículos do Estado para o Centro de Ação Social Sr. Joaninho, a não utilização do bem em observância com os fins descritos e o desvio de finalidade das obrigações pactuadas importará em reversão do veículo ao Estado de Minas Gerais. (ver fac-símile 2).
O deputado estadual Antônio Jorge (PPS), que foi o responsável pela doação da van enquanto ocupava o cargo de secretário de Estado da Saúde, lamentou o ocorrido. “É atribuição da Secretaria de Estado da Saúde apoiar o terceiro setor e o transporte de saúde para pessoas que precisam. A instituição em questão tinha um robusto papel na assistência e funcionava de maneira adequada. Lamento se houve um desvio de função e acho que a entidade deve ser apoiada para recuperar o seu objeto. Pretendo, a partir de agora, fazer uma interlocução com a entidade, que, se não for mais executar o seu papel, deve doar o bem a uma unidade congênere com autorização da Secretaria de Estado da Saúde. O objetivo social da van era facilitar o acesso à saúde. Infelizmente, se a atividade da entidade for encerrada, o papel da doação terá que ser revisto.”
Por e-mail, a assessoria de imprensa do Tupi limitou-se a dizer que o jornal deveria procurar o proprietário da van.

Afastado da legislatura desde 2015

João Evangelista de Almeida, o João do Joaninho, foi vereador em Juiz de Fora em três legislaturas consecutivas, a partir de 2005. O último mandato, porém, não chegou a ser concluído, pois ele renunciou ao cargo em 2015, após forte pressão para ser cassado. Em 11 de junho daquele ano, o então vereador foi surpreendido pela Polícia Militar de Meio Ambiente em uma lancha na Represa Chapéu D’Uvas com animais silvestres abatidos: três capivaras e um jacu, além de uma espingarda calibre 22 e 48 munições, sendo 46 intactas. Na época, um homem de 51 anos, que acompanhava Joaninho na lancha, assumiu o crime ambiental e a posse da arma.

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Do conhecido “caso das capivaras” até a renúncia, em 17 de julho do mesmo ano, o então vereador se envolveu em outra polêmica. Conforme revelado pela Tribuna, dia 9 do mesmo mês, João do Joaninho era investigado pelo Ministério Público Estadual em razão de outros crimes ambientais na barragem de Chapéu D’Uvas.

A situação divulgada pelo jornal foi considerada estopim da situação política do então vereador que, antes de renunciar, ainda foi denunciado pela Polícia Civil, com base na Lei de Crimes Ambientais. Apesar de todo o imbróglio jurídico, o ex-vereador tentou voltar à Câmara nas eleições do ano passado, com candidatura pelo Democratas. Recebeu a confiança de 4.172 eleitores, sendo o 9º mais votado. No entanto, sua coligação não atingiu coeficiente para elegê-lo.

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* Colaborou Eduardo Valente

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