Rotinas estressantes, problemas que parecem não terminar e desânimo diante de todo este cenário. No dia a dia, é comum acompanhar cenas de pessoas apressadas pelas ruas ou aos gritos e também nervosas ao celular. São demonstrações de insatisfação com emprego, situação financeira, relacionamentos, entre outros, o que pode acabar acarretando em problemas de saúde. Hoje, no Dia Nacional de Prevenção e Combate à Hipertensão Arterial, este quadro chama atenção.
Para a cardiologista juiz-forana Maria Augusta de Mendonça Lima, diagnosticar, de forma precoce, os sintomas de ansiedade e depressão pode ser um dos fatores primordiais para minimizar o risco de doenças cardiovasculares. A conclusão da médica é fruto de sua pesquisa de doutorado, desenvolvida na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O estudo contribui para entender um fator de associação entre a depressão e as doenças ligadas ao coração.
Analisando a situação de um grupo de 103 pacientes atendidos pelos ambulatórios de cardiologia do Hospital João Penido e da Clínica de Psiquiatria e Psicologia Médica da UFJF, foi observado que 64% apresentavam ansiedade e/ou depressão, sendo que 40% foram diagnosticados no ambulatório de cardiologia após avaliação psiquiátrica. Ainda entre os pacientes, 68% apresentavam alteração no colesterol e triglicérides, enquanto 60% eram hipertensos. Os dados revelam os principais fatores de risco capazes de desenvolver a doença cardiovascular, incluindo a condição socioeconômica dos pacientes.
Segundo a cardiologista, estudos já demonstravam que tanto a depressão quanto a ansiedade poderiam ser classificadas como causa ou consequência da doença cardiovascular. Ela destaca que existe uma busca por um marcador que permite o diagnóstico precoce, a ponto de estabelecer um tratamento preventivo. “Nossa investigação se concentrou na busca de sinais mais precoces de alteração vascular, caracterizadas como a disfunção endotelial, e a inflamação que é um dos mecanismos que ligaria doença cardiovascular e depressão e/ou ansiedade”, explica. A inflamação faz parte de todas as etapas do processo de agressão às artérias e que, se persistir, pode desencadear o processo de aterotrombose que tem entre suas manifestações clínicas o infarto e o acidente vascular cerebral (AVC).
Durante as avaliações, a ideia foi identificar aqueles que já haviam desenvolvido algum tipo de predisposição à doença cardiovascular, a fim de concentrar as ações apenas no agrupamento que ainda não demonstrasse evidências da doença. Os pacientes foram examinados a partir de testes simples de sangue, como de colesterol, glicemia e triglicérides e também os específicos, como proteína C reativa, lipoproteína (Lp-PLA 2) e interleucina 6. Além da avaliação clínica, os pacientes passaram por exames de eletrocardiograma, teste ergométrico e doppler de artéria braquial. No estudo, os níveis de lipoproteína PLA 2 demonstraram a associação entre ansiedade e depressão e a disfunção endotelial.
População de baixa renda e mulheres
Dos resultados extraídos, um dos fatores que chama a atenção é o baixo nível socioeconômico dos pacientes. Segundo a médica, 63,1% dos pacientes não possuíam o ensino médio, enquanto 75% tinham renda familiar menor que um salário mínimo por dependente. “Sabemos que piores condições socioeconômicas estão associadas ao aparecimento de doença cardiovascular no futuro. Também o fator econômico está intimamente ligado ao maior nível de estresse. É preciso repensar políticas públicas que garantam a qualidade de vida a essas pessoas, não apenas no sentido de acesso à renda, mas à educação, ao saneamento básico e à saúde”, afirma.
Outra constatação foi a de que, entre os pacientes pesquisados, as mulheres estão entre as que têm maior tendência a desenvolver a depressão. “Elas apresentaram duas vezes e meia mais possibilidades do que os homens. Isto provavelmente é justificado, além da característica hormonal, pelo fato de as mulheres assumirem múltiplas funções”, explica a cardiologista. Alguns fatores específicos afetam as mulheres, como a desigualdade de renda, subordinação, responsabilidade de cuidar dos outros, violência sexual a que está exposta e excesso de trabalho.
Busca de hábitos saudáveis
A cardiologista Maria Augusta de Mendonça Lima revela que sua preocupação está ligada, principalmente, ao acompanhamento dos pacientes analisados. Desde março, teve início uma parceria com alunos da Faculdade de Medicina da Unipac para o acompanhamento dos pacientes, nas próprias unidades onde passaram pelo tratamento. Além do uso de medicamentos, quando indicados, a médica atenta para hábitos saudáveis necessários (ver quadro). Dentro do grupo observado, 68% dos pacientes apresentavam sobrepeso ou eram obesos. “É um índice alarmante para pessoas de uma faixa etária média de 44 anos observada no estudo. É fundamental que o paciente colabore durante a terapia. O sedentarismo, a má alimentação e o tabagismo são fatores a serem evitados. A rotina cansativa também pode impor uma situação que dificulta o tratamento. Não basta dizer à pessoa para que ela não fique estressada, é preciso gerenciar o estresse”, reforça.
Seguindo a recomendação médica, a professora da educação básica Roseni de Moura Bonatio, 48, integrou o grupo da pesquisa e já percebe uma mudança após a adesão ao tratamento. “Sou hipertensa, e a pressão sempre sobe em momentos de tensão na minha vida. Quando me irrito em sala de aula, minha pressão chega a registrar 18 por 10. Depois da pesquisa, passei a caminhar, voltei a estudar, a fazer atividades que me dão prazer. Hoje consigo controlar a minha pressão, mantendo-a em 14 por 9.”