Para além dos impactos da Covid-19 na saúde das pessoas que contraíram a doença, a pandemia causou reflexos também na saúde mental da população. Um estudo do Instituto Ipsos, publicado em abril de 2021, mostrou que 53% dos brasileiros observaram piora em seu bem-estar desde o início da pandemia, em 2020. Apesar de dados como esse apontarem a importância de cuidar das questões psicológicas, ainda há tabus com relação à saúde mental, e a campanha Janeiro Branco visa a conscientizar a população sobre o tema.
O primeiro mês do ano foi escolhido por ter um simbolismo forte de ser um momento em que as pessoas traçam metas e começam um novo ciclo, com a possibilidade de mudança de hábitos. A campanha Janeiro Branco existe desde 2014, mas recentemente, com os altos números de casos de doenças mentais, mobilizou ainda mais os especialistas para colocarem o assunto em pauta. Somente no Brasil, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), atualmente, 18,6 milhões de pessoas são afetadas por transtornos de ansiedade, e 12 milhões por depressão.
Esses dados são percebidos dentro dos consultórios de psicologia, que passaram a ter que lidar com pacientes com sintomas agravados e tendo crises ainda mais profundas. De acordo com a psicóloga Fabiane Rossi, professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), justamente por isso é essencial ter um mês para abordar o assunto, além de outras políticas públicas para acolher as pessoas em sofrimento mental.
“Os impactos da pandemia para a saúde mental são claros, e inclusive já aparecem na literatura científica. Esse assunto já era alarmante antes, mas agora ganhou mais visibilidade. Precisamos pensar em políticas públicas de saúde mental para que possamos acolher essas demandas que estão chegando”, diz. Para Rossi, é crucial levar em conta, além dos fatores individuais do sujeito, as questões sociais que colocam os indivíduos em um estado ainda mais crítico de vulnerabilidade, como por exemplo as populações periféricas e a comunidade LGBT.
Além disso, ela afirma que é preciso prestar uma atenção ainda maior aos sinais que os problemas de saúde mental trazem. De acordo com sua percepção, “é importante que todos fiquem atentos aos sintomas, como tristeza excessiva, perda de interesse pelas atividades do dia a dia, alterações de peso e de apetite e problemas relacionados ao sono, entre outros. Esse quadro pode afetar bastante a vida e o bem-estar, e só um profissional especializado pode diagnosticar.”
Pesquisa para universitários
De forma a combater esses problemas e tornar o ambiente universitário mais acolhedor, a pesquisa “Sintomas de transtorno de ansiedade e depressão entre estudantes universitários de Minas Gerais: estudo multicêntrico”, visa a fazer uma avaliação sobre a prevalência dos sintomas de transtornos de ansiedade e depressão entre estudantes durante a graduação. A iniciativa é da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), que conta com a parceria de outras oito universidades, inclusive a UFJF. Conforme Fabiane Rossi, a ideia surgiu antes da pandemia, mas se tornou ainda mais necessária.
Os universitários de todo o estado que desejarem participar podem responder a um formulário online, disponível neste link, até 25 de fevereiro. As perguntas reúnem questionamentos sobre questões socioeconômicas, hábitos de vida, condições de saúde, qualidade de vida, suporte social, resiliência e solidão. Todas as informações são confidenciais, sendo usadas apenas para fins científicos.
Uso excessivo de tecnologia pode piorar quadro
Além das questões próprias e inerentes à realidade dos indivíduos, hábitos e costumes também podem contribuir para a piora do quadro de saúde mental dos jovens. Um relatório divulgado pela empresa App Annie, em 2022, afirma que os brasileiros passam, em média, um terço do período em que estão acordados no celular.
Para a professora Fabiane Rossi, o impacto disso na saúde mental é um dado importante para entender esses altos números de casos de ansiedade e depressão: “existem questões que impactam na saúde mental que são de ordem individual, mas a questão da tecnologia deve ser olhada de forma coletiva”, diz.
Principalmente durante a pandemia, com a impossibilidade de sair, as pessoas ficaram ainda mais dependentes dos meios tecnológicos – inclusive para manter relacionamentos sociais e familiares. Esta foi uma questão positiva, mas que deve ser equilibrada. É o que explica Alana Andrade, doutora em Psicologia e professora da UniAcademia. “As novas tecnologias e as redes sociais já fazem parte da vida. Mas precisamos encontrar uma forma de balancear isso”.
Como exemplo de influência negativa, ela cita o que tem sido chamado de “super comparação” com outros indivíduos, através das redes sociais. De acordo com ela, “é normal fazer comparações na vida, mas quando vemos pessoas só felizes e alegres, isso se torna gritante e doentio, tendo impactos claros”, alerta.
Crianças e adolescentes devem ser acompanhados
No momento mais crítico da pandemia, crianças e adolescentes ficaram isolados em casa, por conta da suspensão das aulas presenciais. De acordo com a psicóloga Alana Andrade, esse período teve um potencial de fato traumático, o que deve ser avaliado por pais e responsáveis agora. Além disso, é preciso ficar atento aos sinais que crianças e adolescentes apresentam, pois nem sempre são tão claros, e podem envolver ainda outras questões não relacionadas à pandemia.
“A criança pode ficar mais quietinha, desinteressada por tudo ou até apenas interessada por assuntos muito específicos. Ela pode apresentar problemas de humor, agressividade, dificuldades de socialização e até de aprendizado. Temos observado isso sempre nos consultórios”, explica Alana. Porém, conforme a psicóloga, os tratamentos têm impacto positivo nesses quadros. “Apesar de toda essa dificuldade, pelo nível de desenvolvimento do cérebro e pela idade, as crianças e adolescentes são muito capazes de se recuperarem disso”.
De qualquer forma, ela alerta que o cuidado com o uso de tecnologias nessa faixa etária deve ser redobrado – considerando inclusive que é um público em formação, que deve ter tempo para desenvolver outras atividades e habilidades. Para ela, no entanto, não adianta demonizar o uso de redes sociais, aplicativos ou vídeogames, mas é preciso haver conversa e questionar. “Por quanto tempo essa criança está usando essas tecnologias? Que tipo de conteúdo essa criança pode ou não acessar? Como a criança usa esses recursos?”, diz.
Ela destaca, inclusive, que já há recomendações da OMS referentes a esse uso: para crianças de até 2 anos, não deve haver exposição a telas; entre 2 e 5 anos, a exposição pode ocorrer até uma hora por dia; já para crianças entre 5 e 10, é desejável não ter aparelhos como TV, computador ou celulares próprios no quarto, além não usá-los no horário da refeição e nem antes de dormir.