Em maior ou menor grau, a pandemia de coronavírus transformou a vida de todas as pessoas. Para aqueles que foram contaminados pela Covid-19, principalmente, houve momentos de dor, angústia, medo e apreensão. Considerados recuperados após o período de atuação da doença, eles ainda não sabem se estão definitivamente curados ou imunes ao vírus. Mas a única certeza, de acordo com os relatos ouvidos pela Tribuna, é de que se lembrarão para sempre de como venceram esse novo vírus, que já atingiu mais de 75 milhões de pessoas em todo o mundo.
Em Juiz de Fora, até a segunda semana de dezembro, segundo a Secretaria de Saúde, cerca de 93% de todas as pessoas que tiveram diagnóstico positivo para o coronavírus eram consideradas “restabelecidas” pela pasta, após vencerem os 14 dias de isolamento sem nenhuma intercorrência de gravidade. O percentual representa mais de 10.800 pacientes.
A Tribuna conversou com cinco dessas pessoas. São jovens e idosos; alguns, foram internados, e outros cumpriram somente o isolamento social. Eles contam que, além de sintomas físicos, a tensão psicológica e o sofrimento – seja pela doença em si ou pelo medo – foram algo em comum. Em muitos casos, lidar com a apreensão e ansiedade foi ainda pior do os desconfortos físicos. Entretanto, passado esse momento de medo, eles esperam poder voltar à vida que levavam antes da pandemia, e seus depoimentos mostram que, apesar das consequências físicas e emocionais, há esperança.
“Hoje me sinto bem e maravilhosa”
Quando conversou com a Tribuna, por uma ligação, Carmen Lopes Cristóvão, de 74 anos, estava ao lado de duas de suas três filhas, na casa em que mora no Bairro Dom Bosco, Zona Sul. Com a chamada em viva-voz, as três relataram estarem aliviadas e felizes pelo fato de a idosa estar novamente em casa. “Hoje me sinto bem e maravilhosa”, diz Carmen. Idosa e com histórico de diabetes e hipertensão, ela tinha maiores riscos de ter agravos da Covid-19 e, por cerca de um mês, ficou internada no Hospital Regional Doutor João Penido – referência no tratamento da doença em Juiz de Fora. “Nós começamos a desconfiar de que algo não ia bem quando minha mãe começou a ter diarreia com sangramento. No início, ela não apresentou nenhum sintoma de gripe, mas esse episódio me fez correr com ela para a UPA de Santa Luzia, e lá foi identificado que ela estava com Covid-19”, narra Miriã Aparecida Lopes Cristóvão, a filha do meio, que mora com a mãe.
Apesar de não ter falta de ar, a idosa precisou ser encaminhada ao hospital devido à baixa oxigenação. Lá, seu quadro se agravou, e ela foi levada para o tratamento intensivo. “Até hoje não sabemos direito o que aconteceu, porque minha mãe ficou bem ruim no hospital e precisou ser levada para o CTI. Os médicos acharam que iam perdê-la, mas pelas graças de Deus ela ficou apenas um dia no CTI”, conta Miriã, lembrando que a família é “muito espiritual”. “Minha mãe é uma mulher de muita fé, se apegou a Deus e a orixás para conseguir passar por isso.”
Ficar um mês longe da mãe não foi nada fácil para as filhas. “É uma agonia saber que sua mãe está sozinha em um hospital e você não sabe direito como ela está. Não desejo isso para ninguém”, diz Mônica Aparecida Lopes Cristóvão, também filha de Carmen. A ansiedade, no entanto, foi minimizada pela tecnologia. Apesar de não ter celular, a idosa conseguiu, por meio do serviço de assistência social, fazer videochamadas com a família. “Todos os dias às 14h a gente colocava todo mundo na tela e falava com ela para matar a saudade. Mas só consegui respirar aliviada quando soube que ela teria alta”, revela Miriã.
“Apesar de ter sido bem cuidada, eu senti muita saudade da minha família e me senti muito sozinha, essa foi a pior parte para mim. Mas o que importa é que estou recuperada e de volta para casa”, comemora Carmen.
“A doença não é brincadeira”
“Eu só tenho a agradecer, nasci de novo”, reflete Douglas Wellington Rosa, de 40 anos, que contraiu o coronavírus em meados deste ano e precisou de cuidados intensivos por mais de dez dias. “No dia seguinte em que me internei no HPS, eu já precisei ser entubado. Foram 11 dias na UTI, dos 16 em que fiquei internado. Não me lembro de nada desse período. Mas quando eu voltei (ao estado consciente), pensei que ia falecer, porque não estava aguentando”, narra.
No caso de Douglas, os sintomas da Covid-19 foram bem aparentes no início. “Tive febre muito alta, dor no corpo, tosse e falta de ar”, conta. “Eu tive medo de perder a vida. Mas eu tenho bastante fé, sou muito devoto de São Jorge, e acredito que ele me trouxe à vida novamente”.
Quando teve alta da UTI, Douglas foi aplaudido pelos profissionais de saúde do HPS. Em sua rede social, o prefeito Antônio Almas (PSDB) divulgou um vídeo do momento desejando muita saúde a Douglas, além de agradecer a toda equipe de saúde da unidade.
“Eu tinha muito cuidado e, pra ser sincero, não achei que fosse pegar (Covid-19). Quando peguei, achei que fosse ser uma coisa branda, mas foi bem desesperador, nos trouxe uma angústia muito grande, a doença não é brincadeira”. Apesar de ter conseguido se recuperar de um quadro grave, Douglas lamenta a perda de três familiares. Em novembro ele perdeu um tio de 66 anos e duas tias, de 65 e 75, por Covid-19. “É muito triste, várias pessoas na minha família pegaram a Covid-19, e esses meus tios partiram. Apesar de os que se recuperaram estarem bem, sentimos a dor da perda de pessoas da nossa família.”
“Ninguém está preparado para isso”
Elisabete Aparecida Rosa da Silva, de 50 anos, é irmã de Douglas e, depois de toda apreensão que passou durante a internação do irmão e dos tios, e ainda vivendo o luto pelos seus familiares, também recebeu o diagnóstico. “Para mim, a ficha ainda não tinha caído até meu irmão se internar. Depois, enterramos uma tia, e no dia seguinte, a outra faleceu. Uma semana depois foi nosso tio. E quando eu peguei a doença foi mais um susto, porque ninguém está preparado para isso. É algo que eu não desejo a ninguém”, diz.
Para Elisabete, os sintomas gripais vieram de forma leve, no entanto, o cansaço e as dores no corpo foram intensos. “Todo o meu corpo doía. Eu acordava de madrugada sem posição para dormir, tamanha era a dor que eu sentia, parecia que eu tinha perdido todas as forças do meu corpo. No início, quando comecei a ter sintomas e procurei atendimento, logo comecei o tratamento com alguns antibióticos, mas até começar a fazer efeito, eu sofri bastante”, conta.
Hipertensa e com histórico de acidente vascular cerebral, Elisabete também é considerada do grupo de risco para agravos causados pelo coronavírus. Por esse motivo, e por ter vivido o sofrimento de outras pessoas da família, ela diz ter sido um período difícil, em que o medo e a apreensão estiveram presentes. Assim como o irmão, ela também se diz uma pessoa religiosa, e se valeu da fé para passar por esse momento. “Eu sou evangélica, e creio que o Senhor me permitiu vencer mais essa. Acredito que ainda tenho algo para fazer aqui, senão eu já tinha partido também”, diz.
Por ora, Elisabete segue sua vida com a esperança de que esse momento passe muito em breve, sempre alertando os filho e o marido para o perigo da doença.
“Minha mãe agora está calma, se sente bem, e isso nos tranquiliza”
A idosa Maria José da Silva Coelho, de 76 anos, precisou se internada em enfermaria, mas só soube do diagnóstico da Covid-19 após se recuperar. “Ficamos num impasse se falávamos ou não, e, em conversa com a médica, achamos melhor não contar, pois ela poderia ficar mais ansiosa”, conta Romilda Coelho Brandão, filha de Maria José. Para ela, a decisão se mostrou acertada. “Depois, quando ela ficou sabendo que teve a doença, ficou muito revoltada, porque quando começou a pandemia, ela estava isolada, na roça, apenas com dois filhos, passou inclusive o Dia das Mães lá, sem se reunir com todos os seus sete filhos. Não sabemos como ela se infectou, possivelmente por um objeto contaminado”, supõe.
Quando a Tribuna conversou com Romilda, sua mãe já havia recebido alta da Santa Casa, hospital em que Maria José ficou quase 20 dias internada, mas a idosa estava novamente em isolamento. Por esse motivo não foi possível ouvi-la, mas a filha garante que a mãe passava bem. “Minha mãe agora está calma, se sente bem e isso nos tranquiliza muito. Mas quando tudo isso aconteceu eu tive muito medo de perdê-la, cheguei a ficar desesperada”. Dona Maria José foi diagnosticada em meados de junho e, dias depois, preciso ser internada devido à falta de ar e à dificuldade para respirar.
“Foram 18 dias que eu fiquei no hospital junto dela. Fiquei toda paramentada, não tirava nem pra dormir, e completamente isolada. Só a enfermeira que entrava no quarto em que a gente estava. Esse período foi bem difícil por ser minha mãe ali, mas no fim deu tudo certo, ela não precisou ir para a UTI e, embora seja idosa, conseguiu se recuperar”.
Quando recebeu alta, Maria José também recebeu, com um sorriso no rosto, o carinho da equipe de saúde que esteve junto dela no hospital. “Ela ficou super feliz em ter conseguido se recuperar e poder continuar vivendo”, lembra a filha.
“Fiquei com muito medo de ter transmitido para outras pessoas”
Para Taymara Borges dos Santos, de 33 anos, o maior receio quando descobriu que estava com Covid-19, em novembro, foi a possibilidade de ter transmitido o vírus para outras pessoas. Ela conta, que durante a primeira semana, permaneceu assintomática, e os indícios da doença só vieram depois. “Quando eu comecei a ter sintomas, que foram cólica abdominal, dores na costas, na face e na cabeça e vômito, procurei atendimento. Foi constatada a suspeita de Covid-19, e fui orientada a fazer exames dentro de cinco dias. Durante esse tempo todo eu fiquei trancada dentro do meu quarto, já que moro com outras pessoas da minha família.”
Quando fez o exame, segundo ela, o resultado apontou que ela já estava recuperada. “Por ter ficado um período assintomática, eu fiquei com muito medo de ter transmitido para outras pessoas, porque fui trabalhar normalmente. Minha mãe, por exemplo, é diabética, e eu também tive contato com pessoas idosas”, lembra. Apesar disso, e por todos os cuidados que sempre tomou, como uso de máscaras, nenhum de seus contatos apresentou sintomas da doença.
Entretanto, havia outras questões psicológicas. “Mesmo com perda de olfato e paladar, da grande dificuldade para respirar, eu senti que iria passar bem pela doença. Mas eu me senti muito sozinha. Você ficar trancada em um quarto, sem poder sair, sem poder conversar e abraçar, é muito difícil. A solidão foi dura demais pra mim”, revela. Além disso, ela conta não ter conseguido acompanhamento remoto durante o período que esteve com sintomas.
Apelo
Apesar de ter passado pela doença e se recuperado, ela ainda se mostra apreensiva com a piora no cenário da pandemia na cidade. “Tenho medo de pegar de novo, porque não sei se meu organismo vai reagir da mesma maneira. Temo muito pelas pessoas que não tiveram Covid-19 e com a possibilidade de vir a terem. Não quero ver as pessoas que eu amo doentes. E me preocupa muito muito o comportamento de algumas pessoas na rua, sem máscaras, outras fazendo festinhas… isso é muita falta de responsabilidade”, critica.
Especialista recomenda ajuda psicológica em caso de sofrimento duradouro
O processo de apreensão e medo vivenciado pelas pessoas ouvidas pela Tribuna é natural, conforme aponta a docente e coordenadora do curso de Psicologia do Centro Universitário Estácio Juiz de Fora, Adriana Woichinevski Viscardi. Porém, ela faz um alerta: “É preciso ter o cuidado de não patologizar o sofrimento e suas consequências – ele é inevitável, dadas as circunstâncias, e passa a ser um desafio da vida, que precisamos processar e superar com coragem e tempo (…).”
Entretanto, segundo a psicóloga, é possível ficar bem psicologicamente mesmo depois de adoecer em razão da Covid-19. Caso isso não aconteça, é preciso buscar a ajuda de um especialista. “A experiência do adoecimento e da dor é bastante subjetiva, e seu enfrentamento depende, entre outros fatores, de recursos pessoais, como paciência, resiliência, otimismo, vontade de viver, refletindo a capacidade para lidar com a própria existência. Ter uma rede de apoio de familiares e amigos ajuda bastante neste processo. Mas em alguns casos, quando já existe uma vulnerabilidade, ou uma fragilidade emocional, ou dependendo da gravidade da situação, esta experiência pode ser vivenciada de forma mais grave, intensa e duradoura (às vezes insuportável). Aí é caso de buscar ajuda profissional de um psicólogo.”