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Pensando no futuro

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Vivemos o auge do “eu”. Nossos computadores e telefones são pessoais, nossos pedidos em delivery trazem opções completamente personalizadas e vemos, em nossas redes sociais, pipocando a todo tempo, a expressão máxima do individualismo: as selfies. Segundo Marcelo Camurça professor do curso de ciências da religião da UFJF, o individualismo é uma conquista importante da modernidade, já que permitiu a afirmação das subjetividades. “Antes, vivia-se em sociedades totalizantes, em que o indivíduo vivia a vontade geral ou a da tradição, de fazer as coisas como o pai fez, e antes dele o avô, e assim por gerações. O individualismo representa a livre escolha do ser humano na história da civilização.”

O professor pondera, entretanto, que a valorização extremada do indivíduo, em muito fomentada pelo capitalismo, leva a um autocentramento exagerado. “É o egoísmo, em outras palavras”, resume Marcelo. Segundo o docente, a solidariedade é fundamentada em uma matriz completamente oposta a esta lógica. “A subjetividade aprofundou o autoconhecimento, o voltar-se para si, e a solidariedade ocorre quando o indivíduo ‘sai de si mesmo’ e se doa ao outro. Foi sob este mesmo princípio que foram fundadas conquistas importantes da democracia, como a instituição dos direitos humanos, os direitos do proletariado e a criação da ONU, por exemplo”, explica o professor.

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Para Marcelo Camurça, o grande desafio é encontrar o equilíbrio entre estes dois extremos: afirmar sim, as individualidades, mas sendo capaz de pensar no outro. “É compatibilizar o direito de todos com o direito de cada um. Opressões horríveis foram cometidas em nome do individualismo e também do coletivismo. É preciso encontrar um equilíbrio: entre indivíduo e coletividade, entre desenvolvimento e a conservação da natureza”, pondera o professor.

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Inspirada pelo espírito de solidariedade que impulsiona muitas iniciativas no período Natalino, a Tribuna foi conversar com juiz-foranos que, por meio de ações individuais, acabam impactando o coletivo, ajudando a transformar o mundo em um lugar melhor, e transformando também as próprias vidas.

“Fazer o bem ao próximo e estampar sorrisos nos rosto das pessoas”

Rafael Lignani, voluntário do projeto “Amor em cartas”

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Foi folheando uma revista que o funcionário público Rafael Lignani conheceu o projeto “Amor em Cartas”, que mobiliza voluntários para escrever cartas com boas palavras e bons sentimentos a pessoas que precisem de apoio, carinho ou atenção. “Fiquei curioso com a iniciativa e procurei o site do projeto – e acabei me identificando e decidindo por me voluntariar. Sempre gostei muito de escrever e sempre gostei muito de cartas. Quando era mais novo, trocava cartas com duas amigas de São Paulo e lembro da alegria que era receber uma correspondência”, conta ele, que não hesitou em se tornar um dos colaboradores.

“Quando paro para escrever uma carta, abandono tudo da vida cotidiana e me dedico só à escrita. Coloco alguma música para tocar e tento mergulhar naquela situação. Torna-se um exercício de empatia e compaixão e, ao mesmo tempo, um momento em que deixo de lado a minha correria cotidiana e me dedico a algo que pode fazer a diferença para uma pessoa. E nesse momento, o tempo para de correr até que eu encontre as palavras certas e pense em como tornar aquela cartinha única, em como mostrar que o destinatário é alguém especial, digno de atenção e carinho”, diz Rafael. Segundo ele, essa dedicação a quem precisa também possibilitou que ele refletisse sobre a própria vida. “Com essas pausas, o projeto também me fez repensar sobre pontos em minha própria vida, ver novas cores em pequenos momentos e gestos e a buscar mais tempo para me dedicar aos meus amigos, parentes e a mim mesmo.”

Para Rafael, uma das histórias mais marcantes que conheceu com o projeto -que assegura o anonimato tanto do remetente quando do destinatário das cartas- foi logo a primeira carta que escreveu, para uma jovem em crise com suas escolhas, algo que ele mesmo havia enfrentado no passado. “Ela buscava forças pra correr atrás do sonho dela: ser médica. No entanto, ela havia se formado em Direito e enfrentava alguns dilemas familiares sobre sua atual e futura profissão. Tive identificação imediata. Durante meus tempos de faculdade, cheguei a desistir no meio de um curso bastante promissor para me dedicar a outro que me parecia mais ‘a minha cara’. Lembrei como foi difícil enfrentar isso com meus vinte e poucos anos e escrevi basicamente o que eu gostaria que tivessem escrito para o Rafael daquela época – foi libertador”.

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Rafael acredita que um dos aspectos mais importantes do projeto é mostrar que cada pessoa é importante, sem ao menos ser relevante quem ela seja. “Ao pararmos tudo para escrever para desconhecidos que sequer vão saber quem somos nós, deixamos claro que ainda existem pessoas preocupadas com o outro no mundo de hoje. Em um mundo cada vez mais egoísta, voltado para o eu, é emergencial termos a ciência de que ainda existem projetos como esse, sem quaisquer fins lucrativos (os voluntários arcam com as despesas de material para as cartas e Correios, por exemplo), dedicados exclusivamente a fazer o bem ao próximo e a estampar sorrisos nos rosto das pessoas.”

“Não basta ficar sentindo pena, é necessário agir”

Juliana Cetrim, webdesigner, ativista de direitos e cuidados animais

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Quando sai de casa, Juliana costuma carregar, na bolsa, um potinho com ração para cachorros de rua. “Desde criança sempre fui apaixonada por animais, mas só depois de ter adotado o Napoleão comecei a me envolver mais com isso. Comecei a ver outros vira-latas como ele sofrendo nas ruas e passando fome, parei pra pensar que, caso ele não tivesse sido adotado, poderia ser ele revirando o saco de lixo. Quando você começa a ajudar um outro ser (seja um animal ou outro ser humano), você percebe que o mundo não gira ao seu redor e que seus problemas na verdade não são tão grandes”, diz a webdesigner.

Atualmente, Juliana faz alguns resgates de animais de rua e ajuda instituições independentes que cuidam dos bichinhos mensalmente, “com o que pode”. ” Também divulgo animais para adoção e tento conscientizar as pessoas da importância da castração, que é a única solução para reduzir a quantidade de animais abandonados”, conta ela, que também parou de consumir qualquer tipo de carne vermelha e frango. “Decidi parar quando tomei conhecimento do sofrimento que os animais passam, tratados cruelmente e confinados durante a vida toda até serem abatidos. Ainda como um pouco de peixe mas já reduzi bastante a quantidade, e em breve vou parar totalmente”, garante Juliana.

Segundo ela, existem diversas maneiras de ajudar animais abandonados, independentemente de condição financeira ou disponibilidade para adotar um deles. ” É possível divulgar animais que estão para adoção, ser o lar temporário de algum animal resgatado, ajudar ONGs e protetores independentes com alguma quantia mensal (a partir de R$ 10,00 já ajuda), pagar ou ajudar a pagar a castração de um animal carente, fazer rifa para ajudar os custos de veterinário de algum animal que está doente, ser voluntário de um abrigo, fazer doação de ração e medicamentos, etc. Existem várias maneiras de ajudar, é só querer. Não basta ficar sentindo pena, é necessário agir”, diz ela, que lamenta que não haja mais gente disposta a colaborar com a causa. “A gente acaba se envolvendo muito com os animais e nem sempre o resgate ou a adoção saem como o esperado. Fora o gasto financeiro, pois a ajuda é pouquíssima, normalmente são as mesmas pessoas que ajudam sempre e estas já estão sobrecarregadas. O pior de tudo é ter a consciência que não dá pra ajudar todos de uma vez, é um trabalho de formiguinha mesmo.”

 

“Pedalar faz bem para o corpo e te faz criar outra relação com a cidade”

Aline Rocha Gonçalves, arquiteta urbanista, militante em prol da mobilidade urbana

 

Quando voltou a Juiz de Fora depois de morar no Rio e pedalar pela cidade afora por 13 anos, a arquiteta Aline Rocha teve medo de por a bike nas ruas mineiras. “Então decidi que era a hora de protestar, por ser arquiteta urbanista, conhecedora das leis federais do Ministério das Cidades, ter conhecimento em planejamento urbano e usar a bicicleta como meio de transporte”, diz ela, que desde então participa e organiza seminários, workshops, audiências públicas, Conferência das Cidades, participação nas reuniões Plano Diretor e contagens de ciclistas, todas iniciativas em prol de mobilidade urbana. “São ações políticas e propositivas, que visam a mostrar ao poder público a importância da bicicleta, a obrigação que as cidades têm perante a seus cidadãos de protegê-los e oferecer a eles a segurança necessária. Estamos sempre falando em nome dos trabalhadores da cidade que utilizam a bicicleta como meio de transporte todos os dias, e que ou são pouco notados ou sequer existem para alguns motoristas. Também há atividades mais lúdicas e não menos importantes, que visam a chamar a atenção das pessoas para a questão do uso da bicicleta.

Para ela, o uso das magrelas traz não apenas benefícios individuais como melhor condicionamento físico e qualidade de vida, mas também muitos coletivos, que vão além da melhora no trânsito. “Além de serem veículos não-poluentes, pedalar faz bem para o corpo, te faz criar uma outra relação com a cidade. Você não se estressa no trânsito, pois é sempre divertido andar de bicicleta e em deslocamentos de até 5km é comprovadamente o melhor e mais eficiente meio de transporte: é barata e de baixos custos de manutenção, ocupa menos espaço nas vias, funciona como ferramenta de inclusão social. É o segredo que vai mudar o mundo como conhecemos.” Para Aline, ainda há um longo caminho a ser percorrido para que vejamos mais bikes nas ruas. “Há muita falta infraestrutura de segurança. Faltam ciclovias, ciclofaixas, ciclorrotas, sinalização em vias compartilhadas, campanhas constantes de conscientização e educação para motoristas, ciclistas e pedestres. Quanto mais infraestrutura, mais segurança. Consequentemente, mais pessoas pedalando.”

 

“É como testemunhar um renascimento”

Sidney Carvalho, administrador de empresas, presidente do Cemat (Centro Metodista de assistência aos toxicômanos) (à esquerda) ao lado de Leonardo

 

Desde 1988, quando mal se falava sobre as drogas ou se conhecia tratamentos contra a dependência química, a Igreja Metodista de Juiz de Fora mantém o Cemat (Centro Metodista de assistência aos toxicômanos), que busca a cura dos pacientes (somente homens) e sua reintegração na sociedade. Frequentador da igreja, Sidney Carvalho sempre quis ir além das doações, mas não sabia como ajudar não tendo formação na área de saúde ou serviço social. Foi então que uniu seu talento profissional como administrador e tomou para si, sem qualquer remuneração, o desafio de assumir a presidência do Cemat. “A instituição estava com sérios problemas, praticamente falida e sei do trabalho importante que ela faz na recuperação dos pacientes. Todos os dias, vemos ou conhecemos alguém que teve problema com álcool ou drogas e perdeu tudo: família, emprego, dignidade. Quis fazer algo para que este trabalho continuasse a salvar vidas”, diz ele, que administra a instituição, além de acompanhar bem de perto boa parte dos casos.

Para ele, que acredita muito no tratamento e na inclusão dos toxicômanos, o mais gratificante neste tipo de ação é poder, de certa forma, devolver a vida aos internos. “Todos os dias tenho a oportunidade de ver um menino de 18 anos ou um senhor de 60 se libertando do vício, tendo suas famílias restauradas, voltando a trabalhar. É como testemunhar seu renascimento”, diz Sidney, que comemora os efeitos positivos da ação, chegando a ter pacientes que voltam ao centro como mentores, multiplicando o trabalho feito pelo Cemat e que eles receberam por lá. “Uma das história que mais me emocionou foi a do Leonardo, que chegou aqui viciado em crack e já tendo usado todo tipo de droga. Ele teve uma infância e adolescência difíceis, perdeu os pais e irmãos, e se afundou na dependência química diante dos problemas. Ainda durante o tratamento, ele passou a trabalhar na cozinha, e quando saiu da internação começou a trabalhar, se casou, tem uma vida estável e trabalha aqui com a gente ajudando quem chegou aqui como ele”, relembra Sidney.

 

“Qualquer pequena ação no caminho do bem é um bom passo dado”

Leonardo Teixeira, músico e idealizador do projeto “Doa som”

 

Quando resolveu arrumar três violões seus que estavam quebrados, Leonardo teve um “estalo”: os instrumentos como os dele, depois de um conserto que ele mesmo conseguia fazer, poderiam colocar a música na vida de outras pessoas. “Como sou músico, conheço muita gente que toca e que também teria instrumentos como esses em casa. Inutilizados, jogados pelos cantos, etc. Achei que seria interessante me oferecer para arrumá-los e doar. Sempre gostei de dedicar um tempo a ajudar a quem precisa. Acho importante e vejo como uma troca. A gente aprende muito com isso e se alimenta de uma energia muito positiva”, conta ele, que explica como funcionam as doações. “Sempre vejo nos doadores uma alegria muito grande. As doações são feitas para instituições, orfanatos, centros comunitários, individualmente (em caso de crianças que sonham com um instrumento e que descobrimos através de contatos).”

Leonardo conta que, quando começou a distribuir os instrumentos, o projeto sequer tinha nome, e hoje tem página no Facebook, apoio da Prefeitura e de empresas, além de ter se expandido desde a ideia inicial. “Atualmente, além das doações, resolvi também dedicar um tempo para dar aulas de violão. É o instrumento que eu domino e tenho ajudar na prática. Na primeira turma que criei, na comunidade do bairro Floresta, já comecei com mais de 30 alunos. Quero levar isso para mais lugares, assim como conseguir mais professores voluntários”, comemora ele.

Para Leonardo, poder proporcionar essa alegria a quem sempre desejou ter e aprender a tocar algum instrumento é algo transformador, tanto para o doador quando para o beneficiado, além de trazer outros aspectos gratificantes. “É muito bacana pegar um instrumento quebrado, feito de madeira nobre, com toda uma história e fazê-lo voltar a funcionar. Vejo um trabalho bacana, que dá um valor além do monetário para esses instrumentos, além de ser até mesmo ecológico. Outra coisa que me dá muita alegria é ver o efeito da doação nos próprios doadores… é uma chama que se acende e a alegria deles ao verem as fotos das crianças com seus antigos instrumentos é muito bacana. O mais importante, porém, é, sem dúvidas, a entrega dos instrumentos. A doação é um evento em que convido amigos para irem comigo, tocamos, fazemos uma festa e entregamos os instrumentos. O bonito é que mais do que o instrumento, doamos amor, atenção, ouvimos essas crianças muitas vezes ignoradas pela sociedade. Abraços, conversas, música etc..tudo isso vai no pacote nos dias de doação”, diz o músico.

Leonardo destaca ainda, que a aproximação com as crianças pela música consegue, de fato, transformá-las, independentemente das dificuldades que a vida não raramente lhes impõe. “É interessante observar em casos de crianças mais carentes, todo um processo de aproximação sempre marcado por um momento de desconfiança, cheio de mecanismos de defesa mas que, num determinado momento, o menino cede à música e ao carinho. Os mais distantes no começo sempre se revelam os mais carentes de carinho e atenção. Isso me chama muito a atenção.” Para Leonardo, muitas vezes as pessoas se esquecem que, ao ajudarem ao próximo, também estão se beneficiando. “As pessoas precisam pensar que o benefício também é delas. É uma troca. Cada um sabe o que pode oferecer e o mais importante é saber que nada é pouco. Qualquer pequena ação no caminho do bem é um bom passo dado.”

 

“Fazer das pequenas práticas cotidianas um ato de gentileza”

Luciana Fiel, palestrante e mentora do grupo de apoio “O líder que existe em você”

 

Quando Luciana Fiel descobriu que poderia usar seu talento como oradora para ajudar outras pessoas, foi um caminho sem volta. Desde 2012, ela, que faz palestras de motivação pessoal profissionalmente, formou o grupo “O líder que existe em você”, uma espécie de grupo de apoio que visa ao crescimento pessoal de seus participantes. “Percebi que quanto mais ajudo as pessoas a focar numa solução, mais estou me ajudando também. É um processo retroalimentativo da pratica do bem e do amor. Meu método é focado no desenvolvimento pessoal e no crescimento espiritual e o único objetivo é ser melhor a cada dia, fazendo de pequenas práticas cotidianas um ato de gentileza, amor e generosidade”, diz Luciana.

Ela explica que cada encontro tem uma temática (o último, por exemplo, foi “mágoa e ressentimento”) , introduzida por ela como mentora, e depois há espaço para que as pessoas compartilhem suas experiência ou não, como em muitos grupos de apoio. “Às vezes elas não querem falar, mas sim ouvir, se sentirem acolhidas. Com o tempo, elas vão se soltando e falando mais, até porque um dos nossos princípios é o não-julgamento”, diz Luciana. Segundo ela, a ideia é que os participantes vejam o grupo como um lugar seguro. “E é a partir disso que conseguimos decodificar as crenças limitantes e as circunstâncias em que elas foram construídas, muitas vezes levando a comportamentos autodestrutivos”, observa Luciana.

Segundo ela, o método ajuda a promover o autoconhecimento e a autoconfiança, algo que se reflete em muitas escolhas e ajuda a promover a qualidade de vida entre os participantes do grupo. “Vejo que eles vão evoluindo quando conseguem pensar sobre os mesmos problemas de maneiras diferentes. Porque os problemas não mudam, muitas vezes pioram. O que importa é a maneira como eles encaram estas situações, sejam de perda, conflito familiar, problemas financeiros. Eles se sentem mais determinados e capazes de tomar as rédeas de suas vidas.”

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