Halfredo Muniz da Silva Santos nasceu há nove anos e três meses, com 47 centímetros e 3,750kg, peso e altura considerados normais para qualquer bebê. A gestação dele foi muito tranquila, até o oitavo mês, quando a mãe dele, a professora Hodânia Aparecida Muniz da Silva, decidiu pedir uma ultrassonografia extra e descobriu que o filho tem acondroplasia- uma displasia óssea, resultante de uma mutação genética – que é um dos 200 tipos de nanismo existentes, de acordo com a Little People of America (LPA), sendo considerado o mais comum. Passado o primeiro momento de choque, ela começou a lutar pelo acesso de seu filho a serviços essenciais e também para a criação de laços de pertencimento e de representatividade, que só foi encontrar mais tarde na Associação Nanismo do Rio de Janeiro (Anerj), que também deu meios para que ela trouxesse para Juiz de Fora o projeto de lei que institui o dia 25 de outubro como data de combate ao preconceito a pessoas com nanismo.
O final da gestação foi conturbado, porque não havia médico especializado em nanismo e, segundo Hodânia, alguns dos profissionais da época tinham receio de lidar com o caso. Ela mesma teve que mudar de médico para fazer o parto. A mobilização em torno das informações sobre o nanismo caminha, em um primeiro momento, nesse sentido. De despertar a atenção de profissionais que se dediquem a estudar essa deficiência. “Há uma falta de preparo muito grande, principalmente no que diz respeito ao sistema de saúde e de educação. Nós queremos que as pessoas se interessem pela causa. Porque há poucas informações e, em um primeiro momento, ficamos loucos com o que lemos na internet.”
A analista de recursos humanos Roberta Vieira Dutra, 31 anos, é o único caso de nanismo da família dela, assim como Halfredo. Ela reforça que, além da falta de informação, é preciso lutar por uma mudança de olhar para as pessoas com baixa estatura, que ainda tende a se voltar para o humor. “Podemos estar em qualquer lugar e não apenas levando humor para as pessoas. Podemos fazer o que quisermos, a nossa limitação é só a altura. Levo uma vida normal. Trabalho, estudo, dirijo, mas as pessoas insistem em nos infantilizar, precisamos mudar isso. Gostaria que as pessoas olhassem para quem possui nanismo de uma forma que não seja pejorativa. Ao invés de apontar o dedo, ou rir, que pensem nas dificuldades que temos, o que passamos para chegar até aqui.”
Dificuldades no caminho
Embora Roberta tenha toda a autonomia e veja os avanços que o debate sobre acessibilidade tem trazido em vários âmbitos, ainda há muitas dificuldades que se colocam como desafios para quem tem baixa estatura. “Tenho 1m20. Em determinados estabelecimentos, as pessoas não conseguem nos ver por causa da altura do balcão. Hoje algumas lojas já se preocupam em adequar seus balcões em função dos cadeirantes.” Mas Hodânia lembra que, mesmo essas adaptações, ainda não contemplam totalmente a população que tem nanismo. “Nos bancos, mesmo com os caixas pensados para as pessoas que usam cadeiras de roda, que são mais baixos, eles ainda ficam em um nível mais alto que os acondroplásicos mais velhos. Isso representa, inclusive, um risco, porque uma pessoa que está atrás consegue ver com tranquilidade as operações e informações deste usuário nas telas.”
Assim como para muitos outros grupos, a falta de preparação para acolher pessoas com nanismo é evidente nos mais diversos ambientes. No caso de Halfredo, a escola não tinha nenhum dispositivo que se adaptasse à sua realidade. “Claro que, à medida que vou solicitando, a escola vai se adequando, mas não é algo com o qual as instituições estejam preparadas para lidar. Já ouvi de um profissional da educação que não tem material de referência que fale sobre nanismo e, de fato, as informações são poucas. Hoje há pós-graduações sobre Síndrome de Dowm, sobre autismo, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), entre outras várias condições, mas nada específico para o nanismo. Eles não têm dificuldades motoras, nem neurológicas, mas têm a complicação da mobilidade, por isso, é preciso que os profissionais se formem e se informem”, reforça Hodânia. Ela conta que, em casa, deixa escadas e banquetas nos cômodos para facilitar a mobilidade do filho. “É isso o que precisamos trazer para Juiz de Fora, a conscientização sobre a necessidade de uma política de acessibilidade e de aproximar as pessoas. Existem outros pequenos. Além da Roberta e do Halfredo, queremos que eles saiam e se integrem. O que eles precisam é de liberdade”, pontua a professora.
Socialização
Uma das maiores preocupações de Hodânia na criação de Halfredo é que ele se reconhecesse e pudesse conviver com outras pessoas que também convivem com o nanismo. Mas essa tarefa não foi fácil. Ela buscou contato com pessoas com filhos que têm nanismo, mas, apesar da boa receptividade, elas não incentivavam o encontro e a convivência. De volta à internet, Hodânia encontrou a Associação de Nanismo do Rio de Janeiro (Anerj). Ela precisaria levar o filho para consultar com um geneticista na cidade e aproveitou para levá-lo à Anerj, e o contato gerou encantamento no garoto. “Ele se identificou desde o primeiro momento, e sempre voltamos. Se ficamos mais de dois meses sem ir, ele pede que eu leve, já pediu até para que nos mudássemos para lá. Foi lá que encontramos o acolhimento. Tive acesso a informações e percebi que não sou sozinha. Há outras mães com as mesmas aflições e inseguranças. Então, a Anerj se tornou meu ponto de apoio. Temos contato direto pela redes sociais e sempre participamos dos encontros.”
A ideia de Hodânia e Roberta, que se conheceram pelas redes sociais a partir de um pedido da professora, que a contatou, justamente, em busca de representatividade e pertencimento para o filho, é levar informação e acolhimento, formando uma associação em Juiz de Fora. “Queremos alcançar mais pessoas com nanismo na Zona da Mata. Temos muitas pessoas com nanismo que vivem às margens, escondidas, excluídas. Queremos levar essa contribuição para elas.” Nesse ano, elas se unem em um lanche compartilhado no Parque da Lajinha, neste sábado, 27, a partir das 14h30, cujo objetivo é combater o preconceito e a criação de laços, com o intuito de atrair outras pessoas com nanismo.
Ir além
Hodânia trabalha com diversidade como professora há mais de 18 anos e esse contato com outras pessoas com nanismo sempre foi fundamental para ela, embora tenha enfrentado essa resistência de outras famílias. Ela relata a importância de proporcionar o contato e a experiência com todas as situações. “Halfredo faz teatro e viaja se apresentando com a companhia, ele decora fala, faz tudo. Ele é atleta paralímpico e já compete pelo clube dele, faz coral, aula de inglês, não escondo meu filho em momento algum.”
A autonomia também é fundamental para Roberta. “Muitas pessoas desconhecem os benefícios que as pessoas com nanismo têm direito. Eu corri atrás, obtive descontos, como o do imposto sobre produtos industrializados (IPI), que abrange várias deficiências, mas o nanismo também. Muita gente não tem acesso a essas informações. Já consegui ajudar várias mães que vieram conversar comigo preocupadas, sem saber o que fariam. Precisamos levar todos esses conhecimentos para mais gente.” Ela destaca que, além do Congresso Brasileiro de Nanismo, que será realizado entre os dias 9 e 11 de novembro, as pessoas podem se informar por meio do site do projeto “Somos todos gigantes”, que nasceu como uma campanha e se tornou um importante veículo para famílias que têm algum ente com nanismo.
Outro avanço foi a aprovação da Lei 13.723 em julho deste ano, que institui a Semana Municipal de Defesa dos Direitos das Pessoas Com Nanismo e estabelece a criação do Dia Municipal de Combate ao Preconceito contra as Pessoas com Nanismo, no dia 25 de outubro. “Sei que a lei não muda o olhar das pessoas para o meu filho, nem o tratamento que dirigem a ele, mas é um ganho gigantesco, porque temos como impor algo, porque agora temos um respaldo.” Mas ela entende que o combate deve ser feito a partir da sugestão, da cautela e da paciência. O próximo projeto de Hodânia é promover uma cartilha com informações e conseguir que ela seja distribuídas em bibliotecas escolares, oferecendo uma importante fonte de informação.