Os relatos de juiz-foranos impacientes com os pernilongos crescem nesta época. Um velho incômodo para a população, a presença dos insetos costuma ser mais notada na primavera e no verão, mesma época em que aumenta o número de casos de dengue, zika e chikungunya. Com a coincidência, fica difícil não relacionar os donos dos zumbidos irritantes ao Aedes aegypti, mosquito vetor das doenças que mataram milhares de pessoas em todo o país. No entanto, de acordo com especialistas, o Culex, espécie do pernilongo comum, é diferente do Aedes e, apesar de também se alimentar de sangue humano, representa menos perigo.
A característica mais marcante do Aedes é a coloração. Marcado por pintas brancas, visualmente, o mosquito é diferente do Culex, de cor amarronzada. Apesar de as fêmeas de ambos serem responsáveis pelas picadas nos humanos, já que precisam do sangue para gerar os ovos, a fêmea do Aedes é silenciosa e não emite o zumbido característico do pernilongo comum. “O Aedes é um mosquito diurno, que chega devagar e costuma picar durante a manhã e à tarde. O pernilongo se alimenta durante a noite. Ele é atraído pela emissão do gás carbônico e encontra o ser humano pela respiração. Por isso, ouvimos o barulho da fêmea quando ela se aproxima”, explica o biólogo José Bento Pereira Lima, pesquisador do Laboratório de Fisiologia e Controle de Artrópodes Vetores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz).
Outra diferença é com relação aos criadouros. O Aedes aegypti prefere água mais limpa e bota os ovos em diversos criadouros, enquanto o Culex bota os ovos todos juntos. “O Aedes precisa de menos matéria orgânica que o Culex. Mas, ao contrário do que se pensa, caso sejam colocadas em água mineral limpa, as larvas morrerão, porque o mosquito precisa de matéria orgânica também. Isso também está relacionado ao maior aparecimento do mosquito durante o verão. O Culex não precisa de correnteza e pode ser encontrado em maior densidade próximo a córregos ou locais onde há água
calma. Por isso, mesmo que estejamos no período de seca, ele aparece. Já o Aedes aproveita as chuvas, mais comuns no verão, que alagam os possíveis criadouros e favorecem a procriação”, afirma Lima.
O biólogo pontua ainda que não é possível afirmar se a cidade sofre uma “infestação” de pernilongos ou de Aedes aegypti, mas destaca que, observando as características de cada um, é possível compreender de quais das duas espécies se trata e adotar medidas de prevenção. No caso do pernilongo normal, a utilização de repelentes, telas, inseticidas ou raquetes elétricas pode ajudar a reduzir o incômodo causado pelo Culex. Em relação ao Poder Público, a melhor medida seria efetuar, com frequência, a limpeza de córregos e encostas.
Contra o Aedes, o melhor caminho é a conscientização
Sobre a capacidade de transmitir doenças, o biólogo José Bento Pereira Lima pontua que o Culex pode transmitir a filariose, infecção por vermes que
pode causar febre, dores de cabeça e mal-estar, além de bloquear os vasos sanguíneos e causar inchaços visíveis. No entanto, esse tipo de transmissão é pouco comum. Os órgãos públicos de saúde também trabalham com a investigação da relação entre o pernilongo e a transmissão da malária aviária, mas, conforme o biólogo, não há fatores que favoreçam a transmissão. Já o Aedes, conforme o especialista, é sempre motivo de preocupação.
“O Aedes não é um mosquito que vive muito. Quando infectado com uma doença como a dengue, a zika ou chikungunya, ele precisa de 10 a 12 dias para estar pronto para transmiti-la para outro ser humano. O índice de infecção do mosquito nesse tipo de transmissão é muito baixo, está em cerca de 2%. Ainda assim, tivemos muitos casos dessas doenças em pouco tempo. Por isso, qualquer medida de prevenção é útil, mas o melhor caminho é conscientizar as pessoas.”
‘As pessoas se esqueceram da periculosidade’
Entre as linhas de pesquisa relacionadas ao estudo dos insetos, o Laboratório de Fisiologia e Controle de Atrópodes Vetores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) é especializado em testar produtos para o combate ao Aedes aegypti. O objetivo é escolher os melhores produtos a serem utilizados, para evitar que sejam inseridos na natureza aqueles que não vão funcionar ou que podem prejudicar o meio ambiente. “Outro ponto é a busca de novas ferramentas de controle, como armadilhas letais, inspeção de novos inseticidas e a infecção do mosquito pela bactéria Wolbaquia, que seria capaz de reduzir a transmissão da zika”, conta o biólogo José Bento Pereira Lima.
Para ele, as pesquisas relacionadas à área e à atuação do Poder Público são essenciais, mas, para o combate ao mosquito ser realmente eficaz, o comportamento da população deveria ser modificado. “Estamos batendo na tecla da prevenção há muito tempo, mas vemos que só isso não basta. O governo sempre afirmou que faria ações no sentido de combater o mosquito, mas o cidadão se acostumou com esse discurso e hoje culpa o Poder Público. Quando tivemos 200 mil casos de dengue, todo mundo ficou apavorado. Depois, as pessoas passaram a achar que não havia mais problema e que os infectados deveriam apenas se hidratar que a doença seria curada. Assim, mais de um milhão de casos foram notificados, e as pessoas se esqueceram da periculosidade. Só voltamos a dar importância ao Aedes com o surgimento da zika e da chikungunya.”
Por conta disso, apesar das ações desenvolvidas em todos os âmbitos, o pesquisador acredita que o papel da população ainda é o principal. “A maioria das ações desenvolvidas é de medidas paliativas. Não dá para usar repelente contra o mosquito a vida inteira, por exemplo. Mesmo que a população se torne imune à dengue agora, as gerações se renovam, e novas epidemias podem acontecer. Inseticidas têm sido usados há anos, mas só o que tem sido feito é espalhar os mosquitos. Por isso, a melhor coisa a se fazer é conscientizar a população. Se cada um limpar sua casa uma vez por semana e atentar para os locais onde o mosquito pode depositar os ovos, não haverá mais criadouro e, consequentemente, não haverá mais mosquitos”, finaliza.