Há quase nove anos na fila esperando pela doação de um rim, Ricardo Medeiros de Oliveira, de 48 anos, não imaginava que a notícia sobre a possibilidade do transplante chegaria enquanto fazia uma trilha no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, em Teresópolis (RJ), no último sábado (23). Menos ainda, esperava a mobilização que se formaria para que ele pudesse vir para a Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora a tempo para realizar o procedimento. No alto da Pedra do Sino, Ricardo embarcou no helicóptero do Corpo de Bombeiros de Teresópolis, que realizou o “resgate” para que o paciente pudesse, enfim, receber o órgão que por muito esperou.
Essa foi a segunda vez que Ricardo, natural de Petrópolis (RJ), precisou realizar um transplante de rim. A primeira ocorreu em 1999, quando recebeu a doação de seu irmão. Depois de anos com o órgão, ele teve complicações e, novamente, precisou voltar a fazer diálise e entrar na fila de espera por um novo rim. “Nós deixamos o transplante até meio que no esquecimento. Vai passando tanto tempo”, comenta. “Já estava escrito que seria naquele momento, naquele local. Deus sabe de todas as coisas.”
No sábado, Ricardo, que é condutor de atrativos naturais, caminhava no Parque Nacional da Serra dos Órgãos com um grupo de amigos quando recebeu a notícia de que havia um rim compatível disponível. O local, entretanto, era de difícil acesso, inclusive com baixo sinal telefônico. “No primeiro momento, eu falei que eu não conseguiria, até porque a distância que eu estava era de quatro horas de caminhada. Nesse tempo, eu já tinha que estar em Juiz de Fora, então não daria. Eu teria que ir para Teresópolis e, de lá, para Juiz de Fora. Então, eles começaram a correr atrás de um jeito de me buscar.”
O contato com Ricardo foi feito pela clínica onde ele faz diálise em Petrópolis, Renalle, que providenciou a “carona”. Os bombeiros o buscaram de helicóptero na Pedra do Sino e o levaram até o batalhão de Teresópolis, onde outra aeronave veio do Rio de Janeiro para trazê-lo a Juiz de Fora.
“A história já está escrita. Nós fazemos os nossos planos, mas eles não são a mesma agenda de Deus. Ele falou: olha, já que tem um cara aventureiro, então o dia que acontecer, vai ser diferente de tudo na sua vida. E realmente foi diferente de tudo”, comenta Ricardo. “O meu Instagram é ‘Vida na Montanha‘. Acho que tinha que acontecer na montanha, não teria outro lugar. Então, a gratidão é enorme a todas as pessoas que estiveram envolvidas.”
‘Dar chance de viver’
O transplante foi realizado na madrugada de sábado para domingo (24). O procedimento foi bem-sucedido, e Ricardo segue em recuperação, devendo ter alta em breve. De acordo com Márcio de Sousa, cirurgião vascular da equipe de transplantes da Santa Casa, o órgão recebido por Ricardo veio de uma cidade no interior de Minas Gerais, distante de Juiz de Fora. Geralmente, o processo para realização do transplante segue uma logística que envolve tempo e distância. Quando há um órgão disponível, a prioridade é que ele seja doado para pacientes de sua macrorregião. Porém, se não há um receptor compatível, ele é ofertado para o Estado, como foi o caso de Ricardo, que, apesar de ser morador de Petrópolis, estava registrado no centro de transplantes da Santa Casa de Juiz de Fora.
“É sempre uma corrida contra o tempo, porque os órgãos não podem ficar indefinidamente guardados”, explica o médico. “O sistema nacional de transplantes tem o cadastro de todos os pacientes, que é atualizado periodicamente. Então, os dados do doador são confrontados contra os dados de todos os pacientes que estão em lista de espera. O fator que mais importa é a semelhança genética entre o doador e os possíveis receptores: quanto mais semelhantes forem, maior a possibilidade desse transplante evoluir bem. Então, esse rim vai para aquele indivíduo com quem ele tenha mais afinidade.”
Conforme o cirurgião vascular, o caso de Ricardo foi curioso na medida em que houve uma mobilização para levar o paciente para realizar o procedimento. Geralmente, isso ocorre para o transporte dos próprios órgãos a serem doados ou mesmo das equipes de retirada, que, muitas vezes, precisam se deslocar quando não há profissionais disponíveis no local da doação.
Como destacado por Sousa, para doar, basta apenas avisar os familiares sobre a vontade. “É mais do que um ato de caridade, é um ato de bondade. É você, no momento de dor, dispor de algo de alguém com que você conviveu, que você amou, para poder beneficiar outros. Isso é mais do que dar vida, é dar uma chance de viver”, aponta o médico.