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‘Tudo pode ser dito, depende da maneira como se diz’

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O conteúdo programático de Língua Portuguesa para os alunos do nono ano do Ensino Fundamental do Colégio de Aplicação João XXIII prevê o trabalho com a argumentação. A atividade é costumeira na lida da professora Lucilene Hotz Bronzato, mas, no ano passado, ela exigiu que a docente fosse além. A educadora pediu aos estudantes que sugerissem temas. Quando recolheu as sugestões, percebeu que o suicídio e a depressão estavam entre os assuntos mais pedidos. O trabalho que desenvolveu ao longo desse período letivo, chamado de: “Campanha Educativa: Sim. O melhor é falar sobre suicídio”, foi reconhecido pela 11ª edição do Prêmio Professores do Brasil na etapa estadual, no ciclo do sexto ao nono ano.

“Eu tomei um susto, comentei com outros professores e fiquei sabendo que esse era um tema já trabalhado pelo Educação de Jovens Adultos (EJA) e pelos alunos do sexto ano, tanto aqui, quanto em outras escolas”, disse Lucilene. Embora não tivesse conhecimentos aprofundados sobre como lidar com o assunto em um primeiro momento, ela apresentou a argumentação por meio de uma discussão sobre ‘sistemas de reputação’, que reforçam instrumentos de cobranças e pressões sofridas em várias esferas da nossa sociedade.

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“Como não sou psicóloga, iniciei a discussão por um caminho para o qual eu estava preparada, estudei os dossiês da Sociedade Brasileira de Psicanálise, li muitas matérias completas em sites, que estavam com repercussão do Setembro Amarelo e busquei o máximo de leituras disponíveis sobre suicídio.”

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Com esses referenciais, as intervenções começaram. Uma das primeiras ações foi a montagem de um painel com vários lembretes que continham pequenas alegrias cotidianas, nomeado de “Sobra alegria em nossas vidas”. O mural se tornou um marco para a ação, para o qual os estudantes podiam se voltar, caso precisassem.

Depois disso, a professora pediu que os alunos escrevessem sobre um personagem fictício, que pretendia tirar a própria vida. “Percebi que alguns estudantes falavam sobre si próprios nos textos e que havia casos reais de familiares, conhecidos. Eu vi que o único jeito era fazer alguma coisa.”

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O trabalho com o conteúdo não foi fácil, segundo a professora. Ela relatou que as atividades exigiam muito do emocional dela. “As aulas eram muito densas. Havia um silêncio muito triste. Tudo foi feito e pensado com muita delicadeza e muito cuidado, e eu tive que me fortalecer muito para esse contato”. Ao mesmo tempo, a resposta ao trabalho elevou a temática a outro nível. O que começou como uma discussão, tornou-se uma campanha educativa que foi levada a toda a escola. Os estudantes fizeram um planejamento de marketing, montaram cartazes, elegeram o melhor, e esse foi levado para uma gráfica. Eles ainda fizeram um adesivo, roteiros de fala e planejaram a comunicação feita em redes sociais. A professora também compôs uma letra de rap, que um rapper da escola musicou. Com todo esse material, a turma visitou e levou informação para as salas de aula do segundo ciclo do ensino fundamental e do ensino médio.

“Sou professora de adolescentes há 25 anos, então, minhas aulas sempre foram nessa linha de discutir os temas que eles têm interesse. Uma das coisas que eu ensino, na argumentação, é que tudo pode ser dito, depende da maneira como se diz.”

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Engajamento em grupo de interesse

O número de suicídios e tentativas vem crescendo entre crianças e adolescentes. Em Juiz de Fora, em 2017, segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde (SES), foram registrados seis óbitos entre pessoas de 10 a 19 anos. Em 2018, de janeiro a julho, o número de mortes na mesma faixa etária é de cinco pessoas. Em coletiva do Ministério da Saúde, com dados sobre suicídio, um dos focos do trabalho é sobre esse grupo. Lucilene falou diretamente sobre o assunto com cerca de 90 alunos, na faixa dos 14 anos de idade. Com sua ação, a professora Lucilene Hotz Bronzato, conseguiu abrir uma importante janela de diálogo com esse público. Em resposta, ela surpreendida pelo andamento das propostas, que contaram com um envolvimento muito grande.

“Eu não esperava, o engajamento foi de 100%, porque os adolescentes sabem que esse tema é necessário. Eles protagonizaram todo o projeto. Eles estavam vivendo situações pessoais e familiares que demandavam a necessidade de falar sobre o suicídio. Poucas pessoas têm coragem de falar abertamente sobre esse tema, porque ele ainda é um tabu.”

Reconhecimento e mudança

Para Lucilene, além de uma resposta rápida e eficiente a uma solicitação que veio dos estudantes, o prêmio reconhece que é preciso falar sobre o suicídio. “É um alento. Em um país que está tão ensimesmado em suas próprias mazelas, a repercussão de um prêmio, para um simples professor de Minas Gerais é uma grande coisa. É um sopro de esperança. As pessoas estão falando sobre o suicídio agora e, pelo menos por alguns momentos, deixam a política de lado para se dedicar a falar sobre isso. Agora eu tenho certeza de que o trabalho era necessário e de que ele foi bem conduzido.”

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Com a repercussão que seu trabalho alcançou, a docente espera ajudar outros professores a perderem o medo de abordar o assunto suicídio em sala de aula, entendendo que trabalhar temas transversais é fundamental para a formação de qualquer pessoa. Outro ponto ressaltado por ela é a necessidade de deixar que os estudantes protagonizem as atividades. “A chance de sucesso é muito maior. Eu espero que eles tenha aprendido a olhar para o outro com mais empatia, não deixá-lo na invisibilidade. Não podemos endossar o pré-julgamento de que o suicida é alguém fraco, por exemplo, porque nessa situação, o debate fica mais fraco, mais raso. Se você vai por outro lado, se consegue ter empatia, há uma série de boas perspectivas.”

Isso se confirma na continuidade da procura por ações pelos alunos. “Antes do prêmio, eles já tinham me perguntado sobre o que nós íamos fazer esse ano. A escola tomou a campanha para si. Não sou eu que faço a campanha, mas faço parte de uma campanha que é da instituição. É possível mudar as coisas pela educação, nós precisamos valorizá-la. É uma forma de valorizar a escola e recuperar a função dela, que anda meio esquecida. No final, temos vários ganhos a comemorar.”

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