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Religiões celebram dia de São Cosme e São Damião

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Muitos adultos têm na memória a lembrança de se juntarem com sua turma em setembro baterem de casa em casa para pegar saquinhos de doce, conhecidos como os saquinhos de São Cosme e de São Damião. Os doces eram entregues, gentilmente, pelos vizinhos, em uma tradição que ainda resiste e é cheia de significados. Embora não seja uma obrigação, os católicos têm por costume distribuir as guloseimas nos dias 26 de setembro, quando a Igreja celebra a dupla de santos. Contudo, para os seguidores de religiões de matriz africana, como a Umbanda e o Candomblé, a prática acontece no dia 27, quando os terreiros se transformam em uma grande festa e os adeptos distribuem os saquinhos como forma de agradecimento.

Quando criança, a psicóloga Letícia Rodrigues Medeiros, 23 anos, tinha por hábito fazer essa peregrinação e pegar o maior número de saquinhos possível. “Cresci no Bairro Amazônia, na Zona Norte, e lá isso era muito presente e marcante. Lembro de juntar meus amigos e ir em busca dos saquinhos. Na época eu tinha uma vizinha de frente que fazia um bolo enorme para distribuir para as crianças. As pessoas que produziam os doces faziam mais pela tradição, e não por alguma religião específica”, conta. Já adulta, Letícia passou a fazer os saquinhos para entregar às crianças, motivada por sua crença, a Umbanda. “É uma festa bonita, muito sensível e ingênua. Gosto de crianças e tenho muita afinidade com as crianças espirituais, por isso decidi fazer os saquinhos para homenageá-las. Dou preferência aos doces tradicionais, como pé de moleque, suspiro rosa, pipoquinha, maria-mole, bolinha e guarda-chuva de chocolate, doce de leite”, revela.

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Há mais de 20 anos, a promotora de eventos Elizabeth Macieira Ank, 68, torna mais doce o dia de muitas crianças no Santa Luzia, Zona Sul. Ela dá continuidade ao que aprendeu ainda criança com a avó, que era seguidora da Umbanda e fazia os saquinhos. Também pertencente à religião, Elizabeth ajuda não só no centro onde frequenta – produzindo cerca de mil saquinhos com a ajuda de outras pessoas – como reserva cem unidades para distribuir às crianças que moram próximas de sua casa. “Produzir os saquinhos faz muito bem pra gente. É uma alegria muito grande, tanto para quem faz como para quem recebe, como crianças e adultos, em especial aos idosos. Acaba sendo a entrega da sua energia, que faz o bem para a outra pessoa, independente da sua crença. Fui criada nesta cultura, e respeito todas as religiões”, comenta.

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Elizabeth aprendeu a tradição dos saquinhos com a avó e hoje faz a entrega no Santa Luzia (Foto: Olavo Prazeres)

Religiões celebram data com foco nas crianças

O fato de o Brasil ser um país que engloba diversas culturas, inclusive a africana, propiciou o surgimento de costumes populares como a tradição dos saquinhos. A mistura de tradições aconteceu na época da colonização, por meio do sincretismo religioso, forma na qual os negros escravos encontravam para continuar a adorar suas entidades espirituais. A prática, no futuro, deu origem à Umbanda. Segundo o sacerdote umbandista Wandes Cardoso Cerqueira, o sincretismo nada mais é do que utilizar as vibrações de santos católicos que coincidem com os Orixás e guias. No caso de São Cosme e de São Damião (dois irmãos gêmeos e médicos, por isso conhecidos também como padroeiros dos médicos e dos farmacêuticos), eles foram sincretizados com a linha de trabalho das crianças, que na religião, são chamadas de Erês. Embora as razões pela associação dos santos às crianças sejam desconhecidas, os umbandistas aguardam ansiosos pela festa, no dia 27. “Doces, bolos, balas, brinquedos e guaraná são alguns dos ingredientes presentes nesta festa, na qual os templos de Umbanda invocam a linha das crianças”, pontua.

O Candomblé, que deu origem à Umbanda, não faz uso do sincretismo, mas utiliza a prática apenas para facilitar o entendimento das pessoas em relação aos Orixás. A associação de São Cosme e São Damião, porém, é feita diretamente aos erês, que representam todos os Orixás, conforme aponta Pai Jaques Tata Axexeré. Os erês, no entendimento da religião, são espíritos puros e de trânsito livre entre o ser humano e o mundo espiritual, diferente dos espíritos adultos, que possuem algumas limitações. São uma espécie de “guardiões” dos Orixás, que dão encaminhamento e orientação aos seres humanos.

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Pai Jaques explica que na tradicional festa nos terreiros de Candomblé para celebrar os erês acontece a montagem da mesa, na qual são dispostas as oferendas, com alimentos como frutas e preparações típicas (vatapá, caruru, acarajé, canjica, arroz doce, pipoca e omolocum), como uma forma de agradecimento. “Na festa todos comem, inclusive nós pelas entidades. Já a simbologia dos saquinhos, com os doces, é uma adaptação para homenagear as crianças viventes, encarnadas. Isso deixa os erês mais felizes, fazendo com que ganhem força para continuar a ajudar os outros. Os saquinhos são presentes para as crianças.” Além desses erês, o Candomblé possui os chamados “erês filhos dos astros”, como Oxum, que no sincretismo corresponde a Nossa Senhora da Conceição. Ao todo são sete: Doum, Wunge, Abicu, Banke, Alabá, Cosme e Damião. Os dois últimos a religião entende como irmãos siameses, com o poder de cura.

No Candomblé, o Dia de São Cosme e São Damião é dedicado a festejar os erês, as crianças espirituais (Foto: Leonardo Costa)

Igreja Católica

Produzir e entregar os saquinhos não é uma exclusividade apenas dos seguidores da Umbanda e do Candomblé. Muitos católicos, inclusive, têm o costume de perpetuar essa tradição, e a própria Igreja Católica a reconhece. “A tradição dos doces, contudo, não é católica, mas a igreja não vê problemas em entregar e receber. O fato de entregar doces traz felicidade, principalmente para as crianças”, destaca o arcebispo metropolitano Dom Gil Antônio Moreira.
Para os católicos, São Cosme e São Damião foram dois médicos canonizados em função da dedicação que tinham em tratar dos doentes, não só na saúde, mas espiritualmente, e não eram irmãos. “Eles lidavam com os enfermos como irmãos, independente de seguirem religiões diferentes. Eles transmitiam a saúde do corpo e da alma. Exerciam a profissão de forma humilde, reconhecendo que o médico faz pouco, mas que funciona como um instrumento de Deus, que é o nosso grande médico”, explica Dom Gil. A associação às crianças, segundo o religioso, vem pelo fato de cuidarem de doentes de todas as idades e, para a Igreja, as crianças representam a vida e a saúde.

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Na Comunidade São Cosme e São Damião, localizada na Rua Bartolomeu dos Santos 275, Bairro São Damião, haverá procissão seguida de missa nesta quarta-feira (26). Haverá funcionamento de barraquinhas.

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