Cerca de 220 toneladas de lixo são recolhidas por semana em 60 pontos da cidade utilizados como bota-foras irregulares. A informação é do Demlurb, responsável pela limpeza das áreas que trazem risco para o meio ambiente e para a população. O total recolhido chega a quase metade do lixo domiciliar produzido diariamente no município: um total de 500 toneladas. Os depósitos que surgem aleatoriamente em vários pontos da cidade são proibidos pelo artigo 10º do Código de Posturas do Município. De acordo com a norma, é vedado o descarte em logradouros públicos ou privados, inclusive, nas margens de rodovias, estradas vicinais ou ferroviárias, matas e florestas situadas na circunscrição municipal. Também proíbe o depósito de material de construção civil em vias e logradouros públicos ou privados sem permissão expressa do Poder Público. O grande volume de resíduos dispensado de maneira inadequada mostra a complexidade do desafio de otimizar a gestão dos resíduos sólidos na cidade, assunto que tem movido ações em diversas frentes.
O principal prejuízo causado pelos bota-foras é a contaminação de recursos hídricos, conforme o professor da Faculdade de Engenharia da UFJF, Cezar Henrique Barra Rocha. “Nas proximidades de fossas, nascentes ou outras fontes de água, esse descarte é preocupante, porque, geralmente, contém tinta, material eletrônico, metais pesados e resíduos da construção civil. Com as chuvas, tudo é carreado para o solo e chega na água. Quem consome essa água não faz o tratamento dela.” Um dos bota-foras que foi monitorado e apresenta comprometimento fica próximo à Represa de São Pedro, na Cidade Alta.
Segundo o professor, as populações rurais que vivem no entorno dessas áreas, que muitas vezes não conta com o serviço de saneamento adequado, são as mais prejudicadas, porque esses metais se acumulam no organismo e causam uma série de problemas de saúde.
Para Barra, melhorar o direcionamento desse material é a missão do Poder Público. “Alguns outros municípios já contam com essa coleta separada, aterros específicos, principalmente o eletrônico feito por empresas especializadas.” Já o cidadão comum precisa se conscientizar. “Quem ganha por carreto, prefere economizar na distância e descarta o mais próximo possível, otimizando seus ganhos dessa forma. Com maior fiscalização, multa e local adequado para dispor, buscariam fazer diferente.”
Multas para infratores ultrapassa R$ 4.500
Ao longo da semana, a Secretaria de Atividades Urbanas (SAU), em parceria com o Demlurb, registrou dois flagrantes de descarte de resíduos da construção civil. Um deles na Alameda Santo Antônio, próximo ao trevo da BR- 040 e na esquina das ruas Fernando Lauro com Geraldo Franca Borges, no Bairro Mansões do Bom Pastor. Ambos os responsáveis foram autuados, com multas no valor de R$ 4.512,85 cada. A Tribuna percorreu algumas localidades em que essas cenas são frequentes, como Rua Augusto Thielman, no Borboleta, Cidade Alta, Alameda Santo Antônio, no Bosque do Imperador, na mesma região, Rua Humberto Campos, Santa Terezinha, Zona Nordeste, Rua Engenheiro Valdir Pedro Monachesi, no Aeroporto, Cidade Alta, e Rua Martins Barbosa, na divisa entre Benfica e São Damião, na Zona Norte.
Getúlio de Souza é morador do Bairro Grama, Zona Nordeste, e testemunha a situação da Rua Detetive Afonso Celso, que se tornou um dos bota-foras irregulares da cidade. Segundo ele, descartes são feitos diariamente no local. “Isso acontece há pelo menos dez anos aqui (no Grama). As pessoas param as caminhonetes e despejam todo o lixo. O acúmulo de sujeira é muito grande. O Poder Público não faz a parte dele em fiscalizar. É preciso contratar mais funcionários para essa área”, afirma. Um agravante para esse caso é que o bota-fora autorizado fica a quase seis quilômetros do bairro. É o Ecoponto do Bairro Linhares, na Zona Leste.
Desafio
O descarte do lixo feito dessa maneira é um desafio para a população. Muitas vezes, os entulhos e resíduos estão em calçadas e vias atrapalhando a circulação. O lixo também é vetor de proliferação de doenças e propicia o aparecimento de animais peçonhentos. O Demlurb explica que, além da poluição visual e do solo, há custos envolvidos na remoção desses resíduos para a disposição final feita de maneira adequada. “Outro problema pode ser o carregamento dos resíduos pelas águas de chuva, entupindo bueiros de águas pluviais e assoreando os cursos d’água”, informou a assessoria de imprensa do órgão, por meio de nota.
Também por nota, a Secretaria de Atividades Urbanas (SAU) afirmou que já realizou diligências em todos os endereços mencionados e destaca que promove a fiscalização desse tipo de situação periodicamente, seja por ações pontuais, via denúncia, ou por meio de rondas fiscais. “No entanto, a situação ilegal, na maioria das vezes, acontece tarde da noite ou de madrugada. Caso os responsáveis pelo descarte irregular sejam flagrados pela fiscalização, os mesmos são autuados. Na impossibilidade da identificação do responsável, o Demlurb realiza a limpeza dos resíduos depositados em via pública e, caso seja em local particular, o proprietário é intimado a promover a limpeza”, pontua a nota.
A pasta também esclarece que, sempre que ocorre um flagrante, ela envia ao Ministério Público todos os documentos e informações do responsável para que sejam tomadas providências de caráter criminal. O Código de Posturas proíbe toda espécie de conspurcação no município. “Qualquer ação contrária aos propósitos estabelecidos pela Lei, que suje, manche, enode ou corrompa a qualidade dos espaços público é considerada infração gravíssima, no valor de R$ 4.512,85.” As denúncias podem ser feitas à SAU por meio de suas regionais de fiscalização.
Ainda de acordo com o Demlurb, o descarte irregular é uma situação recorrente, exercida pela própria comunidade. A orientação é que os moradores descartem o lixo de maneira correta. O órgão reforça ainda que recebe até um metro cúbico de entulho gratuitamente nos dois ecopontos existentes, no Linhares, localizado na Rua Diva Garcia 1.000 (de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h, e aos sábados das 8h às 12h, e no Bairro São Pedro, Cidade Alta, nos mesmos dias e horários). “O intuito dos ecopontos é servir aos cidadãos comuns que estão realizando pequenas reformas em suas residências. Nestes casos, é possível fazer o descarte de mais um metro cúbico por dia. Esse limite foi estabelecido para desencorajar grandes construtores a fazer uso desse serviço.”
Cidade busca participação popular para definir Plano de Gestão de Resíduos
O Plano Municipal de Gestão dos Resíduos Sólidos está em andamento na fase de participação popular. No início do mês foi realizada uma oficina de diagnóstico, que convidou produtores complexos, como representantes de construtoras, shoppings, hospitais, produtores rurais, sucateiros, limpeza urbana, supermercados, caçambeiros, entre muitos outros, para discutir o tema. “Essa primeira etapa valida os dados que são coletados internamente. As informações primárias estão aqui, e nós precisamos buscar os dados secundários de todos esses produtores que dominam e fazem a gerência da destinação desses resíduos nas pontas. Eles apontam o que acontece de fato”, explica a subsecretária de Planejamento do Território da Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag), Renata Goretti.
A participação nesses momentos ajuda a validar a realidade, porque, conforme Renata, as estatísticas podem mascarar algumas informações, deixar invisibilizados, em alguns momentos, os enfrentamentos que os geradores têm. Essas dificuldades são mapeadas nesse momento. “O desafio é entender os diferentes processos de geração e de retorno desse material, seja com reciclagem, reaproveitamento, logística reversa, entre outros. No momento que tivermos esse horizonte bem delineado, conseguimos promover a integração entre os atores. Eles precisam conversar.”
Mas, além de lidar com quem gera maior quantidade de resíduo, é importante também despertar ainda mais conscientização em toda a população. O debate no município acontece em um momento em que, no Rio de Janeiro, por exemplo, o uso de canudos de plásticos para consumo de bebidas foi proibido. “Todo mundo é gerador em alguma medida. Não adianta uma pessoa trabalhar sozinha. As pessoas precisam se entender como parte desse todo. Isso envolve pensar desde o canudo ao resíduo de construção civil. Até o fluxo de informação sobre o descarte correto importa, a fim de que lá na frente a pessoa possa saber onde e como dispensar os materiais.”