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Corpo encontrado no poço foi descoberto no dia em que menino faria 15 anos

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Corpo do adolescente foi encontrado em uma cisterna no Bairro São Geraldo (Foto: Divulgação/Bombeiros)
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No dia 10 de janeiro deste ano, o corpo de um adolescente foi encontrado dentro de um poço, no Bairro São Geraldo, na Zona Sul da cidade. Esse também era o dia em que o jovem, caso estivesse vivo, completaria seus 15 anos. Os bastidores da descoberta deste crime vieram através de um perfil fake em rede social, que indicou o lugar de desova e fez a polícia mudar toda a linha de apuração – o que se tratava de um desaparecimento era, agora, um trabalho de investigação de um homicídio.

Assim como a maior parte dos garotos da sua idade, o adolescente sonhava em um dia jogar bola profissionalmente. A sua infância, porém, foi atravessada pela dependência das drogas. Um vício que, desde muito cedo, o expôs a vulnerabilidades. Segundo um familiar, essa situação e o crime que viria a acontecer depois fizeram com que o menino, na verdade, nunca tivesse tido uma infância de fato.

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“Ele não teve chance de nada, mas tudo que eu podia fazer por ele eu fiz. Eu faria tudo de novo para tentar tirá-lo daquela vida, mas eu me perguntava como. Eu enfrentava quem quer que fosse”, conta, em lágrimas. Os familiares chegaram a procurar o garoto na “cracolândia” do Bairro Vitorino Braga. Ele era conhecido por outros usuários que ali injetavam crack na veia a céu aberto, mas, naquela altura, conforme acredita, ele provavelmente já estava morto.

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Teve um período, porém, que o rapaz frequentava a escola, andava de bicicleta e até arrumou um namoro no colégio. “Ele era um menino muito bonito e de coração bom. Uma vez bateram aqui na porta da minha casa, o pai de uma menina não queria essa história de namoro, e eles estavam andando de mãos dadas no pátio durante o recreio”, relembra o familiar. A história de nostalgia foi cortada por mais um episódio de tensão, conforme conta, em que ameaças que o garoto recebia na escola, por supostas antigas dívidas de droga, o fizeram não querer mais retornar ao local.

Desaparecimento

Era o dia 27 de novembro de 2023, quando o adolescente saiu da casa da mãe pela manhã e essa foi a última vez que ele foi visto por sua família. O menino já não morava com eles, mas ia visitá-los com frequência. Há algum tempo, ele havia sido separado judicialmente da mãe, que era solo, e o pai totalmente ausente.

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Desde criança, aos 10 anos, o menino fazia uso de substancias ilícitas. Aos 12, começou a usar crack e vivia entre episódios de remissão e retorno ao vício. Por conta disso, em 2021, a determinação judicial da Vara da Infância e Juventude do Ministério Publico o colocou sob tutela da Casa de Acolhimento da Prefeitura de Juiz de Fora. No equipamento público, ele foi visto pela última vez no dia 29 de novembro, dois dias após ser visto pela família.

A princípio, a Casa de Acolhimento não registrou o boletim de ocorrência – em caso de desaparecimento, o início das buscas poderia ser feito de prontidão – mas, no caso do adolescente, o sumiço não teria sido considerado suspeito. Era comum que ele ficasse dias nas ruas e só retornasse depois. Além disso, ele não estava detido na Casa, podia ir e vir quando quisesse.

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A família não tinha dinheiro para a internação em uma clínica particular. Embora o jovem tenha sido internado em instituições públicas para tratar o vício em crack, elas tinham um prazo para sua estadia. Situação que, segundo a família, causava angústia. “Quando ele já estava menos magro, com mais bochecha e fazendo planos, ele recebia alta e acabava retornando às drogas”, diz um parente.

Segundo a família, o boletim de ocorrência do desaparecimento só foi feito no dia 12 de dezembro. Apesar de o adolescente estar sob a tutela da Casa de Acolhimento da PJF quando desapareceu, a PJF não quis se manifestar sobre o assunto. Já a Vara da Infância emitiu uma nota, em que diz que o caso é emblemático. “No caso de (nome do menino), todas as medidas possíveis foram tomadas pela Vara da Infância, Município de Juiz de Fora e instituição de acolhimento, tendo o Ministério Público defendido os interesses dele, conforme o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) determina.”

Enquanto ele permanecia desaparecido, funcionários da Casa de Acolhimento e familiares fizeram cartazes digitais que anunciavam a procura pelo garoto. Até que, em uma dessas postagens, uma pessoa escondida atrás de um perfil fake comentou “ele não está mais entre nós”. A partir daí, a conversa que levaria ao descobrimento dos restos mortais do adolescente teve início.

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Print da conversa com o perfil fake

Crime revelado por perfil fake

O comentário tinha sido feito em uma publicação aberta, e a pessoa da família que recebeu – e que prefere não ser identificada – foi no chat do perfil fake perguntar o motivo de o indivíduo ter falado aquilo. A Tribuna teve acesso à conversa, que expõe em detalhes quando, como e onde o adolescente tinha sido assassinado.

O perfil informa que o garoto teria sido morto em uma segunda-feira, entre o final de novembro e o começo de dezembro. Estima-se, pela informação dada, que ele se referia ao dia 4 de dezembro, antes mesmo de o boletim de desaparecimento ter sido confeccionado. Ainda de acordo com as informações, ele teria sido morto enforcado em um terreno no Bairro São Geraldo.
Apesar desta informação, segundo a Delegacia Especializada em Homicídios, o laudo para a causa da morte foi atestado no Instituto Médico Legal (IML) como inconclusivo. Isso porque, além do tempo entre a morte e o descobrimento, as condições de umidade do local dificultaram a conservação do corpo.

No entanto, o relato do perfil fake corroborava com o fato de o corpo ter sido desovado ao lado do local em que o crime teria ocorrido. Segundo as informações, que foram acompanhadas por imagens do lugar em questão, o cadáver do adolescente foi enrolado em uma coberta e, em seguida, jogado no poço. Por cima, o assassino teria jogado terra e plantas. Na versão da polícia, a tentativa de ocultação é provável.

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A família contatou então a polícia e os bombeiros, que foram em conjunto até o local indicado. No dia 9 de janeiro de 2024, foi aberta uma ocorrência oficial de “busca e recuperação de cadáver em terra”, por volta das 8h17. Os bombeiros usaram um tripé, com sistema de redução de força com cordas e ferragens, para que um militar descesse ao local, que tinha cerca de dez metros de profundidade.

A ação foi desempenhada por toda a tarde e, em meados de 16h40, o trabalho foi suspenso, ainda sem êxito. No dia seguinte, o trabalho dos bombeiros foi retomado. O espaço estreito e confinado fez com que os militares usassem equipamentos de proteção respiratória, além de pá e baldes para tirar a terra. Nada foi encontrado durante a manhã do dia 10.

O familiar ouvido pela Tribuna contou que, naquele momento, os bombeiros já planejavam encerrar as buscas, em vista da periculosidade e do acesso difícil ao fundo do poço. Muita terra havia sido jogada dentro do local, assim como folhas de bananeiras. Foi quando a assistente social que cuidava do adolescente na Casa de Passagem insistiu que a operação continuasse, ao menos, por mais uma hora. Foi o tempo necessário para os militares avistarem um tênis, que começou a boiar.

Corpo encontrado

Já era no período da tarde quando um tênis branco e verde flutuou no fundo do poço, após cerca de 17 metros de profundidade cisterna adentro. A assistente de prontidão ligou para a família e perguntou se eles sabiam qual era o sapato que o menino usava. Conforme lembrou um familiar, no último dia que viu o adolescente, ele havia pego o tênis da mãe, que também era branco e verde.

A mãe foi acionada para informar detalhes do sapato e, além das cores, a marca era a mesma do tênis encontrado. Pouco tempo depois, conforme conta a assistente social ouvida pela Tribuna, acharam o outro tênis e os restos mortais. Um inquérito para apurar o caso foi aberto pela Delegacia Especializada em Investigação de Homicídios de Juiz de Fora, e o material biológico foi encaminhado para ser submetido ao exame de DNA em Belo Horizonte.

Devido ao estado de decomposição e a parte superior esqueletizada, a identificação oficial dependia do exame de DNA para que a morte do adolescente fosse confirmada. Ainda sim, o familiar, que conversou com a reportagem, afirmou que parte do corpo estava com uma pulseira que havia sido dada de presente ao menino.

Após aproximadamente três meses, nesta quinta-feira (25), a identidade do corpo foi confirmada, mas as investigações continuam. Segundo a delegada Camila Miller, titular da Especializada em Homicídio, é possível afirmar que as apurações avançaram. “O menino era usuário de droga e houve um desentendimento com outro usuário, que acabou por resultar na morte dele”, disse sobre a linha trabalhada pela Polícia Civil.

“Mas, pelo que temos de informações iniciais, foram pessoas envolvidas com o tráfico e com o uso de drogas as responsáveis pela morte do jovem” , finalizou. O inquérito continua em aberto. Para a família, a ferida também. O desejo dos entes queridos é que o menino possa ter um velório e um enterro dignos, ainda que simbólico. A conclusão do caso depende, para eles, que “a justiça seja feita”.

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