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Juiz-forano lança e-book após sofrer lesão medular

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“O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.” O clássico trecho do livro de Guimarães Rosa “Grande Sertão: Veredas” virou mote na vida do juiz-forano Fabiano Brandão. Há pouco mais de quatro meses, às vésperas de completar 45 anos, o servidor público teve uma complicação considerada rara durante uma cirurgia para tratar um problema “relativamente simples” na coluna, causado por acidente. O procedimento – realizado em 12 de agosto e chamado artrodese – levou a um choque medular na altura da vértebra T6, deixando Fabiano sem sensibilidade desde o peito até as pernas. Acostumado a pedalar, nadar, correr e a ganhar o mundo, ele se viu em uma nova realidade na qual depende, não só da cadeira de rodas, mas das pessoas que o cercam. E para sua sorte, não são poucas. O amor e a atenção que recebeu de familiares, namorada e amigos ele transformou em força. E a força virou inspiração: menos de três meses depois, o atleta expôs sua nova condição nas redes sociais e anunciou seu livro: “Persistir é o caminho – Lesão medular não é o fim, mas, sim, o recomeço”. O e-book é uma forma de olhar para dentro, desabafar e auxiliar outras pessoas que passam por adversidades. A publicação também o ajuda a arcar com os custos da reabilitação, iniciada no Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília, e que ele pretende continuar em São Paulo. Quem se interessar pelo livro pode acessar diretamente o link ou ir ao perfil do Instagram @fabianonbrandao.

“Tudo o que estou vivendo tem um propósito muito maior, eu sinto isso. Irei persistir todos os dias, incansavelmente, para evoluir em todos os aspectos da minha vida”, decreta Fabiano, em um dos trechos do e-book. Após a cirurgia, ele ficou 21 dias internado, 11 deles na UTI. “Foram dias difíceis, de dor, porém, de muito aprendizado e crescimento.” Para ele, cada dia é um recomeço. “Sou muito grato a Deus por estar vivo, sei que a limitação física é um desafio, um processo que me ensina de forma contínua.”

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O servidor afirma ter colocado seu coração no papel, contando uma história 100% real. “Tive não só coragem para contar a jornada atual, mas também trazer outras histórias da minha vida.” Após cobrir os custos para viabilizar o tratamento, Fabiano irá doar o restante do valor arrecadado para instituições ligadas à reabilitação medular. “O Sarah Kubitschek é um lugar sensacional, hospital 100% público, com organização que não vejo nem em instituições privadas. Os profissionais são altamente qualificados, e o atendimento é humanizado. No Sarah tenho aprendido muito a independência, dentro do conceito de reabilitação. Trabalham com terapia ocupacional, fisioterapia, entendimento do problema de cada paciente, autonomia e qualidade de vida. Estou cada dia mais surpreendido. Tem atividades esportivas, com as limitações físicas de cada um. As dificuldades existem, mas com esforço, dedicação e persistência é possível, sim, superar muitas barreiras”, avalia sobre a experiência.

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Transformação espiritual

Logo na introdução do e-book, o juiz-forano cita a frase do poeta Bráulio Bessa: “Quanto maior o peso que carregamos nas costas, mais força criamos nas pernas”. Ele acredita que essa provação física foi uma espécie de estopim para sua transformação espiritual. “Descobri uma força que jamais pensei que tinha, ainda internado no hospital”, pontua, ressaltando que, ainda assim, o processo de reabilitação física e mental talvez seja longo e desafiador.

Filho do meio, entre duas mulheres, Fabiano perdeu a mãe há 20 anos e trabalha no Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos. No início de dezembro, ele comemorou uma conquista profissional, ao concluir uma especialização “no meio de um momento turbulento na vida”. “É uma situação de muito orgulho, porque tive que me reinventar para conseguir finalizar.” Paralelamente ao trabalho, Fabiano sempre foi adepto de esportes, como mountain bike e, principalmente, natação. “Sempre gostei de me desafiar nos esportes, acredito que é um propulsor que nos ajuda em várias outras áreas da vida. Gostaria de ter ido além nessa área esportiva, mas achava que não tinha força e persistência necessárias para isso.”

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Desde que sofreu uma lesão na medula, Fabiano Brandão tem aprendido diariamente a lidar com sua nova condição, sempre com otimismo e perseverança (Foto: Arquivo pessoal)

Queda de 2,5m de altura no réveillon em Meaípe

Fabiano Brandão não imaginava o quanto sua vida iria mudar a partir daquele réveillon 2022/2023 na cidade de Meaípe, no litoral capixaba. “Estava feliz, era um momento muito aguardado, bem planejado. Estava exausto por causa da carga de trabalho, então precisava mesmo descansar, aproveitar a região e comemorar a virada de ano.” O acidente aconteceu no dia 1º, após as festividades, quando voltava para casa com um amigo, por um calçamento precário, com terra e pedregulhos, próximo às pedras de contenção do mar. “Em um ponto mais estreito, acabei me desequilibrando e caí de uma altura de 2,5 metros, aproximadamente, nas pedras.” Ele desmaiou após bater o braço e o ombro esquerdo, sofreu escoriações e trauma na face. Os primeiros socorros foram prestados por um médico que passava pelo local, até a chegada do Samu.

“Acordei sem entender nada. O médico me pediu para movimentar braços e pernas e, por um milagre, estavam normais.” As dores no pescoço e nas costas, no entanto, eram intensas, e no hospital foram constatadas fraturas na coluna cervical e dorsal, além de suspeita de fratura na face. “O desespero foi grande, mas a gratidão por estar vivo, andando e movimentando os braços, era maior.” De volta a Juiz de Fora, ele realizou novos exames, que revelaram lesões em quatro vértebras cervicais, uma na região torácica, fratura na face esquerda e lesão no ombro esquerdo. “Por um milagre, todos os tratamentos foram conservadores, ou seja, sem necessidade de cirurgia. Todos os médicos foram unânimes sobre o fato de que eu tive muita sorte, por questão de milímetros poderia ter morrido, ter tido um grave traumatismo craniano ou até mesmo ter ficado tetraplégico.”

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Lesão na medula

Os primeiros 30 dias após o acidente foram de dor e incômodo com o uso de colar cervical e colete torácico. Com a alta médica em março, ele retornou às atividades. “Estava muito feliz, principalmente por poder nadar novamente. Porém, as dores nas costas permaneceram, e comecei a sentir uns formigamentos nas pernas ao abaixar o pescoço. Notei uma perda de força na perna esquerda durante os treinos de natação e ao realizar exercícios na academia. Quando corria na esteira, por exemplo, ao terminar, mancava muito, depois eu sentia que melhorava.”

Novos exames mostraram que a vértebra T6 estava tocando uma região da medula, o saco dural, daí as dores e desconforto nos movimentos. A única alternativa era realizar a cirurgia de artrodese, para estabilização da vértebra. “Pesquisei muito, os casos de lesão medular decorrentes desse tipo de procedimento eram de menos de 1%.”

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Mesmo conseguindo trabalhar, viajar, caminhar, nadar e pedalar na academia, a instabilidade da coluna de Fabiano deveria limitá-lo com o tempo. “Pensei bastante, consultei outros médicos e todos foram unânimes em relação à necessidade de cirurgia. Eu ainda corria o risco de ter uma eventual queda que, mesmo simples, poderia dissipar energia na vértebra lesionada e, em razão de ela ter menos de 50% do seu tamanho original, possivelmente resultaria em uma lesão medular grave.” Dessa forma, em maio, a cirurgia foi agendada para agosto. “A equipe médica que iria me operar é muito experiente, senti que estava em boas mãos.”

Ao acordar naquele dia e não conseguir mexer as pernas, Fabiano foi informado sobre a intercorrência e o choque medular. “Meu chão sumiu! Por mais que eles tentassem me acalmar, me passando as informações, prognósticos e protocolos que seriam aplicados, eu só chorava, só vinham pensamentos pessimistas, negativos, foi uma sensação horrível não sentir o toque, o movimento das pernas, nem uma leve contração abdominal.” Ao ter pânico durante a ressonância, ele entendeu que persistir era necessário. Os dias mais difíceis da sua vida estavam começando, e os questionamentos sobre “o que teria feito de errado para viver aquilo” rondavam sua cabeça. “Os pensamentos eram confusos, uma mistura de positividade com altas doses de negatividade.” Dali, ainda foi necessária mais uma cirurgia três dias depois.

Pequenas conquistas e grandes vitórias

Com o tempo, o juiz-forano começou a enxergar pequenas conquistas como grandes vitórias, como sentar na beira da cama sem o auxílio das mãos. “A vida é assim: quando algo parece o fim do túnel, como o choque de realidade da minha situação, em seguida vem o presente de uma sensação incrível e simples ao mesmo tempo, que foi tomar um banho de chuveiro. Às vezes, é só a gente prestar atenção nos sinais que Deus nos mostra o tempo todo e ter paciência e sabedoria ao escolher o que devemos enxergar e sentir.” Cada vez mais certo do poder da mente, Fabiano segue firme na reabilitação. “Passei a, definitivamente, acreditar mais em mim.”

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No dia 28 de outubro, o servidor teve a oportunidade de conhecer a equipe de natação do Comitê Paralímpico Brasileiro e se “maravilhar com a incrível estrutura da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)”: “Naquele dia, tive a honra de conhecer atletas que se tornam verdadeiros super-heróis quando entram na piscina, superando suas limitações físicas. Suas realizações são uma fonte inesgotável de inspiração para mim. Em breve, estarei treinando ao lado deles. A adaptação à piscina não será simples, mas a determinação de dar o meu melhor em cada treino é inabalável.”

As dificuldades, entretanto, continuam no dia a dia. “São muitas as minhas limitações. Eu achava que tinha uma noção de como era a vida de uma pessoa que sofreu uma lesão medular, mas somente quem passa e Deus sabem como é. A fisioterapia tem tido um papel fundamental nesta nova jornada, pois me ensina a valorizar as pequenas vitórias e a exercer a paciência, pois a recuperação neurológica realmente é lenta. Se eu pensasse no ‘amanhã’ apenas, criasse expectativas, eu iria me frustrar, me decepcionar. Decidi viver um dia após o outro.”

O aprendizado, Fabiano passa adiante: “Na vida, muitas vezes sofremos porque projetamos uma expectativa que não acontece, aí ficamos tristes e decepcionados. Fazemos isso com planos materiais e, principalmente, com pessoas. Viva o presente, faça o seu melhor hoje, comemore todas as pequenas vitórias e escolha pensar de forma positiva.”

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