Enquanto em 2020 parte das pessoas preferiu não se reunir com amigos e familiares nas festividades de fim de ano, devido ao risco de contágio pelo coronavírus, este ano, muitos planejam dividir estes momentos com entes queridos. Se, no ano passado, os recursos para as celebrações foram apenas ligações telefônicas e videochamadas, agora, com o avanço da vacinação e diminuição do número de casos da Covid-19, o fim de ano promete o reencontro familiar e a possibilidade da presença de um maior número de pessoas nos eventos. Esse cenário, para muitos, é de alento, já que parte das pessoas abriu mão de encontrar familiares nas festividades de 2020 em prol da saúde coletiva. Por outro lado, há ainda aqueles que irão, mais uma vez, abrir mão de encontros tradicionais. Para algumas pessoas, o cenário epidemiológico ainda traz inseguranças e medo.
Para a doutora em Psicologia Social pela UFRJ, coordenadora do curso de Psicologia da Estácio, Adriana Woichinevski Viscardi, essas situações opostas são esperadas, e as celebrações de fim de ano – ou a retomada delas – impactam de forma diferente cada pessoa no que diz respeito à saúde mental. “A situação de reencontro impacta de forma diferente cada um, vai depender dos recursos psicológicos que a pessoa já tinha antes da pandemia, como ela vivenciou este período, se teve uma boa rede de apoio. Depende também de que família é esta que vai se reencontrar – se for acolhedora, afetiva, respeitar as diferenças, o encontro é facilitado”.
De modo geral, lembra a profissional, já se sabe que houve aumento dos estressores que afetam a saúde mental durante a pandemia. Já se fala em estresse pós-traumático ligado ao contexto da Covid-19, além do aumento da vivência de luto patológico (que persiste além do previsível). (…) Algumas pessoas tiveram mais dificuldades para lidar com a situação (pandemia), e aí este reencontro também pode ser problemático. Temos muitas pessoas com sintomas de ansiedade e fobia, que talvez não queiram ainda encontrar, e isto precisa ser respeitado”, considera.
Por outro lado, a psicóloga afirma que para a maioria das pessoas é fundamental para a saúde mental o encontro nestes momentos. “Estamos exaustos, estressados, precisando dar e receber afeto, que é um santo remédio. Não de forma irresponsável, mas está na hora de sair, pois nossa saúde mental também merece nosso cuidado, até por seus efeitos na saúde física. Com os conhecimentos já acumulados sobre a doença e sua prevenção, já não faz mais sentido racional o isolamento quase total”, analisa.
Encontro familiar após um ano e meio
Antes da pandemia, o encontro da família materna da jornalista Carla Gonçalves, 26 anos, para as comemorações de fim de ano era tradição. Ela conta, que a mãe saía de Buenos Aires, na Argentina, e ia para o Rio de Janeiro, encontrar Carla e o irmão, que partiam de Juiz de Fora, rumo à casa da avó. “A gente sempre se reunia, várias pessoas da família, era uma tradição. Mas como minha avó era idosa e minha mãe teria de passar por dois aeroportos, achamos melhor cada um passar somente com seu núcleo familiar”. Para Carla, a circunstância se tornou ainda mais difícil, já que a avó veio a falecer, tempos depois, pela Covid-19.
Neste ano, contundo, a jornalista planeja passar as festividades de fim de ano com a família paterna. Cerca de dez pessoas se reunirão para as comemorações. Reclusa desde o começo da pandemia, ela aguarda os momentos com ansiedade, já que serão os primeiros encontros que terá com um maior número de pessoas.
“Em casa moramos meu irmão e eu, e, durante toda a pandemia, ficamos totalmente reclusos, apenas saindo para ir ao supermercado. Eu fiquei sem encontrar outras pessoas por mais de um ano, então vai ser um momento de retomar esse contato social com minha família em um maior número de pessoas”.
Agora, Carla afirma estar mais preparada psicologicamente para encontrar pessoas. “Não me sinto totalmente segura, mas não tenho mais aquele bloqueio mental, aquele medo do começo da pandemia, de não ver ninguém, de não chegar perto de ninguém. Então eu me sinto melhor em me reunir com a minha família, sabendo é óbvio, que eles estão todos vacinados, alguns, inclusive, com a terceira dose”, conta.
“Eu acho que se a gente tomar cuidado, a gente vai aos poucos voltado a fazer as nossas coisas e ver as pessoas. Vamos ter que reaprender a socializar. Até hoje fico pensando quando chego perto das pessoas, vou a algum lugar, me causa até desconforto ver pessoas sem máscaras, como se a pandemia tivesse acabado. Eu me sinto incomodada, mas tento levar, para também não ficar refém de um medo pra sempre.”
Para Carla, a possibilidade de rever familiares é um alento, após mais de um ano de isolamento total. “O isolamento teve impacto na minha saúde mental. Eu tive fortes crises de ansiedade. Esse ano foi muito difícil pra mim, acho que foi um dos piores anos da minha vida, e muito por conta do isolamento, porque tive de passar por muita coisa sozinha”, diz.
Mais um ano longe da família
Já a professora Zirlene Adriana dos Santos, 54, adiou os planos de reencontrar toda a família este ano. Antes da pandemia, as celebrações e Natal eram os dias mais felizes do ano para ela. “Eu tenho oito irmãos, 18 sobrinhos, muitos são casados, têm família, então juntava todo mundo, mais ou menos umas 60 pessoas”, conta. “Então eu sempre tinha aquela expectativa de ver todo mundo reunido. Muitos irmãos eu só encontrava nessa data, assim como sobrinhos. Era um encontro de gerações mesmo”, lembra Zirlene, moradora de Juiz de Fora, mas cuja família é de Divinópolis (MG).
No ano passado, o encontro, que acontecia na casa de uma das irmãs de Zirlene, foi cancelado por conta da pandemia, mas a esperança é de que a família toda se reencontrasse agora. “Infelizmente, tivemos que cancelar o encontro este ano também. A nossa família tem muitas pessoas, apesar de a maioria das pessoas estar vacinada, tenho sobrinhos pequenos que ainda não vacinaram, sem contar que não dá pra ter um controle de todo mundo que viria. Então achamos melhor cancelar”.
A decisão veio acompanhada de tristeza para Zirlene. “Meu medo é que, após dois anos, as pessoas se acostumem a passar somente com o seu núcleo pequeno da família. Meu medo é que a gente não retorne aos grandes encontros”, revela. Isolada em seu sítio, no Bairro Igrejinha, Zona Norte, desde o começo da pandemia, a professora passou o último fim de ano completamente só. “Foi muito triste”. Neste ano, ela pretende passar apenas com um dos irmãos, em Belo Horizonte.
Momentos de atenção
A psicóloga Adriana Viscardi pontua que existem casos em que algumas pessoas encontram outras, mas desenvolvem medo ou culpa pós encontro, com a sensação de ter sido irresponsável ao socializar ou, ainda, medo de ter se contaminado ou contaminar alguém. “(O momento) será inclusive um termômetro importante para famílias e amigos prestarem atenção em como está a saúde mental das pessoas queridas”, analisa.
Ela sugere, em casos em que o encontro seja difícil, ou não ocorra, que a família dê atenção e suporte. “Talvez seja a hora de dar uma atenção a esta pessoa, sem julgamentos, entender o que está acontecendo, e caso necessário encaminhar para um psicólogo”, diz.
“É preciso também que a gente respeite aquela pessoa que ainda se sente mais à vontade em frequentar as festas fazendo uso de máscara, pois normalmente há um julgamento e uma sutil pressão social para que todos os conhecidos fiquem sem máscara. Dependendo do caso, o simples fato de poder usar a máscara já deixa a pessoa mais segura para encontrar.”