Em meio a mais uma campanha do Novembro Azul, para conscientização acerca da saúde do homem – especialmente em relação ao câncer de próstata -, a questão dos exames preventivos ainda é divergente no âmbito da medicina. Enquanto o Instituto Nacional de Câncer (Inca), órgão do Ministério da Saúde, recomenda o não rastreamento populacional da doença para pessoas assintomáticas, outras entidades e especialistas na área discordam do posicionamento.
Em nota técnica divulgada ainda em outubro, o Inca explicou que dentre as ações de controle para o câncer, a detecção precoce se destaca, e esta se divide em duas estratégias: diagnóstico precoce e rastreamento. O diagnóstico precoce é a identificação do câncer em estágios iniciais em pessoas com sinais e sintomas. Já o rastreamento se caracteriza pela aplicação sistemática de exames em pessoas assintomáticas, com o intuito de identificar um câncer em estágio inicial. A justificativa da entidade é que revisões sistemáticas sobre o tema identificaram que o rastreamento aumenta de forma significativa o diagnóstico da doença, sem redução significativa da mortalidade específica e com importantes danos à saúde do homem.
Para argumentar a favor do ponto, o Inca utiliza o termo “sobretratamento”, que seria o tratamento de cânceres que não evoluiriam a ponto de ameaçar a vida e pode gerar importante impacto na qualidade de vida dos homens. Segundo a instituição, estudos apontam para consequências relacionadas a disfunção sexual e urinária. Além disso, é colocado no texto que a doença detectada no rastreamento pode levar à necessidade de realizar novos exames para a investigação diagnóstica, o que pode gerar necessidade de biópsia e complicações, como dor, sangramento e infecções, além de ansiedade e estresse no indivíduo e na família, com pouco benefício aos pacientes.
Perspectiva contrária
Por outro lado, há profissionais que acreditam que a recomendação é errada na forma, no conteúdo e no momento. É o caso de Fabrício Siqueira, médico cooperado da Unimed-JF e membro da Equipe de Urologia do Instituto Oncológico. “Demoramos muito para conseguir fazer a população brasileira masculina, que é muito machista e de baixa educação, entender a importância da procura do homem pela sua saúde. Assim, essa nota do Ministério da Saúde presta um desserviço enorme à população. Se esperar os sintomas aparecerem, o número de diagnósticos de tumores avançados, metastáticos, aumenta exponencialmente”, justifica. Fabrício ainda afirma que esses pacientes perdem sua chance de cura e ainda sofrem com uma piora substancial da qualidade de vida – que será, além disso, abreviada em muitos anos.
O urologista também destaca que esses tumores avançados e, em alguns casos, incuráveis levam a uma explosão nos custos do tratamento dessa doença tanto no setor público quanto privado. Por isso o rastreamento é recomendado, mas de forma individualizada. “Todas as sociedades médicas de urologia, como a Brasileira, a Europeia e até a Americana, concordam com isso. Chamamos de rastreamento inteligente. Não se pode esperar o surgimento de sintomas para fazer o rastreio, muito menos o diagnóstico. Os pacientes assintomáticos devem fazê-lo num primeiro momento e, depois, cada caso é conduzido de forma individualizada, com decisão compartilhada entre o paciente e seu urologista, levando em conta vários fatores, como idade, história familiar, raça e comorbidades.”
Fabrício conta que, atualmente, com melhores avaliações no rastreio, com dados mais precisos do exame antígeno prostático específico (PSA) como cinética, densidade e tempo de duplicação, e a ressonância magnética pré-biópsia, é possível reduzir o número de biópsias e diagnósticos desnecessários. Somado a isso, os médicos da área também conseguem entender melhor quais tumores realmente precisam ser tratados, evitando o pior cenário, que são os tratamentos desnecessários. “Temos hoje, já bem estabelecida, a vigilância ativa, que é quando apenas acompanhamos um paciente com um tumor indolente, com maior chance de nunca lhe causar mal, sem expô-lo à morbidade do tratamento. Portanto, os pacientes só têm a ganhar em procurar seu urologista, mesmo sem sintomas, para fazer uma primeira avaliação e discutir, com informações corretas, qual o melhor caminho a seguir para cada caso”, ressalta.
Números da doença
Em resposta a demanda da Tribuna, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG), por meio da Superintendência Regional de Saúde (SRS) de Juiz de Fora, divulgou que foram detectados 214 casos de câncer de próstata nos municípios da área de abrangência em 2023. Do total, 210 casos foram em Juiz de Fora, dois em São João Nepomuceno, um em Bicas e um em Lima Duarte. No mesmo período, foram realizados, na mesma área, 41.074 exames de PSA, dos quais 37.211 foram realizados em Juiz de Fora. As informações foram extraídas dos Sistemas de Informações Ambulatoriais (SIA) e de Informações Hospitalares (SIH), do Ministério da Saúde. Os dados são parciais e estão sujeitos a alteração.
O Inca publica a cada três anos as estimativas de câncer do triênio. A atual é de 2023 a 2025. De acordo com o estudo, no Brasil, serão detectados 71.730 novos casos de câncer de próstata a cada ano. Em Minas Gerais, a estimativa é que sejam diagnosticados 7.970 novos casos da doença no mesmo período. Em relação ao número de mortes, o dado mais recente é do ano de 2021. Nele, foram contabilizados 16.300 óbitos por câncer de próstata no Brasil e 1.673 em Minas Gerais. Os números desse tipo de tumor são os segundos maiores dentre todos em homens, atrás apenas dos de pele não melanoma.
Cuidados na prevenção
O médico Fabrício Siqueira alerta que homens com histórico familiar de câncer de próstata, negros e obesos devem fazer sua primeira avaliação aos 45 anos. Os demais, aos 50. O exame principal é o de sangue, o PSA, associado ao toque retal. A Sociedade Brasileira de Urologia propõe a realização de testes anuais de PSA nestas faixas etárias para aqueles que desejam prosseguir com o rastreamento, sendo que, em casos de baixo risco, esse intervalo pode ser aumentado. Também são importantes as campanhas de conscientização sobre o tema, com enfoque na característica majoritariamente assintomática do câncer de próstata. Esse rastreamento, todavia, não é para sempre. Ele deve ser interrompido em algum momento de acordo com a idade, riscos, preferências e expectativa de vida do paciente.
Além disso, Fabrício destaca que, ao contrário do câncer de colo uterino – no qual intervenções nas mulheres podem evitar o surgimento desse tumor -, no câncer de próstata isso ainda não é possível. “Por isso a importância do diagnóstico precoce. Mas medidas gerais como controle do tabaco, prevenção ao abuso do álcool, promoção de atividade física, alimentação saudável e combate à obesidade devem ser estimuladas para diminuir a prevalência das mutações celulares que levam a essa doença”, completa.
*Bernardo Marchiori, estagiário sob supervisão do editor Wendell Guiducci