As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte no Brasil, e, por isso, pesquisadores da área de saúde buscam formas de entender aspectos que possam reduzir esses índices. Fernanda Marcelina Silva, doutora na área de nutrição, foi uma das pesquisadoras que desenvolveu um estudo para identificar os impactos do consumo de leite na saúde dos indivíduos. Os resultados da pesquisa mostraram que o consumo de leite superior a 260 ml por dia para homens e 321 ml por dia para mulheres reduziu o risco de morte por doenças cardiovasculares em 66%.
A pesquisa desenvolvida faz parte de um projeto maior, que é o Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A doutora explica que foi realizada a observação de cerca de 15 mil servidores de seis instituições públicas, localizadas em diferentes capitais brasileiras. “Em cada centro de investigação do estudo, os sujeitos da pesquisa fazem exames e entrevistas de 4 em 4 anos, aproximadamente, para avaliar a saúde e investigar fatores socioeconômicos, comportamentais e outros”, explica. Dessa forma, foram coletadas informações sobre o consumo alimentar dos indivíduos, tratando do consumo de leite e derivados, entre 2008 e 2010. As informações sobre os óbitos por doenças cardiovasculares foram obtidas por meio das ligações telefônicas anuais, até o ano de 2018.
Utilizando alguns critérios de exclusão no início da análise, a pesquisadora conta que o estudo trabalhou com cerca de 7 mil participantes. Ela ressalta, ainda, que a pesquisa foi realizada de modo a ser possível avaliar se a relação entre consumo de laticínios e risco de morte por doenças cardiovasculares ocorre, independentemente, de fatores sociodemográficos e comportamentais dos participantes.
O diferencial deste estudo é que ele avaliou esta realidade no Brasil, enquanto, no geral, as pesquisas que investigaram a relação entre consumo de laticínios e risco de morte por doenças cardiovasculares foram realizadas em países desenvolvidos. Por isso, há diferenças que estão relacionadas tanto ao consumo de leite e derivados quanto ao consumo de outros grupos de alimentos, que podem não ocorrer da mesma forma entre os brasileiros. “Os países desenvolvidos, principalmente os da Europa, tendem a ter um maior consumo de leite e também de outros tipos de laticínios, quando comparados com o Brasil. Aqui, o laticínio mais comumente consumido é o leite”, explica.
Dificuldade de acesso a produtos saudáveis
Fernanda Marcelina Silva ressalta que, embora o Brasil seja um importante produtor de leite, o consumo desse alimento por parte dos brasileiros, se comparado com o das populações de outros países, é bem abaixo do esperado. Ela relembra que há dados da Pesquisas de Orçamentos Familiares (POF) de 2017 e 2018 que mostraram que, embora a redução na aquisição de laticínios tenha ocorrido em diferentes realidades, há uma maior aquisição per capita de laticínios de acordo com o aumento da renda familiar mensal, evidenciando as desigualdades no acesso a esses alimentos entre os brasileiros. “Certamente, hoje, a situação é ainda mais grave com a alta de preços”, pontua.
Além do leite, estudos recentes na área mostram que alimentos naturais e orgânicos costumam ter muitos benefícios para prevenir os casos de doenças cardiovasculares. O médico cardiologista Ulisses Pereira Mendonça comenta que, atualmente, entre os especialistas, são mais indicadas dietas mediterrâneas para indivíduos que buscam uma vida mais saudável. “O problema é que o custo disso no Brasil é extremamente caro. Vemos, por exemplo, alimentos realmente naturais custando duas ou três vezes mais caro do que as demais opções ultraprocessadas e com conservantes”, explica.
Ele afirma que, como a grande maioria das pessoas não tem acesso a esses produtos, há mais riscos especialmente para “populações com menos poder aquisitivo”. Para ele, uma alimentação correta para evitar os riscos das doenças cardiovasculares envolve o consumo de legumes, verduras e frutas.
Riscos dos ultraprocessados
Um dos fatores que impulsionou a pesquisa foram os dados que mostraram um aumento significativo na participação de alimentos prontos para consumo e uma redução de alimentos “in natura”, dentre eles o leite, na alimentação dos brasileiros. De acordo com a POF das últimas décadas, ocorreram quedas contínuas nas quantidades médias per capita adquiridas de leite, passando de 44,4 kg durante 2002 e 2003, para 25,8 kg em 2017 e 2018, o que significa uma queda de quase 50%.
De acordo com o especialista Ulisses Pereira, isso deixa em evidência uma mudança no padrão alimentar. Para além do leite, nota-se na sociedade uma preferência pelo consumo de ultraprocessados, como tem acontecido nos últimos anos, e isso deixa impactos para todas as doenças que estão relacionadas com as doenças cardiovasculares, como obesidade, hipertensão e diabetes. “Os alimentos ultraprocessados são aqueles que encontramos em prateleiras, alimentos enlatados, embutidos, congelados e etc. Eles apresentam riscos não só por inflamar o corpo e gerar muitas substâncias inflamatórias, mas por aumentar o peso, o colesterol e os níveis glicêmicos, tendo alto teor de sódio e açúcar”, diz.
De acordo com o cardiologista José Dondici, é possível notar essa alteração maior, pois, ao longo dos anos, as dietas vêm mudando por conta dos nossos hábitos e das necessidades. Para ele, atualmente, a primeira coisa que vem ocorrendo de errado é comer exageradamente, sem de fato haver fome. “O volume de comida é muito grande, e a qualidade é muito pior por conta dos produtos feitos para a massa. Isso prejudicou muito nossa saúde”, diz. Ele ressalta que o uso de agrotóxicos e de conservantes tornam ainda pior esse cenário.
Dondici acrescenta que não acredita, no entanto, que exista um alimento “milagroso” e ressalta que é importante sempre manter o equilíbrio na dieta, sem exagerar na quantidade. Ele destaca, ainda, que há outros hábitos saudáveis que são tão importantes quanto à alimentação.
Importância da rotina saudável
De acordo com Dondici, é de conhecimento atual da área da cardiologia que 20% das doenças cardiovasculares são produzidas pela herança genética, 30% pelo ambiente em que os indivíduos vivem (sendo afetados por fatores como estresse e poluição) e os outros 50% são atribuídos aos hábitos e modo de viver. “Isso inclui dietas inadequadas e distúrbios de sono, por exemplo”, diz.
Para o cardiologista Ulisses, recomendações importantes são priorizar uma alimentação saudável que tenha legumes, verduras e frutas, dentro das possibilidades de cada um. Além disso, ele revela que é igualmente importante praticar exercícios físicos, não fumar e controlar o estresse e ainda tentar ter uma vida o mais saudável possível dentro da rotina cotidiana.