A demora para a realização de cirurgias eletivas no município tem prejudicado milhares de juiz-foranos que dependem dos procedimentos no SUS. A fila de espera tem, atualmente, 4.396 pacientes, e a situação é complicada já que os casos de urgência e emergência são priorizados, aumentando a incerteza de quem aguarda ser chamado. Entre os principais entraves estão a quantidade reduzida de leitos disponíveis e a falta de profissionais. Por conta da demanda reprimida, um inquérito sobre a realização de neurocirurgias foi instaurado pelo Ministério Público, que também solicitou que o Município atenda o pedido do Ministério da Saúde para unificar as filas de espera em um cadastro único e envie as informações sobre os usuários que aguardam cirurgias até esta quinta-feira (25).
Segundo dados da Secretaria de Saúde, foram realizadas 15.343 cirurgias eletivas pelo SUS em 2016, com uma média de 1.279 intervenções mensais. A maioria dos procedimentos teria sido realizada por meio de convênio com hospitais privados. No entanto, neste ano, a Ouvidoria Regional de Saúde recebeu mais de 200 manifestações de usuários pedindo ajuda para ter acesso a cirurgias eletivas. Conforme a ouvidora regional, Samanta Borchear, a principal preocupação é com casos em que o quadro do paciente se agrava, tornando a demanda urgente e trazendo mais riscos.
“Temos recebido pessoas que aguardam cirurgias que, antes, eram eletivas e simples de fazer, mas acabam migrando para a urgência com um quadro muito agravado. No caso das cirurgias de vesícula, por exemplo, cuja expectativa de realização era de até três meses, hoje há pacientes esperando há mais de um ano. As cirurgias de urgência ocupam todas as vagas das eletivas, e há números reduzidos de profissionais principalmente nas subespecialidades, para cirurgias de joelhos, de mãos e pés. A pessoa fica mais doente, com mais dor e mais sofrimento e acaba tendo que esperar”, afirma Samanta.
É o caso do pedreiro Agostinho Sebastião da Silva, de 78 anos. Ele espera por uma cirurgia de catarata desde dezembro do ano passado e, durante esse tempo, tem sofrido com o agravo dos sintomas da doença. “A cirurgia seria para o olho esquerdo, mas os dois estão ruins, porque a situação foi se agravando de uns tempo para cá. Praticamente não saio de casa e não posso fazer nada, porque não consigo ler e ou sair sozinho. A gente fica indignado, porque, além de mim, há milhares de pessoas esperando.”
Segundo a filha do idoso, Flávia Terezinha da Silva, a cirurgia deveria ser realizada por meio de convênio na Agência de Cooperação Intermunicipal em Saúde Pé de Serra (Acispes), mas a informação que ela recebeu, há cerca de um mês, era de que, por falta de recursos, as cirurgias não estavam sendo realizadas. “Meu pai está praticamente cego, e está em depressão por conta disso. Ele trabalhava como pedreiro, mas agora está parado. Dentro de casa, ele tropeça e esbarra nos móveis. Na Acispes me informaram que não tem previsão sobre quando vão chamar os pacientes. Procurei saber o valor da cirurgia em um hospital privado, e não sai por menos de R$ 3.600.”
Acispes
Procurada pela Tribuna, a diretoria clínica da Acispes informou que são realizadas, por mês, cerca de 80 cirurgias resultantes do convênio com a Prefeitura de Juiz de Fora. Sobre a situação do idoso, a assessoria de comunicação da Secretaria de Saúde, informou que a previsão para realização da cirurgia era para o mês de abril, mas a demanda do Ministério da Saúde sobre a fila de espera para cirurgias eletivas atrasou as execuções. No entanto, conforme a assessoria, a previsão é que o procedimento seja realizado em junho, visto que os processos já estão normalizados.
Valor da tabela SUS é outro entrave
De acordo com a secretaria, as cirurgias eletivas são feitas por meio da atenção secundária. São oferecidas no município cirurgias de cardiologia, ortopedia, ginecologia, angiologia, oftalmologia, gastroenterologia, cirurgias clínicas, pediátricas e plásticas. O paciente se consulta com um médico especialista, e este, constatando a necessidade de uma cirurgia eletiva, encaminha o pedido para a central de guias, onde os procedimentos são marcados. Apesar de o processo de marcação parecer simples, o gerente do Departamento de Apoio, Diagnóstico e Terapia, Sydney Castro, afirma que a secretaria encontra entraves. “O Ministério da Saúde precisa reconhecer que a oferta de profissionais especializados é baixa e traçar políticas para que os municípios tenham mais acesso a eles. A revisão dos preços dos procedimentos do SUS também precisa ser revista com urgência, pois dificulta para qualquer município negociar com os hospitais prestadores do serviço oferecendo preços baixos.”
O Município tem cerca de dez hospitais conveniados com a rede pública e faz contratações complementares, já que o HPS não recebe recursos para a realização de cirurgias eletivas. Ainda assim, algumas delas são custeadas pelo Poder Público. Apesar disso, o número de leitos é insuficiente, aumentando a espera. “O tempo é bem relativo. Há casos em que o paciente é operado em três meses. Para fazer um cateterismo, espera um mês. Já no caso de cirurgia para as mãos, que a cidade só tem um profissional, pode demorar de seis meses a um ano. Além disso, se o leito estiver sendo utilizado para uma demanda de urgência e emergência, a cirurgia eletiva acaba sendo penalizada”, explica Sydney Castro.
Para o presidente do Sindicato dos Médicos, Gilson Salomão, tanto a falta de reajuste da tabela do SUS como a resistência em habilitar mais leitos dificultam as soluções. “É um conjunto de fatores que agrava a situação, mas é necessário compreender que há intercorrências que devem ser sanadas para resolver os problemas. O Ministério da Saúde considera que temos leitos suficientes para suprir as demandas, e, com isso, novos credenciamentos são dificultados, o que também prejudica o município.”
Municípios têm até quinta para se cadastrar
A Promotoria de Defesa da Saúde enviou ofício para os prefeitos de Juiz de Fora, Chácara e Coronel Pacheco reforçando o prazo estabelecido pelo Ministério da Saúde para envio dos dados das filas de espera dos municípios. O objetivo é elaborar um cadastro único, possibilitando que os pacientes possam ser encaminhados para cidades próximas, deixando de limitar as cirurgias apenas às suas cidades de origem, e liberar R$ 360 milhões para a realização de mutirões. Conforme o promotor Jorge Tobias, a expectativa é que, após a atualização do cadastro, toda a demanda reprimida de neurocirurgias seja extinta. Questionado sobre a possibilidade de instaurar um inquérito sobre a fila de espera para as outras especialidades, o promotor afirmou que será necessário estudar se ainda haverá demanda após a atualização do cadastro único proposta pelo Ministério da Saúde.
Na semana passada, a promotoria também propôs uma ação civil pública contra o Município de Juiz de Fora, o Estado de Minas Gerais e a Santa Casa de Misericórdia para a elaboração de um cronograma de neurocirurgias em Juiz de Fora. De acordo com a ação, o hospital é o único habilitado para realizar neurocirurgias de alta complexidade, mas entre julho de 2015 a julho de 2016, das 6.368 solicitações, 5.717 foram negadas com a justificativa de não haver leitos suficientes. Conforme processo eletrônico disponível no site do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), uma reunião de conciliação foi marcada para a próxima segunda-feira (29), com o objetivo de buscar uma solução para o problema.
Mais hospitais
Para o coordenador regional das promotorias de Saúde, Rodrigo Barros, uma das ações mais diretas seria a solução dos imbróglios envolvendo o Hospital Regional e o Hospital Universitário (HU). “O Hospital Regional já deveria ter sido inaugurado há muito tempo, mas por conta da deficiência financeira e administrativa, verificamos que, até o presente momento, a obra não teve seguimento e não foi finalizada. O HU também não se concretizou, e a demanda vem crescendo, assim como os processos judiciais para garantir internação, problema que também causa dificuldade, pois acaba se formando uma fila distinta. Por outro lado, o Ministério da Saúde tem uma visão míope, pois deixa de considerar o problema da falta de leitos e não credencia outros hospitais para neurocirurgia, por exemplo, porque o Município não bate as metas”, lamenta.