O Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (Inpi) concedeu patente a pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) pela criação de uma formulação fitoterápica com atividade cicatrizante que contém extrato de embaúba. O estudo foi desenvolvido no Laboratório de Produtos Naturais Bioativos da UFJF, lotado no Instituto de Ciências Biológicas, e descobriu o composto que pode vir a se tornar um produto que atenda pessoas com doenças que causam dificuldades no processo de cicatrização, com a diabetes.
A farmacêutica e professora universitária Ana Paula do Nascimento Duque, uma das participantes da pesquisa, conta que teve contato com o estudo durante o mestrado e o doutorado. Na época, a linha de pesquisa, se dedicava a entender a atividade hipoglicemiante da planta, para o controle da diabetes mellitus. “Sempre observamos o que chamamos de etnobotânica e etnofarmacologia. Percebemos na comunidade como as pessoas costumam usar as plantas, desde os primórdios. Em seguida, vêm os estudos científicos.
Ela explica que os pesquisadores começaram a estudar os constituintes químicos da embaúba, que poderiam estar associados à atividades farmacológicas. O potencial cicatrizante foi um dos efeitos observados. “Um dos animais que tínhamos, respeitando a todos os protocolos de ética, se coçou e abriu uma feridinha. A Daniele (outra pesquisadora participante) aplicou e viu que a cicatrização ocorreu de maneira mais rápida. Quando entrei, a professora Elita me perguntou se gostaria de estudar mais a fundo.”
Segundo Ana Paula, na época, ainda não havia uma linha de pesquisa do laboratório que se dedicasse ao processo de cicatrização. “Sentamos com toda a equipe e começamos a desenvolver todos os protocolos para fazer os testes de cicatrização.” O trabalho do grupo se dedicou à análise dos componentes da planta, das suas propriedades e, até mesmo, da necessidade da sociedade.
O fato de a embaúba fazer parte da flora da região contribuiu para as pesquisas, segundo Ana Paula. “De certa forma, é uma planta bem conhecida, embora tenham mais espécies. Então nos propusemos a fazer o estudo. Quando terminamos o mestrado, submetemos a proposta de patente. Agora fomos agraciados com essa notícia, que acaba sendo um norte, não só para os nossos estudos e projetos”, comemora Ana Paula.
Produto final deve ser de fácil aplicação
Depois desse trabalho, outras linhas de pesquisa vieram, não só com base na embaúba, mas também em outras plantas nativas. O composto, além de ser um caminho para pessoas com dificuldade de cicatrização, também poderá ter eficácia em animais, de pequeno e de grande porte. A preocupação, de acordo com Ana Paula do Nascimento Duque, é sempre melhorar a forma de fazer. “Trazer produtos que sejam naturais, baseados em tecnologia limpa e com modo de produção que não agrida ao meio ambiente em seu processo. Temos trabalhado cada vez mais nisso, e estamos sempre abertos ao mercado, fazendo com que as indústrias e empresas tenham interesse em desenvolver produtos nessa linha.”
Inicialmente, segundo Ana Paula, ela e os pesquisadores Elita Scio Fontes, Danielle Maria de Oliveira Aragão, Nícolas de Castro Campos Pinto e Maria Christina Marques Nogueira Castanon, vinculados ao Instituto de Ciências Biológicas (ICB), pensaram em algo que pudesse ser usado direto na pele, como um gel. Mas de 2013 para cá, a tecnologia permitiu o aprimoramento das fórmulas, e o composto pode vir a ter outra forma. A ideia, entretanto, é que o produto final a ser desenvolvido seja algo de fácil aplicação.
Ainda de acordo com a pesquisadora, mesmo com todos os testes já concluídos, para que o fitoterápico chegue às mãos das pessoas será necessário fazer uma certificação com grupos maiores. Ela acredita que, com a divulgação maior dos processos científicos em razão da busca por uma vacina contra a Covid-19, as pessoas puderam passar a entender melhor como isso se dá. “É interessante também que, com a pandemia, muitas coisas do processo de fabricação de produtos farmacêuticos são vistas e, talvez, melhor entendidas pelas pessoas. Não é um processo muito rápido, infelizmente. Claro que tivemos vários laboratórios estudando a vacina, o que ajudou a acelerar o processo, mas depende de mais estudos”, detalha.
Feito a várias mãos
Sobre os desdobramentos e benefícios da descoberta do composto, a pesquisadora aproveita para destacar que este tipo de estudo é feito, justamente, para dar um retorno à sociedade. “É interessante que as pessoas saibam que não é um algo que aparece do nada. É um trabalho realizado por muitas mãos. É um processo feito por uma universidade pública. É o povo que investe nesse tipo de estudo, por meio dos impostos que paga. Precisamos lembrar que esse trabalho também envolve muitos investimentos. Os protocolos são caros, os equipamentos são caros. Exige um financiamento robusto. Mas isso mostra a importância da Ciência.”
Para ela, o reconhecimento desse trabalho por meio da patente é importante em vários sentidos, não só por apresentar uma possibilidade de tratamento, mas também por reforçar a necessidade de tratar doenças urgentes, de valorizar a rica flora brasileira e, também, por incentivar outros pesquisadores. “Vale a pena estudar e se dedicar a essas novas fórmulas, que podem gerar produtos que atendam às necessidades da população”, diz Ana Paula.