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Juiz de Fora tem o primeiro caso de síndrome congênita do zika vírus

Família se dedica hoje aos cuidados de Ana Laura, que está com 1 ano e 2 meses (Foto: Olavo Prazeres)
Família se dedica hoje aos cuidados de Ana Laura, que está com 1 ano e 2 meses (Foto: Olavo Prazeres)
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Ana Laura Correia Fernandes tem 1 ano e 2 meses. Nascida em novembro de 2015, ela veio ao mundo com um quadro delicado: após um parto prematuro, a mãe, Jéssica Santos Correia da Silva, 25, foi informada que a menina era anencéfala e portadora de hidrocefalia, ou seja, acumulava líquido no crânio. O impacto da notícia deixou indignada a família, diante da contrariedade de exames do ultrassom morfológico, feito em agosto daquele ano, que demonstrava a presença da massa encefálica no crânio. Após o nascimento, Ana Laura ficou na Santa Casa por 84 dias, onde foi submetida a duas cirurgias para implantação de válvulas que ajudam a diminuir a pressão do líquido da cabeça. Desde então, ela vive com os pais e a avó no Bairro Santa Luzia, onde recebe intensos cuidados que são fruto de um amor incondicional.

O caso é o primeiro diagnosticado como síndrome congênita de zika vírus em Juiz de Fora, notificado ao Município este mês. Após descobrirem que a criança apresentava quadro de epilepsia, os pais procuraram o neurologista infantil e professor da UFJF, Adriano Miranda. O médico, que hoje também é vereador, mergulhava à época em estudos sobre os mecanismos de transmissão do zika vírus no Brasil, inclusive publicando um artigo em revista especializada. Ele questionou a mãe se ela havia passado por infecção viral na gestação e orientou Jéssica a realizar exames para entender se o quadro infeccioso poderia indicar a incidência de zika nela e no bebê. Para Jéssica, o resultado foi positivo, enquanto para Ana Laura, negativo.

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“Na época de sintomas, não cheguei a procurar o médico, foi no final de setembro de 2015, eu tive dor nas articulações, caroços nas pernas que coçavam, febre branda. E o alerta para casos de microcefalia, para procurar as unidades de saúde, só vieram em novembro de 2015. Uma semana depois que ela nasceu, começaram a mostrar crianças que tinham o problema. Eu morava no Ipiranga, mas há muitos anos, eu já havia morado no Rio, onde tive dengue três vezes. Não sabia que podia ser algo relacionado ao Aedes”, conta a mãe, que hoje tem pleno domínio da situação que envolve a criança e se preocupa com novos casos envolvendo gestantes por ação do Aedes aegypti.
Para o médico, mesmo tendo passado um tempo após os sintomas, o contexto clínico epidemiológico da zika foi um fator crucial para se debruçar sobre o caso e entender o que de fato teria levado ao desaparecimento da massa encefálica da criança em questão de meses. O pediatra que acompanhava Ana Laura já havia descartado a possibilidade de toxoplasmose, rubéola ou caxumba. Assim, Adriano levou a questão para estudos de especialistas em zika no Rio de Janeiro, onde atestaram que só a ação do vírus consumiria a massa encefálica do bebê em um curto espaço de tempo. “Tudo aconteceu da 25ª semana até a 32ª. Foi um tempo curto, mas que o vírus atuou de forma agressiva no cérebro da criança. O zika tem afinidade com o sistema nervoso central, provoca pequenas má formações e faz com que o cérebro não se desenvolva de forma adequada, como é o caso da microcefalia, que ocorreu com maior incidência durante a epidemia”, explica.

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“Quadro incompatível com a vida”

A situação de Ana Laura é considerada pela medicina como um caso raro diante das condições de funcionamento dos demais órgãos, mesmo com a ausência do cérebro. “O que aconteceu com ela é um caso raríssimo, um quadro incompatível com a vida. Como ela foi acometida em uma fase mais avançada, o tronco cerebral, que é a estrutura responsável pelas funções vitais, já estava muito bem desenvolvido: batimentos cardíacos e a parte respiratória. Mas infelizmente ela não interage, não enxerga, faz um movimento ocular porque o tronco está funcionando, mas é um comando do tronco, que assumiu aquelas funções que a permitem sobreviver”, explica o médico Adriano Miranda.
A mãe explica que todo o esforço é necessário para cuidar da criança. Ainda durante a gravidez, ela trancou a matrícula na faculdade e deixou as funções no call center onde trabalhava, para evitar transtornos na gestação. Com o nascimento de Ana Laura, dedica-se integralmente com o apoio do pai, Frejat Fernandes de Oliveira, 26, e da sogra. “Graças a Deus, ela não se alimenta por sonda. E é muito estimulada, faz fisioterapia, hidroterapia, fonoaudiólogo, o acompanhamento com pediatra e neurologista é quase mensal. Tudo que a gente pode fazer para estimulá-la, a gente faz. Infelizmente a medicação é cara, mas Deus nos dá muita força pra nossa batalha, e a nossa família nos ajuda demais.”
A família pretende agora fazer uma coleta de material dos pais e do bebê para a realização de exames específicos sobre zika por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP). Além disso, entraram com um processo judicial em janeiro do ano passado para conseguir o benefício de prestação continuada, que é garantido pela Constituição Federal, junto ao INSS. “Temos gastos com fraldas, remédios, leite e medicamentos. Só de anticonvulsivante, ela toma três. E infelizmente não podemos colocar numa creche porque não vai ter gente preparada para cuidar dela. Hoje temos um apoio imenso da nossa família, mas uma família que não está preparada, não tem estrutura, é muito mais difícil”, explica Jéssica.

Alerta contra o Aedes

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Diante da situação da menina que nasceu anencéfala, a família faz um apelo para que as pessoas redobrem a atenção em relação aos criadouros do Aedes aegypti, mosquito que não transmite apenas zika, mas dengue, chikungunya e febre amarela. “Já vi casos de bueiros entupidos que acumulam água na rua e denunciei ao poder público. Vizinhos que deixam água parada em seus terrenos e nem sempre têm a dimensão de que isso vai prejudicar todo mundo”, desabafa Jéssica. Além disso, a família cobra o preparo de equipes de saúde para lidar com casos como a gestação de Jéssica. “Serão muitas crianças nessa situação, e nesse verão pode ser pior. Esse caso não é rotineiro, como aconteceu na maioria das crianças. É para alertar a população, uma médica que nos atendeu foi completamente despreparada para a situação. Infelizmente nada que a gente faça vai trazer o cérebro dela de volta, mas queremos quebrar o preconceito, que dificulta, principalmente, no acesso à medicação”, afirma o pai da criança, Frejat Fernandes.

Notificação

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Em um período no qual houve a epidemia de dengue, como no ano passado, a notificação dos casos torna-se um fator preponderante para a aplicação de recursos para combater o avanço da doença. O nascimento de Jéssica em novembro de 2015, não chegou a se enquadrar no período em que a notificação dos casos de zika passou a ser obrigatória pelo Ministério da Saúde, em fevereiro de 2016. Como o diagnóstico ocorreu recentemente, a Secretaria de Saúde foi notificada pelo médico na semana passada. A chefe do Departamento de Vigilância Epidemiológica e Ambiental, Michele Freitas, esclarece que um esforço tem sido realizado junto aos médicos para que não deixem de notificar os casos diagnosticados. A burocracia no processo de notificação é um dos entraves apresentados pelos profissionais, diante da necessidade de preenchimento de longos formulários, mas segundo Michele é possível se distribuir as funções de preenchimento para toda a equipe. “Durante uma epidemia, é complicado porque são muitos atendimentos, mas desde que as equipes estejam distribuídas, teremos o número real se todos notificarem e, a partir desse número, conseguiremos recursos e ações de controle e prevenção”, afirma.

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