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Após um ano, deslizamento em encosta segue sem obras de contenção na Zona Leste

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Cratera exposta na Rua Rosa Sffeir tem servido como depósito de lixo, entulho e até móveis velhos (Foto: Felipe Couri)
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Prestes a completar um ano, o deslizamento de terra na encosta entre as ruas Rosa Sffeir e Vitorino Braga segue preocupando moradores da região. O solo cedeu na noite do dia 11 de janeiro de 2022, durante um período intenso de chuvas. Na época, mais de 40 casas foram interditadas. Três desses imóveis, que ficavam na Rua Rosa Sffeir, foram demolidos devido ao risco iminente de desabamento.

No lugar onde antes ficavam as casas, hoje existe uma cratera exposta que tem servido como depósito de lixo, entulho e até móveis velhos. A moradora Adriana Aparecida conta que já encontrou geladeira e sofá descartados no barranco. A situação é crítica e piora tendo em vista o período chuvoso. Nem mesmo a lona de proteção, que foi colocada em fevereiro, permanece no local.

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“Aqui a terra desce direto quando chove. O buraco já está aqui”, diz Adriana, enquanto aponta para um trecho da Rosa Sffeir no qual o asfalto cedeu até metade da pista. Segundo ela, mesmo com a situação precária, motos, carros e caminhões pesados seguem transitando pela via. Uma defensa metálica foi instalada no início do trecho e na borda da cratera, para evitar que o precipício ficasse exposto. No entanto, a estrutura de metal não impede o tráfego de veículos. “Deste ponto em diante ainda tem morador, a maioria tem carro, tem criança e acaba passando. Isso aqui, do jeito que está esburacando, não vai demorar a ceder não. E se isso descer, vai levar as casas junto.”

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Adriana mora em uma casa bem em frente à cratera. De acordo com ela, a Defesa Civil não interditou o imóvel, o que não a conforta em dias de chuva, quando o sono é perdido mediante qualquer barulho. “Eu me preocupo com os outros moradores aqui da rua. Uma moça com os filhos ainda pequenos mora em uma casa que está interditada, mas ela não tem para onde ir. Isso é a realidade de muitos. Quando acontece deslizamento é em um segundo. Ficamos sempre em alerta.”

Encosta, além de preocupar os moradores da parte de cima, tira o sono também de quem vive na base dela, na Rua Vitorino Braga (Foto: Felipe Couri)

Rua Vitorino Braga sem solução

A mesma encosta, além de preocupar os moradores da parte de cima, tira o sono também de quem vive na base dela, na Rua Vitorino Braga, no bairro homônimo. O terreno que cede na Rua Rosa Sffeir, carreia para os fundos de diversas residências, a maior parte delas já desocupada. O comerciante Adailton Aristeu precisou deixar sua casa em janeiro, depois que a parte dos fundos foi tomada pelo barro. Desde então, ele vive com a ajuda do aluguel social, recebendo da Prefeitura de Juiz de Fora (PJF) R$ 600 ao mês. “Mas não é o suficiente, preciso inteirar R$ 400 para fechar a conta.”

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Em fevereiro, a prefeita Margarida Salomão (PT), junto de uma comitiva de vereadores, esteve no local e propôs uma solução em três etapas. A primeira delas seria a demolição de prédios na Rua Rosa Sffeir, que estariam contribuindo para o escorregamento do solo. A segunda parte seria a instalação de uma lona impermeável, para evitar a infiltração de água e conter novos deslizamentos. A terceira medida consistia em uma série de estudos, para avaliar a interdição do trecho onde ocorre, nas palavras da prefeita, a “avalanche” de lama. “Vamos ouvir os técnicos da Secretaria de Mobilidade Urbana (SMU) e da Defesa Civil, pois é uma interdição de muito impacto para todo o trânsito daquela região que leva à parte Leste da cidade”, afirmou em vídeo publicado em fevereiro nas suas redes sociais.

De todas essas etapas, ao que parece, apenas a primeira foi concluída. A demolição de três imóveis terminou no dia 15 de fevereiro. “Não tem lona impermeável, não teve nenhuma obra de contenção e, quando chove, desce aquela lama toda, que vai parar até na rua”, afirma Adailton. Ele lamenta a falta de diálogo do Executivo com a população. “Desde fevereiro não temos informação da obra, quando vai ser, como vai ser feita, se tem algum projeto, ficamos apenas com a promessa de que uma verba vai sair para viabilizar isso tudo.”

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A reportagem também esteve em contato com o morador Flávio Guarizes, que mora em frente à casa de Adailton. Ele lembra, com tristeza, a saída dos vizinhos de tantos anos. “Foi terrível quando aquilo (o deslizamento) aconteceu. É um trabalho de uma vida toda ter uma casa para morar.” Flávio comenta que os moradores dos imóveis da frente também ficam preocupados, pois, toda vez que chove, a impressão é de que o morro desce mais. “As casas desse lado da rua acabaram segurando a terra, mas nós temos medo. Se for fazer uma obra aqui, não vai ser coisa fácil não.”

Embora a maior parte dos moradores tenha abandonado as casas, alguns não têm essa opção. Renato Kelmer segue vivendo na Rua Vitorino Braga, mesmo com o barranco cedendo na parte de trás da residência. Ele é dono de uma oficina e afirma que não tem condições de alugar um outro espaço que comporte o maquinário pesado. “Se eu for pagar um aluguel para morar e outro para colocar minhas coisas, não compensa, por isso vou ficando por aqui.”

No Bairro Três Moinhos, desabamento de terra, também em janeiro, deixou a encosta exposta, pondo em risco centenas de famílias na região (Foto: Felipe Couri)

Solo exposto aumenta risco de deslizamentos

Da forma como está, a cratera na Rua Rosa Sffeir aumenta o risco de desmoronamento do solo, explica o professor da Faculdade de Engenharia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Márcio Marangon. De acordo com ele, em casos de deslizamento de terra o solo mais fundo fica exposto e se torna um facilitador da absorção de água. “A incidência de chuva faz com que a água entre no solo e o torne mais pesado. A água entra e ocupa os espaços que antes estavam vazios.” Ele ainda explica que esse fenômeno aumenta a densidade do solo e prejudica a resistência do material, fazendo com que a terra fique menos firme.

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Outro agravante é a alternância entre semanas secas e chuvosas. Durante dias quentes, a água evapora da terra, o solo fica mais seco e pode ocorrer a formação de fendas e trincas. Com o retorno da chuva, a água entra na fenda e gera uma maior pressão. “Por isso a importância da lona vinílica, para evitar que a água penetre com tanta intensidade.” Questionada sobre a ausência da lona nos locais citados, a Prefeitura de Juiz de Fora afirmou que o equipamento foi retirado para realização de um estudo de solo, finalizado na última semana. “A Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros vão realizar a instalação de nova lona vinílica no local nos próximos dias”, afirmou, por meio de nota.

Marangon ressalta que, enquanto o projeto é feito, o local não pode ficar abandonado. “Enquanto não se viabiliza a obra é preciso ter um monitoramento e uma proteção da área afetada.” Intervenções como desvios de água da chuva através de sarjetas, por exemplo, são uma alternativa para minimizar a infiltração no solo. Ele ainda explica que o ideal seria encaixar as obras de contenção entre abril e setembro, período com menos chuvas na região.

“Juiz de Fora deve ter como prioridade políticas que tratam do deslizamento de terra, condição adversa de toda Zona da Mata. A Prefeitura deveria trabalhar com ênfase essa questão e ser prioridade na Administração pública. Nossa região possui naturalmente uma topografia acidentada, e as comunidades mais pobres avançam pelos morros. É uma questão não só de infraestrutura, mas de preservação de vidas humanas”, finaliza o professor.

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PJF promete recurso de R$ 2,5 milhões para obra de contenção

Sobre as obras de contenção entre as ruas Rosa Sffeir e Vitorino Braga, o Executivo afirmou ter captado R$ 2.488.163,49 destinados à intervenção. No momento, um projeto está sendo elaborado com previsão de entrega para janeiro de 2023. A Defesa Civil ainda afirmou que orienta a população e encaminha ações para mitigação do risco, como colocação de leira para desvio da chuva e instalação de lonas.

Sobre o trânsito de carros na Rua Rosa Sffeir, a Secretaria de Mobilidade Urbana afirmou que a via segue interditada. “Uma defensa metálica foi instalada pela SMU no local por duas vezes, mas foi retirada de forma irregular pela população.” A PJF não se manifestou quanto a fiscalização no local e o descarte irregular de entulhos e móveis usados.

Rua João Luzia

A reportagem também visitou a Rua João Luzia, no Bairro Três Moinhos. Na região, um desabamento de terra, também em janeiro, deixou a encosta exposta, pondo em risco centenas de famílias na região. Quando a Tribuna esteve no local não foi constatada lona de proteção, visando a evitar a infiltração de água no barranco. Segundo a Defesa Civil, o equipamento foi retirado para o estudo de solo e seria reparado no último dia 15 de dezembro. A PJF também afirmou que o estudo e o projeto para a região têm previsão de entrega em janeiro de 2023.

Em julho deste ano, a Prefeitura anunciou verba de R$ 7.774.538,08 em recursos federais para serem aplicados na reconstrução de áreas afetadas pelas chuvas de janeiro. Além da Rua Rosa Sffeir, que receberá maior parte do recursos, R$ 2,8 milhões, a Administração afirmou que o dinheiro vai contemplar intervenções também na Rua João Luzia, com o valor de R$ 1.834.095,25.

O restante da verba será destinada a Rua Stelina Jesus de Oliveira Ponciano, no Linhares, com o valor de R$ 1.006.223,00; a Rua Maria Florice, no Três Moinhos, com o valor R$ 925.661,83; a Rua Augusto Vicente Vieira, no Bairro São Tarcísio, com o valor de R$ 512.661,90; a Rua Francisco Rodrigues Silva, no Santo Antônio, com o valor de R$ 388.293,97; a Rua João Abreu Filho, em Ponte Preta, com o valor de R$ 318.211,16; e a Rua Alberto Agapito Ferreira, em Santa Luzia, com o valor de R$ 301.227,48.

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