O carro do século! Mas estamos falando do século 20. O Ford T, produzido entre 1908 e 1927, é um item de colecionador nas mãos de poucos privilegiados no Brasil. Pelo menos um deles está na cidade, de acordo com o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), e representa o veículo mais antigo emplacado no município. O Ford T 1926 pertence ao presidente da Associação dos Veículos Antigos de Juiz de Fora (AVA-JF), o mecânico Jorge Levi Mendes Filho, mais conhecido como Jorge Borboleta. Adquirido em 2015, via internet, a relíquia é apenas uma das peças do museu pessoal do colecionador que, entre outros carros, é composto ainda por um Chevrolet Fleetmaster 1948, e um DeSoto 1952.
O Ford T é considerado um divisor de águas da indústria automobilística. Isso porque ele marcou o início do processo fordista de produção, em que a montagem dos carros – que passou das 15 milhões de unidades no caso do T – começa a ser feita em escala e em série, com a participação de várias pessoas. Embora tenha sido considerado um veículo barato e seguro, dirigi-lo não é para todos. A complexidade está na função de cada um dos seus três pedais, que se difere e muito da mecânica moderna. Jorge afirma que precisou estudar e aprender antes de ir para a rua pela primeira vez.
Aliás, passar dos seus 70 quilômetros por hora exige, antes de tudo, coragem. Funciona assim: o pedal da esquerda é responsável pela troca de marchas. Se pisar fundo, engata a primeira, ao meio, o câmbio fica no neutro e, totalmente solto, a segunda.
“Imagine então que a marcha é no pé e o acelerador é no ‘bigode’ da direção. Os freios são estacionários na roda traseira. Você freia o câmbio e trava a transmissão para segurar a roda.”
Apesar de ter 91 anos, o Ford T de Jorge Borboleta, morador do bairro homônimo, na Cidade Alta, está com a mecânica em dia. Em raras aparições, ele pode ser visto circulando pelas ruas no entorno da sua casa, além de exposições de carros antigos, como a que a AVA promove todos os anos no pátio do hipermercado Carrefour. Sua placa é cinza, embora já tenha potencial para ser substituída para a preta, destinada às relíquias. Segundo o dono, antes de iniciar o processo ele ainda quer recuperar algumas características originais, como a pintura dos pára-lamas
Sonho
Criado na oficina do tio, no Centro da cidade, Jorge se habituou desde novo a ter contato com carros importados antigos. Mas o Ford T sempre foi um sonho, que se tornou realidade recentemente, em 2015. Segundo ele, o carro foi anunciado pelo então proprietário, de Foz do Iguaçu (PR), no site Mercado Livre, e depois no portal Maxicar, destinado a veículos antigos.
“Queria fazer troca, mas o dono só queria vender. Disse que iria adquirir o carro de qualquer maneira e comprei, apenas vendo a foto na internet e confiando nas informações dele. Contratei uma cegonheira que o transportou até a entrada da cidade, na BR-040 e, de lá, um guincho trouxe até a minha garagem. Um dos donos ficou com o carro por 52 anos, antes de passar para outras mãos”, disse, elogiando a conservação do carro.
Direção
Os barrigudos tinham dificuldades em dirigir um Ford T. Isso porque o espaço entre o volante e o banco é limitado, impedindo que pessoas maiores entrem no carro com facilidade. Pensando nisso, o automóvel já saía de fábrica com a possibilidade de levantar o volante. Outra alternativa era entrar pelo banco do carona.
“Parece carro de criança, se vira um pouco, vai tudo. Dirigir o Ford T é diferente, e por isso é preciso estudar e treinar antes.”
E por falar em direção, o Ford T pode ser ligado de duas maneiras: com a própria chave ou com uma manícula, na parte dianteira. “Se o arranque estiver funcionando, ele vira na chave, usando o afogador, sem ter que usar a manícula”, explicou Jorge. Já as rodas são um charme à parte. No carro de Juiz de Fora, elas são originais, compostas por ferro e raios de madeira.
Surpresa
Jorge foi informado pela reportagem que seu Ford T 1926 é o mais antigo emplacado em Juiz de Fora. O levantamento da Tribuna foi feito com base no banco de dados do Denatran, portanto, é possível que haja carros ainda mais velhos, embora possam não estar regularizados. Na relação, ainda aparece no município outro Ford e um Chevrolet do mesmo ano, cujos proprietários não foram localizados pela reportagem. No caso deste último, segundo informações de Jorge, pode se tratar de um caminhão.
Ter um Ford 1926 é mesmo para poucos. Afinal, são apenas 52 emplacados em todo o país, conforme dados do Denatran. Em Minas Gerais são somente quatro: dois em Juiz de Fora, um em Muriaé, também na Zona da Mata, e outro em Confins, na região metropolitana de Belo Horizonte.
Uma curiosidade guardada pelo mecânico colecionador, aliás, é que antes mesmo de 1926 já havia a comercialização de veículos Ford em Juiz de Fora. Um recibo de compra, datado de 1918, apresenta a Casa Surerus como agente da fabricante, que vendia e alugava carros, além de bicicletas, lâmpadas e materiais elétricos.
Ficha técnica
Anos de produção: 1908 a 1927
Unidades: mais de 15 milhões
Motor: dianteiro, 4 cilindros, 2.878 cm³ e válvulas no bloco
Potência: 22 cv a 1.600 rpm
Torque: 11,4 mkgf a 900 rpm
Diâmetro x curso: 95×101,5
Transmissão: semi-automática de 2 velocidades
Suspensões: eixo rígido na parte dianteira e molas transversais nos dois eixos
Freios: cintas no câmbio
Rodas: 30 x 3 na frente e 30 x 3,5 atrás
Peso: 700 kg