Ícone do site Tribuna de Minas

Câncer de mama acomete cada vez mais mulheres abaixo dos 50 anos

Julia Pessoa Felipe Couri
PUBLICIDADE

Em 2021, a jornalista Júlia Pessôa foi surpreendida com o diagnóstico de câncer de mama. Sem histórico familiar da doença, ela descobriu um tumor na mama direita e logo iniciou o tratamento para combatê-lo. O diagnóstico veio quando Júlia tinha 35 anos, e a colocou em uma porcentagem ainda pequena, porém crescente, dos casos que acometem mulheres nessa faixa etária.

Segundo a Sociedade Brasileira de Mastologia, os casos de câncer de mama em mulheres com 35 anos ou menos representam de 4% a 5% do total. Esse dado, no passado, era de apenas 2%, o que mostra, segundo os especialistas, uma queda na faixa etária do diagnóstico que, historicamente, atingia, em sua maioria, mulheres a partir dos 50 anos.

PUBLICIDADE

Independente disso, porém, receber a notícia de que se tem câncer é difícil em qualquer idade. Para Júlia, aos 35, foi um susto. “Fiquei com medo. A gente pensa: ‘tem tanta coisa que eu desejo, muitos sonhos para realizar, muitos lugares para ir, muita coisa para fazer’. O câncer se torna um freio obrigatório na nossa vida.” Para ela, foram quase dois anos de tratamento, envolvendo quimioterapia, cirurgias, radioterapia e medicação. Hoje, Júlia faz apenas o controle e o acompanhamento com médicos, e não há evidência da doença.

PUBLICIDADE

Ela lembra que o diagnóstico precoce fez toda a diferença, e nisso, a informação foi essencial. “É muito importante a gente ter conhecimento, tanto técnico, a respeito dos sintomas, de como perceber que tem alguma coisa fora do normal, quanto conhecer outras pessoas que estão passando por aquilo, ou passaram e hoje em dia estão curadas.”

Nesse sentido, é necessário ter em mente que o câncer tem cura, e que o tratamento vai agir de forma única em cada caso. “Esse estereótipo que foi criado acerca do câncer é muito prejudicial, como se a doença fosse uma sentença de morte. A imagem que a gente tem ou é da Carolina Dieckmann raspando o cabelo e chorando, como na novela, ou daquela pessoa que foi curada e se coloca como um milagre, o que também é complicado, porque milagres não acontecem para todo mundo.” Ela conta que tal ideia pode, inclusive, afastar pessoas do diagnóstico, visto que muitos até deixam de fazer os exames de rotina com medo de receber a notícia da doença.

PUBLICIDADE

“Existe aquilo de que quem procura acha. Se achou, beleza, vamos tratar isso.” No caso de Júlia, por não ter histórico de câncer de mama na família, seu caso foi ainda mais raro. Geralmente, quando a doença acomete mulheres mais jovens, suas raízes são genéticas, e exames de rastreio são aconselhados ainda mais cedo. “No meu caso, eu sempre fui muito responsável quando o assunto era saúde, e descobri o nódulo mesmo estando com os exames em dia.”

A fase do tratamento não foi fácil, mas Júlia conta que a todo momento se prendia a coisas que a faziam bem. A moda foi uma delas. “O cabelo sempre foi o meu negócio, eu sempre cortava, mudava de cor, e quando ele começou a cair foi um baque muito grande. Mas a gente aprende a negociar com aquilo que tem. Hoje em dia eu vejo fotos da época que eu estava em tratamento e penso, até que eu segurei o look”, conta, rindo.

PUBLICIDADE
A fase do tratamento não foi fácil, mas Júlia conta que a todo momento se prendia a coisas que a faziam bem. A moda foi uma delas (Foto: Felipe Couri)

Exames de rastreamento permitem detectar a doença mais cedo

Além dos dados da Sociedade Brasileira de Mastologia, artigo publicado na revista Nature Reviews Clinical Oncology também aponta uma maior incidência de alguns tipos de câncer, entre eles o câncer de mama, em pessoas abaixo dos 50 anos. Ele aponta que o aumento do uso de programas de rastreamento, principalmente para câncer de mama, tireoide e próstata pode ter contribuído, em parte, por esse fenômeno.

A Tribuna conversou com duas médicas oncologistas sobre a maior incidência do câncer de mama, especificamente, em mulheres jovens. Christiane Meurer é oncologista clínica e explica que esta queda da faixa etária dos diagnósticos deste tipo da doença tem ocorrido por fatores reprodutivos, como o uso de contraceptivos orais, primeira gestação em idade mais avançada, além de obesidade, sedentarismo, consumo de álcool, entre outros. De acordo com ela, esses fatores podem ter contribuído, desde meados do século XX, para o aumento da incidência do câncer de mama em mulheres na pré-menopausa.

A médica oncologista ressalta que existem subtipos diferentes de câncer de mama, que podem responder melhor ou não ao tratamento, e que as mulheres mais jovens, geralmente, têm um número menor de comorbidades associadas. “Quando as pacientes são mais velhas, podem ter outras doenças, como hipertensão e diabetes, que podem tornar o tratamento mais de risco. O que impacta mesmo para você ter uma boa resposta ao tratamento é descobrir a doença logo no início.”

PUBLICIDADE

Aconselhamento genético

E é no rastreamento da doença que a medicina tem evoluído cada vez mais. Mariana Abad é especialista em oncologia genética e explica que mulheres mais jovens, apesar de serem a minoria dos casos, geralmente são acometidas pelo câncer que advém de uma mutação hereditária. “Por isso, quando uma mulher jovem é diagnosticada, nós aconselhamos o teste genético para saber se, de fato, o câncer tem essa raiz. Com a farmacogenética é possível indicar um tratamento específico dependendo da mutação. A gente vai saber se aquele tratamento, ou medicamento, tem melhor resposta ou menos efeitos colaterais.”

O aconselhamento genético é um exemplo de tecnologia que tem ajudado na identificação, cada vez mais precoce, do câncer, dentre eles o de mama. Ele consiste em verificar a probabilidade de uma doença genética ocorrer em uma família. Com essa probabilidade, é possível orientar mulheres sobre as chances de desenvolver um câncer de mama, ou ovário por exemplo, e o que fazer a partir disso.

Mariana Abad relembra o caso que ganhou repercussão da atriz Angelina Jolie. A atriz norte-americana passou por uma dupla mastectomia preventiva, uma cirurgia para retirada dos seios. A revelação foi feita em um artigo chamado “My Medical Choice”, publicado no jornal americano “The New York Times”. Angelina, aos 37 anos, diz que descobriu ter um “defeito” no gene chamado BRCA1. Os médicos disseram que ela tinha 87% de chances de desenvolver um câncer de mama, e 50% de ter um câncer no ovário.

PUBLICIDADE

“Quando a gente faz um mapeamento genético e faz o diagnóstico de uma mutação patogênica, descobrimos quais os cânceres que essa mutação aumenta o risco. Por exemplo, uma mutação de BRCA aumenta o risco de até 80% de câncer de mama e 60% do risco de câncer de ovário”, explica Mariana. A partir desse diagnóstico, médico e paciente vão conversar sobre as melhores medidas a serem tomadas para a prevenção da doença.

A médica ainda explica que o câncer hereditário tende a ser mais agressivo, no entanto, ele responde melhor a certos tipos de tratamento. Isso porque a medicina personalizada já é uma realidade, e diversos medicamentos agem em alvos específicos, guiados por avaliações moleculares ou genéticas.

 

Sair da versão mobile