A partir desta quarta-feira (25), têm início as audiências de instrução e julgamento de um psicólogo de 51 anos, acusado de estuprar pacientes adolescentes, em Juiz de Fora. O profissional – que teve o registro da profissão suspenso após o caso vir à tona – é denunciado por abuso sexual contra duas mulheres, e outras testemunhas, que também passaram por terapia com o acusado, relataram diversas condutas sexuais impróprias durante o tratamento.
A Tribuna teve acesso com exclusividade a documentos acerca das denúncias, que estão sob sigilo. O inquérito do caso foi finalizado em junho de 2022, pela Polícia Civil, que ouviu vítimas e testemunhas e decidiu pelo indiciamento do homem. O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) acolheu a denúncia e considerou que o suspeito “valeu-se da relação de confiança para violentar as pacientes”, em 15 de julho do mesmo ano.
O processo agora está a cargo da 1º Vara Criminal da Comarca de Juiz de Fora, que tornou réu o psicólogo, que também atuava como professor em curso de teatro e palhaço. Ele aguarda o processo em liberdade, uma vez que o juiz, ainda em 2022, entendeu não haver necessidade para prisão preventiva, indeferindo o pedido feito pelo MPMG. Até o momento, há apenas medidas cautelares contra ele, como a suspensão do registro de psicólogo e a apreensão do passaporte.
Ao todo, nove pessoas vão participar da audiência para a acusação do homem, e cerca de seis vão testemunhar em sua defesa. A reportagem procurou o escritório responsável pela defesa do psicólogo e não obteve retorno até o momento desta publicação. A advogada das vítimas, Gabriela Rigueira, se pronunciou e relatou que, devido ao grande fluxo de pacientes atendidos pelo profissional, há a preocupação de que possivelmente existam outras vítimas desconhecidas e, caso existam, destacou a importância de procurar a Delegacia de Atendimento à mulher (DEAM) e os órgãos competentes para relatarem os seus casos.
Vítimas relatam abusos durante as consultas
Os relatos das vítimas e testemunhas, a seguir, fazem parte dos autos do processo. Nenhum nome será revelado para proteger a identidade das sobreviventes. Uma das vítimas começou o tratamento com o psicólogo ainda aos 9 anos de idade, devido a um quadro de depressão, até os 16 anos. O suspeito, segundo ela, pedia para que “não fosse interpretado mal” e teria, deste modo, iniciado dinâmicas corporais de cunho sexual nas consultas, quando ela tinha dos 14 aos 15 anos. Com o passar do tempo, ele teria pedido que ela tirasse as roupas, depois, ele teria proposto que eles tivessem relações sexuais, e assim supostamente teria ocorrido durante o período de um ano.
A mulher relatou que o homem dizia também que “seria bom para o tratamento da depressão que ela sentisse dor durante as relações sexuais” e que “era normal os terapeutas tirarem a virgindade dos pacientes”. O homem, supostamente, ejaculava na boca da adolescente, sob alegação de que “ela deveria levar com ela um pouco dele”. O caso teria ocorrido em 2014, no consultório do réu, na região central de Juiz de Fora.
Outra paciente, também adolescente, relatou ter sido vítima do homem, em 2010, quando tinha 15 anos de idade. Segundo apurou o Ministério Público e a Polícia Civil, o modus operandi era semelhante. As consultas, aos poucos, foram direcionadas para o âmbito sexual. “O denunciado simulava atos e posições sexuais com a vítima […], realizando acupuntura na vítima nua e colocando agulhas em sua genitália”, diz um trecho do documento de acato à denúncia.
O psicólogo teria introduzido um dedo no órgão sexual da mulher, então menor de idade. Na última consulta, todas as luzes estariam apagadas, momento em que a beijou a força e fez com que ela passasse a mão por todo seu corpo. Os abusos teriam perdurado por dois anos. Uma testemunha, também paciente do psicólogo, relatou que ele tinha o costume de lhe dar beijos no rosto para cumprimentar ou então consolar, o que a incomodava, e acendeu um alerta sobre uma postura que destoava da que deveria assumir um terapeuta.
Outra testemunha, também mulher, contou que começou a sentir desconforto na região genital depois das consultas de hipnose que fazia com o homem. Ela teria, então, começado a suspeitar de uma água que ele lhe dava antes da sessão, que fazia com que ela não se lembrasse da consulta, apenas apresentasse incômodos físicos posteriores. Até que, um dia, a vítima não a bebeu. Ao fingir que dormia, percebeu que ele retirava sua roupa e, logo depois, teria também a penetrado. Tudo sem seu consentimento. Um homem, que foi aluno do psicólogo em um curso de teatro que ele ministrava, também prestou depoimento à polícia. Ele contava que, durante as aulas, havia dinâmicas inapropriadas para menores de 18 anos. Algum tempo mais tarde, ele soube que a irmã teria sido abusada.
Outra testemunha arrolada pela Polícia Civil relatou que o réu teria ido vestido de palhaço, caracterização que ele fazia com frequência, a um evento cultural que ocorreu em espaço público na região Sudeste de Juiz de Fora. No local, ele teria feito um “striptease, dançado, feito gestos de cunho sexual e permanecido apenas de cueca e camiseta”.
Em depoimento à Polícia Civil, suspeito negou todas as acusações
O psicólogo afirmou à polícia que as vítimas de fato foram suas pacientes, mas negou que tenha cometido abusos sexuais contra elas. Ele disse que uma delas estava “em um momento de delírio quando relatou tais fatos, e que ela teria distorcido e criado em sua cabeça situações que nunca ocorreram”. O homem negou todas as acusações de abuso sexual, referente a todas as mulheres que o denunciaram.
Parecer da Civil e do MP aponta diversos crimes
Ao final do inquérito apurado pela Polícia Civil, que dá corpo ao encaminhamento do caso ao Ministério Público, a delegada que ficou responsável pelo caso, Alessandra Azalim, destacou, após ouvir tanto vítimas e testemunhas quanto o próprio suspeito, que, em casos de crimes sexuais, há que se dar importância aos relatos. “Ressaltando mais uma vez que a palavra da vítima tem um peso muito grande em crimes desta natureza”, enfatizou Azalim.
No entendimento do MPMG sobre esses depoimentos, há a indicação que durante as sessões de terapia, as mulheres eram abusadas sexualmente, caracterizando uma como vítima de estupro de vulnerável e outra de estupro mediante fraude. Além do crime sexual contra menores, há, também, a denúncia de fraude, uma vez que a suposta justificativa usada era de que “esse tipo de conduta era para eficácia do tratamento psicológico”. Ainda de acordo com o MP, o comportamento do homem seria para “ludibriar, modificar a percepção das mesmas sobre a realidade dos atendimentos e obter êxito na prática criminosa”.