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Acusado de decepar as mãos de adolescente vai a júri nesta quinta

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Mãos do menino foram arrancadas no fim de março, na Vila Olavo Costa. Crime é um dos mais violentos registrados neste ano (Foto: Leonardo Costa/Arquivo TM)23
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A reabilitação não é só física, mas também moral. Aprender a viver sem as duas mãos aos 13 anos é indescritível, mas G. tem se superado nesses quase cinco meses: “Ele mexe no celular e no tablet com a ponta do nariz”, conta a mãe e catadora de recicláveis J., 38. Ela gostaria de dar próteses articuladas para o filho, mas lamenta o alto valor: “Vi que custam R$ 85 mil, mas só ganho R$ 30 por semana. Me chamaram para fazer uma campanha, porque a prótese que oferecem no SUS não mexe os dedos.” Nesta quinta-feira (23), mãe e filho vão interromper a rotina semanal de tratamento no Hospital Doutor João Penido em busca de justiça. A partir das 12h30, o homem de 31 anos acusado de decepar as mãos do adolescente, em uma das tentativas de homicídio mais cruéis de Juiz de Fora, vai sentar no banco dos réus no Tribunal do Júri. A sessão será presidida pelo juiz Paulo Tristão. O crime aconteceu no fim de março na Vila Olavo Costa, Zona Sudeste.

Enquanto aguarda a decisão dos jurados sobre o destino de seu algoz, que permanece preso no Ceresp desde 3 de abril, G. reaprende a viver com sua nova condição. Para evitar o escárnio ou a piedade alheia, “ele esconde os braços na blusa de frio”, como revela a mãe. Ela ainda não tem a dimensão exata de como essa amputação afetou o adolescente, mas percebe sinais. “Ele não gosta de falar no assunto. Às vezes, o pego triste olhando (para os punhos).” Sem a expectativa imediata de um bom par de mãos biônicas, o garoto ainda não voltou para a escola. O tempo livre ele usufrui jogando bola com os amigos na rua ou na internet. “Ele quer voltar a estudar e não perdeu a vontade de viver”, afirma J.

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Dedicada em também cuidar do caçula de 2 anos, a catadora ajuda no banho e na alimentação do adolescente. No entanto, ele preferiu ir morar na casa de uma tia após o episódio violento. “Ela mora na mesma rua, mas um pouco mais distante de onde tudo aconteceu”, esclarece. Para a mãe, a vida no bairro não melhorou. “No fim de semana do dia dos pais mesmo mataram mais um. Vivemos com medo, porque o homem que fez isso com meu filho está preso, mas tem os comparsas”, diz a mulher, com a triste experiência de quem teve os dois filhos mais velhos, de 18 e 19 anos, assassinados no ano passado.

Em relação ao julgamento, a expectativa da catadora é de condenação. “Estou ansiosa, espero que a justiça seja feita.” A mulher conta com apoio de equipamentos públicos, como o Centro de Referência em Assistência Social (Cras), para conseguir superar as novas dificuldades. “Está sendo difícil, mas está dando para levar.” Ela também acompanha a reabilitação do garoto todas as quintas-feiras no João Penido. “É para ele aprender a ser mais independente, com a prótese e sem ela. Já apresentaram um modelo, mas só faz um movimento”, explica a catadora, acrescentando que o equipamento, com encaixe no ombro, ajudará o jovem a segurar uma escova de dentes, usar um sabonete e trocar uma blusa, por exemplo.

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A mãe ainda cumpre burocracias para receber um benefício pela condição especial do filho e está com perícia marcada para o fim de outubro. Enquanto isso, ela conta com o auxílio de parentes e de uma cesta básica para manter a família. “Moro na casa da minha sogra. O Fica Vivo me ofereceu mudar de cidade por causa da violência, mas como vou ficar longe da minha mãezinha, que ainda é viva, das minhas irmãs e do meus sobrinhos?”, questiona a mulher, relatando o atendimento do programa do Governo estadual de combate a homicídios, inaugurado este ano na própria Olavo Costa.

“A vida aqui continua a mesma coisa, não sofri nenhuma ameaça, mas fico com um pé na frente e outro atrás.” Ela lamenta o fato de não ter recursos para mudar de bairro. “Até hoje meu filho fica assustado, então meu objetivo é sair daqui. Só não quero ir para outra cidade.”

“Crime bárbaro, marcado pela perversidade”

O delegado responsável pelo inquérito de G., Rodrigo Rolli, ressalta ter ficado impressionado com o caso do adolescente. “Foi um crime bárbaro, marcado pela perversidade, pela falta de valores e, infelizmente, pela exacerbação de uma rivalidade criminosa na região já tão sofrida pela esquecimento de todos. Só lembrada pelas estatísticas criminais.”

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O ato violento com requintes de crueldade aconteceu no dia 27 de março na Rua Hortogamini dos Reis. O juiz Paulo Tristão acatou a denúncia do Ministério Público em relação ao acusado de arrancar as mãos do garoto e o pronunciou por tentativa de homicídio triplamente qualificada. Conforme a Promotoria, o crime foi praticado por motivo torpe, já que o homem agiu por vingança, acreditando que a vítima tinha envolvimento na morte do primo dele Elder Luiz Diógenes Justino, 26, executado com nove tiros no interior de um bar, também na Rua Hortogamini dos Reis, três dias antes. Neste episódio ainda foi morto Washington dos Reis, 38.

Para o MP, o acusado impossibilitou a defesa da vítima, porque surpreendeu o garoto com o ataque, quando ele estava com a perna fraturada e usando muleta. Além disso, empregou meio cruel, porque cortou os punhos do jovem, decepando as suas mãos.

“A Delegacia de Homicídios, de forma rápida e efetiva, deu uma resposta ao crime contra o adolescente e também ao duplo homicídio precursor deste. Em cerca de uma semana prendemos o autor dessa barbárie e indiciamos o segundo autor”, aponta Rolli. O outro envolvido citado pelo delegado é um jovem, 23, irmão do acusado. Ele também foi denunciado pelo Ministério Público por ter levado o facão para o primeiro desferir os golpes. No entanto, o magistrado considerou não haver indícios suficientes de que o rapaz foi quem entregou a arma branca ao executor, já que nem mesmo a vítima teria sido capaz de dizer isso. O Tribunal do Júri esclarece, entretanto, não haver impedimentos para que ele seja julgado, caso surjam novas provas com indícios suficientes da sua participação no delito.

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Tentativa de decapitação

Durante as investigações da tentativa de homicídio do adolescente, o delegado Rodrigo Rolli ainda apontou que um corte profundo sofrido pela vítima na nuca levou a crer que o criminoso pretendia também decapitá-la. O garoto também revelou ter fingido estar morto no chão para sobreviver. Ele teve cicatrizes espalhadas pela face, pescoço, braços e costas, em decorrência da ação criminosa.

“Depois desse crime, a Olavo Costa voltou a viver tempos de paz, no que diz respeito a homicídios. Esse período foi quebrado somente no dia 11 agora”, analisa o delegado, garantindo que a investigação da morte de Emerson Bruno da Silva Gonçalves, 21, ocorrida há menos de duas semanas, está em andamento. A vítima foi atingida com dois tiros na nuca, por volta das 13h30, na Rua Filonilia Carlota de Jesus.

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