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Em JF: um em cada três crimes por LGBTQIAPN+fobia acontece dentro de casa

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Entre o ano de 2016 e o primeiro semestre de 2023, Juiz de Fora computou 158 registros de Eventos de Defesa Social (Reds) por denúncias de crimes cometidos contra a comunidade LGBTQIAPN+. Todos os casos foram registrados como homofobia, lesbofobia, bifobia ou transfobia. Os dados são do Painel LGBTQIAPN+fobia mantido pelo Governo de Minas para dar transparência aos dados de crimes com esta causa presumida e subsidiar a formulação de políticas públicas e a tomada de decisão referentes a essa população. Destes registros, boa parte das ocorrências aconteceu em ambientes de convívio doméstico. De acordo com os dados constantes do painel, em 53 denúncias, um em cada três casos o alvo da agressão foi o “morador” ou “visitante” da residência em que a situação foi observada.

Especialista em Gênero e sexualidades e investigador da Polícia Civil, Cleber Giliard Rodrigues Miranda avalia que cenário poder ser ainda mais grave, por conta da subnotificação (Foto: Arquivo pessoal)

Especialista em Gênero e Sexualidades, mestrando em Ciências Sociais e investigador da Polícia Civil, Cleber Giliard Rodrigues Miranda avalia que o cenário da violência contra pessoas LGBTQIAPN+ poder ser ainda mais gravoso, por conta da subnotificação. “Precisamos refletir que, até o ano de 2019, não existia amparo legal para crimes de ódio contra a população LGBTQIAPN+. Somente após decisão do STF, essas pessoas passaram a ser protegidas pela lei 10.948/2001, que não é uma legislação específica de crimes de LGBTQIAPN+fobia. Antes dessa data, a população LGBTQIAPN+ tinha muita dificuldade em registrar ocorrências, mesmo porque não há um tipo penal específico para isso. Geralmente as ocorrências eram registradas a partir dos crimes que já estão tipificados no Código Penal Brasileiro, então, supomos que a motivação homofóbica ficava subnotificada”, avalia.

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Em 2019, durante sua especialização em Gênero e Sexualidade, Cleber participou de uma pesquisa em busca de dados locais sobre a violência conta as pessoas LGBTQIAPN+ e encontrou dificuldades no processo. “Uma das questões era: ‘por que as pessoas não denunciavam?’ Foi verificado que a revimitização que essas pessoas passavam ao tentar denunciar esses crimes, pelos próprios agentes de segurança, as impediam de efetivar as denúncias”, pontua. Segundo ele, após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que, em junho de 2019, enquadrou a homofobia e a transfobia como crimes de racismo, “as pessoas passaram a denunciar mais essas violências”.

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Principais alvos

Considerando os 158 registros, os 53 casos envolvendo moradores ou visitantes de uma residência respondem por 33,5% do total. Outro alvo mais recorrente foram “transeuntes”, atingidos em 44 ocorrências, 27,8% do total. Proprietários e funcionários de estabelecimentos que funcionam na cidade foram alvo de crimes motivados por LGBTQIAPN+fobia em 21 situações (13,3%), enquanto clientes e visitantes destes mesmos espaços foram o foco dos ataques em 14 ocasiões (8,9%).

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“A grande maioria dos LGBTQIAPN’s teve sua primeira violência de gênero dentro do ambiente doméstico, quando foi percebido que eles não estavam correspondendo à lógica compulsória da heteronormatividade. Se pararmos para pensar, essa lógica compulsória é questionada desde sempre, do movimento feminista ao movimento LGBTQIAPN+, porém as mudanças são lentas. Como há gerações de pessoas diferentes dentro de uma família, pode ocorrer conflito de pensamento. Sem dúvida que a educação, a informação e, principalmente, o respeito vão diminuir substancialmente as violências de gênero. Não cabe somente a quem não tem a informação, buscá-la, cabe a todas as pessoas que têm a informação, transmiti-la”, avalia especialista em Gêneros e Sexualidade.

Mais da metade dos registros apontam delitos de injúria ou ameaça

Segundo os dados, as denúncias de delitos apontam para os crimes de injúria e ameaça como os mais recorrentes, o que aconteceu em mais da metade dos casos. Ao todo, de 2016 para cá, o painel registra 41 casos de injúria (25,9% do total) e outros 41 casos de ameaça (25,9%) contra a população LGBTQIAPN+ na cidade. Na sequência, entre as tipificações mais recorrentes, aparecem denúncias de lesão corporal, o que aconteceu em 24 situações (15,2%) e agressões, que aparecem como a natureza principal da ocorrência em 14 Reds (8,9%).

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Cleber avalia que, apesar de os números apontarem que a maior parte dos registros remete a crimes de ameaça e injúria, a espiral de violência contra a população LGBTQIAPN+ não se resume a estes delitos. “Essas violências de gêneros podem aparecer em nuances ou em casos mais graves como espancamento ou assassinato de pessoas da comunidade. Talvez pela construção social de que seja engraçado ridicularizar o corpo LGBTQIAPN+, que essas pessoas são piadas ou amorais, que muitos casos de crimes de injúria, calúnia e ameaças veladas não sejam levados ao conhecimento das autoridades, uma vez que a própria comunidade LGBTQIAPN+ está inserida nessa construção social, o que gera uma subnotificação dos casos.”

Os dados do Governo de Minas apontam que o principal meio de violência utilizado pelos agressores para o cometimento dos crimes foi a fala, que aparece ferramenta de ataque em 86 registros, o que corresponde a 54,4%. Depois, vêm a “agressão física sem emprego de instrumentos”, com 27 registros (17,1%); e os meios eletrônicos, internet ou SMS, usados como expediente para o cometimento dos delitos em 18 casos (11,4%).

Bairros centrais concentram mais ocorrências

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Com relação aos locais em que os ataques ocorreram, a esmagadora maioria foi registrada no ambiente urbano. Dos 158 Reds que apontam a incidência de crimes motivados por LGBTQIAPN+fobia, apenas um foi lavrado tendo como local o perímetro rural. O principal “local imediato” em que foram computadas as situações foi a “via de acesso pública”, com 51 ocorrências (32,3%); seguido por “casa”, 40 casos (25,3%), e “apartamento”, 14 (8,9%). Entre os bairros com mais registros estão Centro, 22 casos (13,9%); São Mateus, 7 (4,4%); Granbery e Alto dos Passos, com 5 casos cada (3,2%).

Das 169 vítimas, quase metade mantinha algum tipo de relação com o autor

O Painel aponta 158 registros de crimes cometidos em razão de preconceito e discriminações contra a população LGBTQIAPN+. Como uma mesma ocorrência pode registrar mais de um alvo, o número de vítimas de homofobia, lesbofobia, bifobia ou transfobia é maior e chega a 169 em Juiz de Fora em sete anos e meio. Quase metade delas mantém ou mantinham algum tipo de relação com a pessoa apontada como autora do delito.

Das 169 vítimas, 79 disseram não ter nenhum tipo de relação com o autor do crime (46,7%), enquanto 78 afirmaram ter algum tipo de relação com o autor (46,2%). Em 12 casos (7,1%), essa relação não foi informada. Entre os 78 casos em que foi relatado algum tipo de relação entre a vítima e agressor, em 24 casos o vínculo é de vizinhança (14,2% do total de vítimas); e em 18 o autor é apontado como “amigo/conhecido” (10,7%).

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Em 23 casos, o agressor foi apontado como parente da vítima, o que representa 13,6% do total. Em cinco casos, o autor foi o pai, a mãe ou o responsável do agredido; em quatro, o filho/filha ou enteado/enteada; também em quatro, o irmão ou a irmã; em dois o ex-cônjuge ou ex-companheiro/ex-companheira; e em oito havia outro tipo de parentesco.

Seis em cada dez vítimas têm idade entre 20 e 34 anos, faixa etária em que se encontram 98 das vítimas registradas (58%). Entre 20 e 24 anos, foram computadas 37 vítimas (21,9%); entre 24 e 29 anos, 33 (19,5%); e entre 30 e 34 anos, 28 (16,6%). Com relação à escolaridade, 57 vítimas têm ensino médio completo (33,7%); 26, ensino superior incompleto (15,4%); e 22, ensino superior completo (13%).

Com relação à raça/etnia das vítimas, 85 são brancas (50,3%); 40, negras (23,7%); e 39 são pardas (23,1%). A grande maioria das vítimas, 123, não informou sua identidade de gênero (72,8%). Entre aquelas que informaram, 21 são mulheres trans (12,4% do total de 169 vítimas); 14, homens trans (8,3%); e 7, travestis (4,1%). Por fim, com relação à orientação sexual, 102 vítimas são homossexuais (60,6%).

Dos 109 autores identificados, 22 foram conduzidos à delegacia

Ao todo, entre as 158 ocorrências registradas, 109 autores destes crimes foram identificados. Contudo, apenas 22 foram conduzidos à delegacia (20,2%). Assim, quatro em cada cinco autores de crimes motivados por LGBTQIAPN+ não foram conduzidos à delegacia pelos delitos, o que totaliza 87 agressores (79,8%).

Segundo os dados do Governo de Minas, dos 109 agressores identificados, 16 têm entre 24 e 29 anos (14,7%) e outros 16, entre 45 e 49 anos (14,7%). Entre as faixas etárias em que se encontram o maior número dos agressores ainda aparecem as que vão de 20 a 24 anos e de 35 a 39 anos. São 13 autores (11,9%) em cada intervalo.

Com relação à escolaridade, em 45 casos dos 109 autores identificados a escolaridade foi ignorada (41,3%). Por outro lado, 19 autores têm ensino médio completo (17,4%); e 13 são apenas alfabetizados (11,9%). Quando analisada a etnia, 52 agressores são brancos (47,7%); 28, negros (25,7%); e 19, pardos (17,4%).

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