A pouco mais de 20 dias úteis do fim do prazo para o recadastramento biométrico, é possível calcular que a Justiça Eleitoral não terá tempo suficiente para receber os 148.666 eleitores que permanecem com o título desatualizado em Juiz de Fora. Isso porque a capacidade de atendimento diário nos dois postos disponíveis na cidade é de duas mil pessoas. Mesmo com a realização de plantões, como o que está marcado para o próximo sábado (25), na Câmara Municipal, a previsão do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) é de que, com o comparecimento atual, cerca de 20% do eleitorado juiz-forano fique sem votar nas eleições municipais de 2020. Para conseguir concluir o processo ainda a tempo deste pleito, seria necessário atender mais de 7.400 eleitores por dia.
“Não vai dar tempo, mas isso faz parte do que é esperado pela Justiça Eleitoral. Estamos em um ritmo bem acelerado, atendendo na nossa capacidade máxima. Vamos fazer o nosso máximo, mas ainda é grande o número de pessoas que precisam comparecer. O que tem sido biometrizado nos outros municípios fica nessa margem”, diz a chefe do cartório eleitoral de Juiz de Fora, Vilma Sinotti. Era esperado que o movimento fosse alto no fim de 2019, mas os centros de atendimento ficaram vazios, e a demanda foi baixa em agosto, setembro e outubro, o que pode justificar, segundo Vilma, o aumento da procura desde o início de janeiro. Até o momento, do total de 403.427 eleitores juiz-foranos, 254.761 já fizeram o cadastro biométrico, o que corresponde a 63,15%.
A chefe do cartório ainda reforça que o fato de até 20% do eleitorado ficar de fora da próxima eleição não impacta o trabalho da Justiça Eleitoral. Ela explica que quem não fizer a biometria terá o título cancelado. “A importância de fazer o cadastramento é a transparência e segurança ao processo eleitoral. Não existem duas digitais iguais, então conseguimos garantir que (a biometria) diminuirá o risco de fraudes, e que nenhuma pessoa irá votar no lugar de outra.”
O atendimento segue na Câmara, no Centro de Atendimento ao Eleitor, na Avenida Presidente Itamar Franco 1.420, e no caminhão do TRE, no estacionamento do Shopping Jardim Norte, das 10h às 18h. Nestes postos, são realizados atendimentos a eleitores que agendaram horário e àqueles de demanda espontânea, que pode ser regulada pela emissão de senhas, de acordo com a capacidade de unidade. Nos dias de plantão, como o próximo sábado, o horário de funcionamento é de 9h às 15h. Os eleitores precisam ter em mão a identidade, comprovante de residência atual e CPF. Para os homens que tirarem o título pela primeira vez, também é necessário levar ou o alistamento militar ou o certificado de reservista.
Consequências e impactos da mudança
De acordo com o cientista político Fernando Perlatto, para entender o impacto que essa parcela do eleitorado sem a biometria representa, é preciso levar duas ideias em consideração. A primeira é a de que esse processo é, ainda, um experimento. “Pela primeira vez, votaremos depois do fim das coligações proporcionais para a eleição legislativa e com a biometria, então isso também representa um aprendizado para o eleitor.” Ele considera que há uma cobrança sobre os eleitores, o que tem relação com um comprometimento, com a participação, mas que toda essa novidade precisa ser considerada. “É um processo diferente, as pessoas vão aprendendo as regras do jogo.”
A segunda dimensão é a da participação. Somando o primeiro fator com os índices de abstenções crescentes, sobretudo em um momento de crise das democracias, não só no Brasil, mas pelo mundo inteiro, isso significa um número menor de cidadãos participando do processo de seleção dos representantes. “Quando temos esse dado, de 20% dos eleitores fora da votação, temos um impacto importante, também significativo da legitimidade do governante que ali está. Não que ele não vá ser legítimo, uma vez que o processo corre dentro das regras. Mas indica que haverá menos pessoas sufragando e confirmando essa decisão.”
20% dos eleitores de Juiz de Fora devem ficar de fora da biometria https://t.co/AoSbLSiW1j pic.twitter.com/mtRkcl45JV
— Tribuna de Minas (@tribunademinas) 23 de janeiro de 2020
Quando votamos, de acordo com o cientista político, independente de ganhar ou perder, há a participação, e a população se sente, mesmo que minimamente, compromissada e responsável por aquela decisão.”Quando os eleitores não participam, sem sequer estarem aptos a entrar no jogo, eles contribuem para certa deslegitimação do processo como um todo. Em um cenário em que há uma crise de legitimidade tão significativa por parte dos políticos e uma baixa participação, esse quadro de deslegitimação tende a se exacerbar. Isso talvez seja o impacto mais significativo”, afirma Perlatto.
Fatores importantes
Para o cientista político Fernando Perlatto, outro fator também deve ser considerado. Entre as primeiras experiências com a biometria, foram registrados alguns erros. “Ocorreram problemas, e isso gera mais filas e pode causar uma participação ainda menor caso essas dificuldades se reiterem na próxima eleição. Então tudo vai depender de como as coisas vão funcionar nos próximos pleitos.”
De todo modo, Perlatto salienta que as mudanças nas regras ou em aspectos técnicos, geralmente, geram desconfiança e resistência. “No entanto, uma vez incorporadas, são naturalizadas pelo eleitor. Basta pensarmos em uma outra transição ainda mais traumática, que foi a da votação em cédulas de papel, para a urna eletrônica. Assim como há o risco do problema, há também a possibilidade de ser muito mais rápido e bem sucedido. O sucesso desse sistema nas eleições municipais vai ter um impacto muito positivo na adesão e na legitimidade do voto biométrico. É importante que dê certo, principalmente em decorrência do que foi registrado na última eleição nacional. O candidato vencedor, em seus discursos, lançou um descrédito muito grande em relação à urna eletrônica. Quanto mais bem sucedidas forem essas inovações, mais argumentos se terá no sentido de contrastar essas afirmações.”
Ainda é preciso ressaltar, de acordo com Perlatto, que em um momento de desvalorização e desconfiança nas instituições, é preciso reconhecer o esforço que uma implementação como essa representa. “Envolve toda uma engenharia institucional, a mobilização de pessoas, técnicos e até da população. Do ponto de vista da Justiça Eleitoral, há uma tentativa de aprimoramento da democracia, um movimento no sentido de tornar o sistema mais funcional.” Ainda há que se considerar todo o empenho de campanhas e de estímulo do comparecimento antecipado para evitar que as pessoas ficassem de fora do pleito.
Movimento grande
As filas nos postos de atendimento seguem volumosas. O estudante de Engenharia Daniel Fartes decidiu enfrentar a fila no Centro de Atendimento ao Eleitor da Avenida Presidente Itamar Franco nessa quarta-feira (22). Ele contou que antes de comparecer e pegar a senha 352, tinha feito o agendamento por duas vezes. Porém, nas duas datas, o sistema estava fora do ar. “Acabei enrolando um pouco, mas vim agora para não pegar filas maiores no mês que vem. Eu não aconselho as pessoas a deixarem para a última hora. Pelo que vejo, a fila vai devagar mas o trabalho é eficiente.”
Na outra ponta da fila, a doméstica Flávia Gomes saía com o título pronto. Assim como Daniel, ela também não fez agendamento. “Fiquei cerca de uma hora e meia na fila. “Lá dentro o atendimento foi rápido e muito bom. Por falta de tempo, acabei adiando a vinda. Mas para não ter que perder um dia no trabalho, arranjei um tempo para fazer e não ter que enfrentar a fila da última hora.”
Também na tarde dessa quarta, havia uma fila grande em frente à Câmara. O motorista Onésimo Marcolino da Silva chegou à porta da Câmara às 14h30, depois de pagar uma multa. Embora estivesse com tempo, estava preocupado com o valor do estacionamento que iria pagar depois que saísse da unidade. “Estou esperando há cerca de uma hora e meia. Vou fazer a biometria e a transferência de título de Barbacena para Juiz de Fora. Demorei porque estava começando na empresa e preferi não pedir para sair e fazer. Agora tive uma folga e decidi acertar tudo.”
Com o filho no colo, a dona de casa Talita Cristina teve prioridade e conseguiu ficar pouco tempo na fila. “Achei que eu fosse ter que enfrentar uma fila pior. Deixei para a última hora, infelizmente. Mas como precisei estar com tudo certo, em função de um emprego, fiz a biometria. Aconselho a todo mundo a ir o mais rápido possível, porque a tendência é a fila aumentar.”