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Juiz-foranos buscam redução dos impactos ambientais por meio da reciclagem

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Desde o final da década de 1980, a dentista Priscilla Weiss faz a separação do lixo reciclável. A tarefa começou com seus pais e, hoje, ela passa a lição para os filhos – como uma tradição familiar. O Bairro Bom Clima, Zona Nordeste de Juiz de Fora, onde Priscilla mora, integra a relação dos 62% atendidos pela coleta seletiva do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (Demlurb). O serviço recolhe cerca de três toneladas de material reciclável por dia, ao passo que 500 toneladas de lixo domiciliar são descartadas no aterro sanitário diariamente. A falta de adesão da população em torno da separação de resíduos recicláveis é opinião unânime entre especialistas e profissionais que lidam diretamente com o serviço. Desta forma, Priscilla está entre os juiz-foranos que, à sua maneira, procuram reduzir os impactos causados pela alta quantidade de lixo descartada no município. Este é o assunto que será abordado na Tribuna ao longo desta semana.

Para Priscilla, a separação do lixo é algo simples de executar, especialmente para a coleta seletiva em Juiz de Fora, onde não há necessidade em dividir o material reciclável entre vidro, plástico, papel e metal. “É só você ter dois contêineres: um para o lixo orgânico e outro para o reciclável. É muito fácil. Depois, as cooperativas fazem essa separação de cada produto para encaminhar para a reciclagem”, explica. “Já morei em outros lugares e, além de fazer a separação, você tem que levar o material reciclável para os postos de coleta. Aqui, buscam na sua porta. O que pode ser mais simples que isso? É um conforto que temos, e não custa você separar o lixo para eles virem buscar na sua porta.”

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A facilidade em colaborar para a coleta seletiva tornou a separação do lixo parte da rotina da família de Priscilla. “Isso é um hábito que se cria e vira uma coisa automática, que não requer esforço nenhum a partir do momento em que você está acostumada com aquilo. Quando você nunca foi apresentada a essa rotina, parece uma coisa grande e pesada ter que lavar o recipiente, mas, para nós, não é nada. E eu acho que é uma contribuição enorme, principalmente aqui no Brasil onde se utiliza aterro sanitário. Então, quanto menos você puder contribuir para o aumento desse aterro sanitário, melhor.”

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Menos de 1% de recicláveis

A média de três toneladas de lixo reciclável coletadas por dia representa cerca de 0,6% do que é descartado no aterro sanitário. Quando trata-se do que, de fato, é reaproveitado, o número cai para uma média de 0,2%. Até maio de 2019, cerca de 160,3 toneladas de material passaram pela triagem da coleta seletiva, de acordo com informações do Demlurb. Durante todo o ano de 2018, o número foi de 403,2 toneladas.

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A rota da coleta seletiva foi ampliada no ano passado, subindo de 50% para 62% o percentual de bairros atendidos em Juiz de Fora. Entretanto, mesmo nas regiões atendidas, a adesão por parte da população é baixa, segundo a coordenadora do Departamento de Educação Ambiental do Demlurb, Rosilene Lopes. “Nos bairros atendidos pela coleta seletiva, nem todos os moradores participam. Eu já estive acompanhando a rota e, às vezes, passava 15 casas e não havia nada. Se cada morador ali colocasse seu montante, nós teríamos uma quantidade bem menor do que a que está indo para o aterro sanitário. É um conjunto. Não funciona só o poder público colocar o caminhão, é preciso que o morador participe separando seu material e colocando no dia da coleta.”

A coleta seletiva passa em dias alternados em relação a habitual, de lixo doméstico, a fim de diferenciar o material que irá para reciclagem. “Na segunda-feira, a coleta faz um bairro, então, os moradores sabem que, naquele dia, só tem coleta de material reciclável. Eles têm que fazer separação do reciclável e do orgânico, e colocar só reciclável nesse dia”, exemplifica Rosilene, explicando que todo o material recolhido pela coleta seletiva é encaminhado para associações de catadores de lixo locais.

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Além disso, o Demlurb conta com dois ecopontos, nos bairros Linhares (Rua Diva Garcia, em frente ao nº 1.200) e Aeroporto (em frente ao estacionamento do Estádio Municipal). Os locais recebem e dão destinação correta e gratuita a restos de construção civil, materiais recicláveis, móveis e eletrodomésticos. Os ecopontos funcionam de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h, e aos sábados das 8h ao meio-dia. Mais informações sobre a coleta seletiva ou sobre os ecopontos podem ser acessadas no site do Demlurb.

Reduzir, reciclar e reutilizar

Para a coordenadora de Educação Ambiental do Demlurb, Rosilene Lopes, falta participação dos moradores nos bairros atendidos pela coleta seletiva (Foto: Olavo Prazeres)

Desde que saiu da casa dos pais para morar com a irmã, a consultora de novos negócios Bruna Luz começou a se incomodar com a quantidade de lixo gerada na residência, observando que “era muito lixo para pouca pessoa, em pouco tempo”. Com isso, a jovem de 25 anos começou a pesquisar sobre reciclagem e sustentabilidade, de maneira geral, modificando suas ações em relação ao tema. Um dos conceitos que basearam a mudança é do “lixo zero”, cujo objetivo é o aproveitamento e encaminhamento correto dos resíduos recicláveis e orgânicos, além de buscar a redução de descarte desses materiais para os aterros sanitários.
Uma personagem relacionada à proposta é Lauren Singer, idealizadora do blog “Trash is for Tossers”. Lauren viveu anos com um pequeno pote de vidro, onde depositou o lixo que utilizou. “Aqui no Brasil, tem dificuldade nessas questões. Não temos tanto uma política de reutilizar as coisas, até com relação à nossa higiene, onde compramos muitos produtos de beleza”, diz Bruna Luz. “Por exemplo, nos Estados Unidos, tem mercado que você enche o pote de shampoo e do condicionador, você não precisa comprar uma embalagem nova.”
Na dificuldade em seguir as ideias da blogueira americana, Bruna encontrou uma brasileira, chamada Cristal Muniz, que mantém uma conta no Instagram chamada “Uma Vida Sem Lixo” (@umavidasemlixo). “Eu comecei a aprender muita coisa com ela, para adaptar à nossa realidade aqui do Brasil”, conta. “Eu acho que a questão do ‘lixo zero’ e de sustentabilidade abrem muitas portas para outras questões. Não é só você pensar em reciclagem, mas na cadeia de produção como um todo. Eu estou sempre recusando sacola plástica, então, às vezes, vou fazer compra com uma sacola maior e, além disso, eu mesma tenho feito meus produtos de limpeza. Eu acho que isso cria uma corrente muito legal, porque as pessoas querem saber mais e você muda o mundo de pouquinho em pouquinho.”

Reaproveitamento

A consultora de novos negócios Bruna Luz busca alternativas para reduzir o volume de lixo gerado em sua residência (Foto: Felipe Couri)

A rotina de Bruna e a irmã envolve separar o lixo reciclável do orgânico. O material que pode ser reaproveitado é descartado em um mercado próximo à sua residência, no Bairro Cascatinha, Zona Sul. “Na frente do mercado, tem a separação do papel, metal, plástico e vidro. Inclusive, eles fazem coleta de óleo também, para reutilizar. Tudo que consumimos de alimentos e dá para reutilizar, nós lavamos e guardamos em uma sacola, e, quando vamos ao mercado, deixamos lá”, relata. “Geralmente, eu não separo de cara, eu misturo tudo – papel, plástico, alumínio – nessa sacola. Quando eu vou na coleta entregar, eu faço a separação. Lixo do banheiro é algo que, pelo que eu pesquisei, não tem como reciclar, então, infelizmente, é algo que vai ser jogado para o aterro sanitário, mas, por exemplo, o rolo que envolve o papel higiênico é reciclável, então eu não jogo no lixo do banheiro, eu jogo também na sacola para levar para reciclar.”
Dentro da proposta de redução do lixo, Bruna procura, também, reutilizar determinados materiais. “Eu não sei dizer a última vez que eu comprei algum papel de presente ou alguma fita para amarrar. Natal é uma época que eu aproveito muito essas coisas no restante do ano, porque, às vezes, a eu ganho presente e tento reutilizar a embalagem que eu ganhei no presente para outra pessoa.”

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‘Potencial a ser explorado’

Em 2015, o Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da Faculdade de Engenharia da UFJF, em parceria com o Demlurb, realizou uma pesquisa cujo resultado indicou que 31,74% dos resíduos gerados em Juiz de Fora podem ser reciclados. O levantamento, somado aos dados de coleta – cerca de 0,6% de material reciclável recolhido – demonstram que a cidade tem uma capacidade maior, de acordo com o professor da UFJF e um dos autores da pesquisa, Samuel Rodrigues Castro. “Nós temos um potencial grande a ser explorado, de incrementar essa coleta seletiva e a reciclagem como fonte de renda e de geração de emprego, além de todo o caráter social envolvido nesse processo”, afirma. O professor destaca, ainda, que há muitos catadores autônomos na cidade, desta forma, determinados materiais recicláveis recolhidos não são quantificados, o que significa que os valores da coleta no município podem ser maiores.

Juiz de Fora possui dois ecopontos, onde também chegam materiais que são posteriormente entregues para a reciclagem (Foto: Fernando Priamo/ Arquivo TM)

Ainda conforme o especialista, é necessário, também, um trabalho mais acentuado de educação ambiental, inclusive, com a população que já faz o trabalho de separação do lixo, já que apenas cerca de 0,2% é, de fato, aproveitado. “A diferença entre o que é coletado e reaproveitado mostra uma ineficiência da segregação na fonte. Isso é um problema de informação e de orientação para a população sobre a forma adequada de como dispor o material”, explica Castro. “Toda coleta seletiva, por não ser aplicada em escala, tem um custo muito maior para operacionalizar. Se está coletando seletivamente aquilo que não é reciclável, que não deveria estar ali, então é um custo que se perde. A coleta seletiva se torna viável a partir do momento que ela ganha escala também”.

Para o professor, cada ação “tem um valor” e “efeito multiplicador”, em destaque a importância da mobilização quanto ao tema. “Muito mais do que garantir uma infraestrutura e recurso, acho que tem que fazer um trabalho que vai muito antes da técnica, que é a questão de mobilização social e de educação ambiental, para que todo mundo esteja integrado e com esforço direcionado para o mesmo fim. A Prefeitura tem a responsabilidade dela, mas nós, como consumidores e cidadãos, temos também que assumir essa responsabilidade. Fazendo o nosso bem feito, podemos cobrar também que a Prefeitura faça o papel. É um ciclo de confiança.”

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Este trabalho da população tem como ponto inicial “não gerar”. “Pensando na hierarquia preconizada na política para gestão de resíduos, acho que temos que pensar, realmente, em não gerar. Desde que é gerado, é tentar reduzir, reutilizar, reciclar e, por fim, caso não conseguiu cercar nessas etapas anteriores, aí sim dar uma destinação ambientalmente adequada para isso.”

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