Em todos os semestres, alunos dos seis cursos de Arquitetura e Urbanismo de instituições da cidade propõem uma série de reflexões e soluções para os problemas dos espaços urbanos de Juiz de Fora. Os docentes provocam os estudantes, dentro e fora de suas disciplinas, a fazer leituras diversas sobre os espaços públicos. Desses desafios surgem dezenas de trabalhos teóricos, práticos e ideias que poderiam ser aproveitadas e convertidas em saídas para situações que afetam os cidadãos de muitas formas. Esses projetos, no entanto, na maioria das vezes, permanecem restritos aos ambientes acadêmicos, fora do radar do Poder Público, onde são engavetados e não se consolidam.
A lista de exemplos é longa. A Tribuna conversou com professores, alunos e diretores de Arquitetura e Urbanismo do CES e da UFJF, os dois cursos que estão há mais tempo no município, para conhecer melhor o trabalho de estímulo dos estudantes e o que falta para que as propostas possam gerar mudanças efetivas.
No último semestre, os alunos da disciplina de Projeto Urbano da UFJF visitaram a Cidade Alta e desenvolveram uma proposta de Parque Linear, que poderia ser implantado na mata que margeia a Estrada Engenheiro Gentil Forn, entre o trevo de acesso ao Parque Imperial ao Vale do Ipê, um dos tipos de intervenções possível em espaços com curso d’água associados ao tecido urbano. “Nessa disciplina trabalhamos com áreas mais extensas, fazemos visitas a campo, escolhemos um itinerário e percorremos. Após esse contato direto com a realidade urbana, vamos em busca de referências em outras cidades e países. Casos semelhantes são importantes para que tenhamos um referencial crítico e possamos levantar uma revisão do que poderia ser feito para melhorar o uso daquele espaço”, explica o professor Fábio Lima. Durante a visita, com a área cercada pela natureza, incluindo uma cachoeira, eles trabalharam com a criação de um refúgio para lazer e contato com a natureza.
“Poderíamos ter uma área de banho, com informação turística agregada, espaço para refeições, o que daria margem para a preservação desse ambiente, revertendo a poluição da água, por exemplo”, acrescenta o professor. A ideia ainda atenderia a outras necessidades, como a inclusão social. “Muita gente não tem como se deslocar para Ibitipoca para desfrutar da natureza. Nesse espaço, a população poderia encontrar esse uso sem precisar sair da cidade. Esse lazer diferenciado poderia, inclusive, agregar outros benefícios, como em saúde, já que se tornaria um ponto livre do tráfego intenso de automóveis e da poluição.”
A ideia se torna ainda mais interessante porque Fábio lembra que Juiz de Fora não conta com um parque que fique aberto o dia todo. O desafio é criar mecanismos para que a cidade atenda mais às necessidades das pessoas. “É como se fizéssemos uma maquiagem, ficássemos muito produzidos, e, ao invés de irmos para a balada, ficássemos só olhando no espelho. Precisamos que essas ideias se propaguem, sejam debatidas e discutidas em ambientes públicos e abertos.”
Esse olhar crítico é o guia de todo o processo de construção de propostas, que pode se dar em muitas áreas, que vão desde projetos como o parque linear na Cidade Alta, até planos de divulgação da educação patrimonial. “Esse é o legado que deixamos. Precisamos sempre lembrar das pessoas que vivem nos espaços e criar uma cultura de qualidade espacial em Juiz de Fora. É inegável a mudança significativa que temos depois da criação dos cursos de Arquitetura. As pessoas podem não gostar de uma ou outra, mas a melhora é notável, isso é sentido em toda a cidade. Antes não se pensava em patrimônio, não se falava em áreas verdes. Os cursos colaboram com uma visão importante. A própria presença do Instituto de Arquitetura do Brasil (IAB) na cidade reforça essa noção”, afirma o diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da UFJF, José Gustavo Francis Abdalla.
“Muito se debate sobre a função social do arquiteto e é isso o que estamos fazendo, de voltar o olhar para demandas reais. É fazer o trabalho de formiga e emancipar determinados contextos. Não atuar só para causar um impacto, mas fomentar na população o sentimento de poder mudar, dando o suporte do conhecimento técnico e teórico para isso”, avalia o estudante Bernardo Carreiro. “Somos interlocutores da sociedade, conseguimos juntar informações e apresentar possibilidades, mas todo o trabalho é direcionado às pessoas, voltando o nosso olhar para suas necessidades. Isso enriquece o processo”, completa a estudante Sara Pimenta.
Olhares sem vícios
A cada turma de Arquitetura que chega ao nono período no CES, um novo desafio é proposto por meio de um concurso. Eles trabalham com áreas consideradas subutilizadas e seguem as regras que são dispostas em um edital, baseado em concursos que acontecem em grandes centros. Os estudantes, atendendo às especificidades desse documento, entregam uma prancha com imagens e propostas de intervenção e um vídeo, no qual podem explorar o conceito de seu trabalho. O período de tempo também leva o modelo dos concursos públicos, cerca de 45 dias para a entrega da ideia final. Os estudantes precisam se comunicar por meio das imagens. Eles não têm contato com a banca de avaliação, assim como não há apresentação oral dos projetos anterior à avaliação dos jurados convidados. Toda a defesa é feita pelas imagens.
Assim como no trabalho da UFJF, em que os estudantes vão a campo, nessa disciplina os graduandos são desafiados a propor soluções em uma área determinada. A cada turma, um novo ponto é explorado. “Identificamos áreas que poderiam ser aprimoradas em seus usos e indicamos temas que os alunos podem trabalhar nessa área. Essa dinâmica consegue sumarizar muitos temas como o objeto construído, a análise urbanística, a maneira como se pensa a relação do objeto com a cidade. A partir disso, eles trabalham as novas relações que serão aprimoradas, quais serão modificadas, quais problemas serão reduzidos, e os resultados são surpreendentes. É esse olhar mais amistoso com a cidade o que temos buscado,” comenta o professor do CES Carlos Eduardo Mattos.
Em uma das edições do concurso, que já acontece há dois anos e meio, os grupos trabalharam com um estudo do Parque da Lajinha. “É um espaço muito consolidado, com potencial arquitetônico e urbanístico enormes. O maior desafio foi trabalhar com muitas camadas de história sobrepostas. Mas uma intervenção, se bem feita, pode funcionar como um catalizador de pessoas. Pensamos em algo perene, tocando no parque com muito respeito. Preservando objetos existentes e inserindo outros”, descreve o arquiteto Rafael Ribeiro, que participou do projeto no período em que era estudante do CES. “A ideia parte da honestidade, como um parque ideal, para que as pessoas pudessem usar o local o dia todo. Precisamos urgentemente de espaços de respiro, de contato com a natureza, mas também com serviços, como cafés, restaurantes. Se nós conseguíssemos reunir tudo isso, dormiríamos melhor, com a consciência tranquila”, completa o arquiteto Achiles Barino.
Pertencente ao mesmo grupo de Rafael e Achiles, Matheus Orioli ressalta que o parque é muito extenso, mas ainda conta com muitas áreas subutilizadas. A ideia trabalhada por eles seria construir galerias de arte que permitissem, além do contato com a natureza, a exposição a diversas manifestações culturais. “Elas funcionariam como um incentivo a mais para estar no parque. Pensamos em uma arquitetura sentimental, mas como meio de alavancar não só o parque, mas a cidade também. Um equipamento que se consolidasse como um oasis.”
O professor Carlos Eduardo reforça que o papel do profissional em formação é apresentar soluções. “Estimulamos os estudantes a propor melhorias, identificar bons usos, partindo do olhar de cidadão para tornar o trabalho profissional mais sensível.” Essa contribuição, para a coordenadora do curso no CES, Milena Andreola, é o ponto fundamental desse processo. “Quando você intervém no espaço público, o cliente é a população inteira da cidade, ou de uma localidade. O espectro da análise é ampliado, e o estudante não pode cair no gosto pessoal. Eles estudam os hábitos, a relação das pessoas com os locais de maneira mais global e propõem algo que possa ter um impacto positivo para todos.” A professora Katy Barbosa considera que esse modelo desperta uma maior consciência cidadã nos alunos. “Eles se tornam mais participativos dentro das comunidades, integram visões mais críticas e vão além, vivenciando os espaços e se utilizando deles com primor. O resultado dessa proposta é algo que nos surpreende muito.”
Intervenções pela cidade
Pela cidade estão espalhados exemplos de parcerias entre os cursos e o município que geraram bons resultados. Na Avenida dos Andradas, o uso do atual prédio do Centro de Vigilância em Saúde da Prefeitura de Juiz de Fora (antigo pronto-socorro municipal) foi pensado em conjunto com a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFJF. “A estrutura ficou parada por mais de dez anos. Elaboramos uma proposta com uma linguagem que era possível naquele momento. Conseguimos dar vitalidade a um espaço subutilizado. Nesse tipo de questão, nós conseguimos contribuir”, explica o diretor da FAU, José Gustavo Francis Abdalla.
Quando a Unidade Básica de Saúde (UBS) do Bairro Vila Esperança foi pensada, a faculdade também foi acionada. O projeto inicial ficava dentro da Vila Esperança I, mas, no trabalho de campo, os estudantes perceberam que a população preferia que o equipamento ficasse na Vila Esperança II. “Discutimos com a sociedade e fizemos algumas alterações no projeto inicial. O Poder Público entendeu essa ansiedade, apoiou e abriu outro espaço para essa construção. Essa é a competência que podemos oferecer, de articular visões, perspectivas, levantamento de dados, situações de conflito”, pontua o diretor.
O que falta para que essas intervenções sejam mais numerosas, segundo Abdalla, é fortalecer o contato e aumentar o envolvimento do Poder Público. “Temos a maturidade de entender que o município tem seu modo de trabalhar as coisas e que podemos contribuir, desde que seja algo que as duas partes queiram. Porém, eu acredito que se possa explorar mais esse conhecimento produzido nas instituições de ensino superior. São muitas cabeças pensantes que poderiam estar voltadas para essas soluções.”
A coordenadora do curso do CES, Milena Andreola, explica que para gerar uma mudança efetiva, convênios precisam ser firmados, e o elo de ligação com o Poder Público precisa ser maior. “Nós temos essa limitação de trabalhar em semestres e sabemos que alguns investimentos são necessários. Seria interessante desenvolver mais parecerias. Acredito que se possa desenvolver outros modelos, como o de concurso, por exemplo, seriam outras oportunidades de diálogo.”
O professor Fábio Lima também propõe a ampliação do debate público das ideias. “As reuniões do Compur (Conselho Municipal de Política Urbana), por exemplo, tinham que ser abertas, em praça pública. Os projetos (desenvolvidos nas faculdades) deveriam ser apresentados em fóruns, e uma galeria pública posicionada em um lugar de grande fluxo poderia ser criada para que as pessoas, os políticos, os agentes do Poder Público pudessem ter contato com esses trabalhos. Aumentaria a reflexão e aguçaria o senso de comunidade nas pessoas.”
O que é possível fazer?
As parcerias com a Prefeitura vêm por meio de canais diferentes. Podem se apresentar em função de uma demanda ou de um episódio esporádico, por meio de pesquisa e também pela celebração de convênios. Essas colaborações se dão em diferentes pastas, como na Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag), Obras (SO), Fundação Cultural Alfredo Ferreira Laje (Funalfa) e até com a Secretaria de Desenvolvimento Social (SDS). “Além desses projetos específicos, também estamos sempre em contato com a produção acadêmica, seja pela participação em bancas de trabalhos de conclusão de curso, ou recebendo alunos que desenvolvem trabalhos e nos procuram para mostrá-los ou ainda por meio de trabalhos de extensão. Nós buscamos esse respiro como estratégia”, esclarece a subsecretária de Planejamento do Território da Seplag, Renata Goretti.
Apesar de não enxergar nada a curto prazo que possa aumentar essa colaboração, Renata afirma que é possível reunir todas as instituições para conversar sobre ações possíveis. “Também é preciso entender que há uma distância entre o trabalho acadêmico e a vida prática. Nem sempre conseguimos trabalhar com os projetos completos, mas conseguimos adaptar alguns pontos, agregar metodologias, incorporar uma parte deles. As secretarias dependem desses diversos conhecimentos. A porta está aberta, muitas pessoas já vieram mostrar suas ideias.”
Mudar radicalmente o que se tem é complicado, conforme Renata, porque pode não haver uma aprovação. “Quando trabalhamos com áreas especiais de interesse social, poderíamos nos guiar pelo método utilizado pelo aluno. Aproveitar esses movimentos é um exercício. Mas também lidamos com algumas ideias descompromissadas em relação a recursos, mecanismos legais. Tentamos trazer essas ideias para o cotidiano e submeter tudo a avaliações populares. Não é algo que podemos pegar e aplicar prontamente.”
Mas o conhecimento acadêmico, conforme Renata, é fonte sempre que possível. “É desafiador, porque nos obriga a lidar com o novo. Tanto na elaboração de uma legislação que ainda não exista, quanto na execução de um procedimento ainda inédito para a Prefeitura. Isso é novo. No mundo se faz, no Brasil algumas cidades avançam e nós também vamos enfrentar isso, porque não temos condições de desenvolver todos os projetos e seria feito por poucas mãos, de maneira autoritária. Quanto mais pudermos receber e integrar externamente, melhor.”
Outros caminhos possíveis vêm sendo consolidados por outras ferramentas, como a possibilidade de realizar concursos, como os praticados pelos alunos do CES. “A intenção é que a cidade possa contribuir. Um dos concursos previstos é voltado para as áreas de centralidade que se consolidaram, como Manoel Honório, São Mateus, Centro. Ainda não temos um formato fechado, porque não sabemos até que ponto conseguiremos executar a ideia vencedora. Vamos construir isso junto com o IAB e o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU). Mas a ideia é que cada vez mais as pessoas possam conviver com o material de qualidade produzido nos cursos. É caminhar, tirar das gavetas, das prateleiras e conhecer. O que pudermos aproveitar do todo ou de um percentual, vai ser importante.”