No “Poema enjoadinho”, Vinícius de Moraes fala sobre as agruras inerentes a ser pai, repetindo abertamente, sobre os herdeiros, que é “melhor não tê-los”, ponderando, entretanto, que “se não os temos/Como sabê-lo?”. Contrariando a teoria do poetinha, cada vez mais brasileiros e brasileiras concordam que é melhor não tê-los, optando por não se tornarem pais e mães para sabê-lo. Em 2013, o IBGE divulgou que, entre 2002 e 2012, aumentaram os casais sem filhos (14% para 19%) no país. A Tribuna conversou com homens e mulheres, solteiros e em relacionamentos, que escolheram uma vida sem descendentes, decisão que, ainda hoje, causa estranhamento e preconceito quando anunciada, situação que é ainda pior para as mulheres que não pretendem ser mães.
Segundo Luci Mansur, doutora pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e autora do livro “Sem filhos: a mulher singular no plural”, ainda há um longo caminho a ser percorrido pela sociedade para que se desassocie a ânsia pela maternidade de algo intrínseco a todas as mulheres.”É fundamental que a não-maternidade possa ser reconhecida como um fenômeno multidimensional, cuja compreensão requer a revisão das expectativas em relação aos papéis femininos tradicionais, desfazendo o mito do instinto materno e, principalmente, aceitando que a vida das mulheres pode ter dimensões muito variadas e satisfatórias, quando a sociedade lhes apresenta outras opções, além da maternidade”, afirma a especialista.
Para Luci, já há segmentos da população que compreendem melhor a opção de não ter filhos, algo que vem de um processo de maior esclarecimento sobre o assunto e de esforços de especialistas e pesquisadores para que o tema deixe de ser tratado como tabu. “O termo ‘childfree’ vem sendo utilizado, na língua inglesa, como uma maneira de desestigmatizar a opção por uma vida sem filhos, uma vez que a expressão ‘childless’ teria mais a conotação de uma ausência ou falta involuntária, muito diferente de uma escolha, como o novo termo sugere”, observa ela.
Rebatendo argumentos equivocados de que ter uma prole é garantia de realização, Luci argumenta que, normalmente, a decisão de não ser pai ou mãe vem de uma série de escolhas feitas e confirmadas ao longo da vida e, mesmo que não seja 100% livre de frustrações ou arrependimentos – como qualquer opção que se faz na vida-, costuma vir de reflexões bem fundamentadas.”Ter filhos não é garantia de completude, desenvolvimento ou maturidade emocional, como podemos observar, com grande desgosto e cotidianamente, nos noticiários da televisão e dos jornais. Sempre há como transmitir um legado e como auxiliar na continuidade da vida, mesmo sem haver substância genética compartilhada. Nossa sociedade é muito carente de cuidados humanos – temos espaço de sobra para as mais variadas experiências de maternagem/paternagem. O que torna uma pessoa realizada e satisfeita com a sua própria vida relaciona-se com tudo aquilo que recobre de sentido sua existência. Pode ser tendo filhos, ou não.”