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Público LGBTQIA+ reivindica delegacia especializada em JF

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A falta de uma delegacia especializada para o atendimento de crimes contra pessoas LGBTQIA+, em Juiz de Fora, é motivo para que vítimas de assédio no ambiente de trabalho deixem de buscar a polícia para denunciar. O cenário é preocupante, uma vez que em Minas Gerais, o assédio no trabalho acomete uma em cada quatro pessoas LGBTQIA+. No estado, cerca de 40% dos trabalhadores LGBTQIA+ não revelam sua orientação sexual no trabalho e menos da metade (44%) expõem sua identidade de gênero, conforme pesquisa nacional realizada com 20 mil trabalhadores a partir de levantamento da consultoria Santo Caos. O estudo aponta, ainda, que a representatividade da população LGBTQIA+ nas empresas é de 12%. A pesquisa não traz essa realidade traduzida em números em Juiz de Fora.

Mas, apesar disso, os casos não param de acontecer, e a inexistência de uma delegacia especializada acaba desestimulando as denúncias, uma vez que as vítimas não se sentem à vontade para procurar as delegacias tradicionais, como observa o vice-presidente da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB-JF, Tiago Melo Fernandino. “Os desafios estão ligados às políticas públicas governamentais, e, por se tratar de uma delegacia, a situação está na esfera estadual. O município de Juiz de Fora até tem o acolhimento para esses casos, mas não por meio de uma delegacia especializada”, observa.

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A Tribuna questionou a Polícia Civil do Estado de Minas Gerais (PCMG) acerca da ausência de uma delegacia especializada para esse público no município. A instituição informou que em Juiz de Fora, “a Polícia Civil dispõe de sete delegacias distritais, que apuram os crimes previstos em lei.”
Ainda segundo a PCMG, a cidade conta com delegacias especializadas, como a de roubos, homicídios e antidrogas, e também um núcleo para maus-tratos contra animais, uma delegacia voltada aos idosos e uma delegacia especializada de atendimento à mulher, que, conforme a instituição, está apta para o atendimento ao público LGBTQIA+ para crimes relacionados a gênero.

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O assédio se dá de diversas formas

De acordo com a advogada e doutoranda no programa de Ciências Sociais da UFJF, Luiza Cotta, existem diversas formas de assédio. “O assédio moral, motivado pelo preconceito em relação à orientação sexual e/ou pela expressão de gênero do profissional, assim como o assédio sexual, que se direciona principalmente às pessoas que adotam uma expressão de gênero feminina e que pode ser caracterizado como crime. Além destes, temos o mobbing, que é uma forma de assédio psicológico praticado por um grupo (colegas de trabalho) em relação a um profissional que é identificado enquanto minoria. Nesses casos, as diferenças emergem como forma de desqualificar o ofendido, criando na pessoa um senso de culpa por estar naquela situação”.

O primeiro passo em caso de assédio é procurar a ouvidoria interna da empresa e reportar o assédio sofrido. “Neste sentido, é muito importante que existam representantes dos trabalhadores nas empresas, que sejam sensíveis às situações de assédio e discriminação por homotransfobia, para que seja exercida a defesa dos colegas perante o grupo e a empresa. Caso a situação incorra em alguma das práticas dispostas no artigo 216-A do Código Penal, o assédio sexual, a vítima deve procurar a delegacia mais próxima e fazer o boletim de ocorrência, da mesma forma se estiver diante de qualquer tipo de discriminação fundada em orientação sexual e/ou expressão de gênero, que configure homotransfobia, crime tipificado na lei 7.716/89”.

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A diversidade nas campanhas ultrapassa o marketing?

O doutorando em Antropologia Social do Museu Nacional da UFRJ, Oswaldo Zampiroli, apresenta alguns conceitos importantes para interpretar os dados produzidos pelo estudo do Santo Caos. “Primeiro a gente precisa entender de que empresa a gente está falando. É preciso fazer uma divisão entre grandes empresas, multinacionais e as pequenas empresas e microempresas, e ainda fazer uma diferenciação entre o marketing que a empresa produz em torno de si e a cultura interna.”

A partir dessas divisões é possível entender melhor os dados da pesquisa. “Uma empresa que produz marketing em torno da diversidade e no mês LGBTQIA+ muda a cor da logo se mostra como uma empresa inclusiva, mas pode acontecer como acontece de sair um escândalo de assédio. Há aí uma discrepância entre o que acontece dentro da empresa e como ela se vende para o público externo”.

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Diante da falta de preparação das empresas, Oswaldo Zampiroli e Luiza Cotta estão criando uma empresa de assessoria para trabalhar justamente com a inclusão da comunidade LGBTQIA+ e a diversidade nas organizações. A recente consultoria foi batizada com o nome de Multidão e já conta com um site, que pode ser acessado por meio deste link.

Inclusão e representatividade em empresa de Juiz de Fora

Apesar da estatística que apresenta um assédio a cada quatro pessoas LGBTQIA+, algumas lojas ultrapassam o marketing e trabalham efetivamente a inclusão e a diversidade. Em Juiz de Fora, a Chilli Beans ilustra bem essa iniciativa. Rodrigo Pinheiro é um homem cisgênero gay, que há anos trabalha no ramo de ótica na cidade, mas nunca se sentiu à vontade nesse ambiente até chegar na Chilli Beans, do Shopping Independência. “Desde o meu primeiro treinamento aqui, eu lembro do vídeo do Caito Maia, criador da marca, falando que a gente podia ser quem a gente quisesse ser”, relembra Rodrigo, de 30 anos, que começou em dezembro do ano passado como gerente e hoje já assume o cargo de supervisor.

Diferente desse ambiente inclusivo, Rodrigo conta que nas óticas anteriores onde atuou o tratamento não era assim. “Antigamente, eu trabalhava de gravata, não podia mostrar quem eu era. Então, se eu tivesse algum trejeito, tinha que esconder. Meu nome era trocado muitas vezes por ‘bicha’ e ‘gay’. Parecia que eles estavam me fazendo um favor, mesmo eu sendo o número um de vendas. Eu nunca consegui assumir cargo de responsabilidade”.

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Apesar de fazer menos de um ano na Chilli Beans de Juiz de Fora, Rodrigo já supervisiona as duas lojas presentes no Shopping Independência. “Já são mais de 15 anos de Chilli Beans e, desde o começo, a comunidade LGBTQIA+ esteve fortemente presente, pois a marca sempre deu oportunidade para pessoas, independentemente de qual fosse a raça, o gênero e a cor”.

Rodrigo trabalha usando o botton com o nome da marca e as cores da bandeira LGBTQIA+. Assim ele consegue criar uma identidade com os clientes que fazem parte da comunidade. Além da Chilli Beans construir um ambiente empresarial acolhedor para esse público, a ótica é atrativa para os consumidores que desejam encontrar representatividade no atendimento.

Rodrigo Pinheiro trabalha usando botton com o nome da marca e as cores da bandeira LGBTQIA+, para criar identidade com os clientes que fazem parte da comunidade (Foto: Leonardo Costa)

“Está sendo muito bom fazer aquilo que falaram que eu não faria”

O advogado trans de Juiz de Fora, Júlio Motta de Oliveira, não escondeu a sua orientação sexual no trabalho, mas sabe das dificuldades do mercado de trabalho. Assim que se formou, ele estava passando pela transição e foi nessa época que conseguiu uma oportunidade de emprego, por meio da psicóloga de sua mãe. “Ela me disse que tinha conversado com médicos e advogados em Juiz de Fora que consideram que, por eu ser como eu era, eu nunca poderia ser a cara de um escritório de advocacia. Eu não podia fazer audiência ou aparecer. O máximo que eu podia fazer eram serviços burocráticos, que eu não me apresentasse para os clientes. Apesar de não ter aceitado, isso me violentou muito. Fiquei um ano me escondendo de clientes, porque eu ficava muito preocupado, já que estava fazendo a transição. Eu não queria que o cliente me contratasse como uma advogada, e o resultado do trabalho saísse quando eu já fosse um advogado”.

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Atualmente, Júlio é profissional autônomo e bolsista na Capes pela UFJF, onde é mestrando do Serviço Social. “Eu nunca quis entrar na iniciativa privada e trabalhar em escritório de advocacia, mas hoje eu tenho a sorte de falar de diversidade, inclusão e de transexualidade. Então está sendo muito bom fazer aquilo que falaram que eu não faria”, conta Júlio que foi convidado pela OAB, em Varginha (MG), para palestrar sobre transexualidade. “Então, uma violência que começou lá atrás dizendo que eu não podia aparecer, hoje, institucionalmente, eu sou chamado para palestrar sobre transexualidade”.

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