Apesar de liminares proferidas pela Justiça do Trabalho para a retomada do transporte coletivo em Juiz de Fora, os rodoviários mantiveram, nesta terça-feira (21), até por volta das 22h, a nova paralisação deflagrada pela categoria em meio às divergências trabalhistas com concessionárias do transporte coletivo urbano. Os trabalhadores vinculados à Goretti Irmãos Ltda. (Gil), apoiados por profissionais vinculados às demais empresas, reivindicam o pagamento da terceira parcela do tíquete-alimentação referente a maio para voltar a cumprir os itinerários do transporte coletivo urbano, bem como da cesta básica – esta seria devida por todas as demais viações. A paralisação era ensaiada desde a última segunda-feira (20), prazo previsto em acordo coletivo de trabalho (ACT) para o pagamento da parcela do tíquete-alimentação e da cesta básica. Na ocasião, em contato com a Tribuna, o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Rodoviário de Juiz de Fora (Sinttro/JF), Vagner Evangelista, afirmara que a diretoria do sindicato havia conseguido contornar a insatisfação da categoria, o que, na prática, não aconteceu.
A paralisação implicou em novos transtornos para a população, especialmente na região central de Juiz de Fora. Durante toda a tarde, ao longo de toda a extensão da Avenida Rio Branco, os pontos de ônibus ficaram sem nenhum passageiro. Apesar disso, o fluxo de pedestres ao longo da via, por volta das 15h, era relativamente alto, uma vez que parte dos usuários precisou voltar a pé do trabalho para casa. Já na Avenida Getúlio Vargas, muitas pessoas ainda aguardavam nos pontos, na esperança pelo retorno da circulação da frota. Outras, com seus telefones celulares nas mãos, tentavam chamar um carro por aplicativo. Apesar de chateados pelo inconveniente, a maioria dos usuários de ônibus ouvidos pela Tribuna relatou ser favorável à paralisação e entender a necessidade do movimento.
Moradora do Bairro Santa Luzia, na Zona Sul, a atendente de telemarketing Soraya Santos, que trabalha em uma empresa na Zona Norte, relatou à Tribuna que iria caminhando até sua casa. “É pandemia, né? As coisas estão mais difíceis, não tenho dinheiro para chamar um carro por aplicativo.” De acordo com Soraya, a empresa em que trabalha disponibilizou uma van para o traslado dos funcionários, mas o horário do veículo não coincidiu com o fim do seu turno. Apesar de ter sido prejudicada – ela também afirma que chegou atrasada ao trabalho por conta da paralisação dos rodoviários -, a atendente é favorável ao movimento. “Se eles não paralisarem, vão perder direitos, e eles estão sendo prejudicados. Então, eu sou a favor”, pontuou.
Pega desprevenida, a auxiliar de limpeza Adriana Medeiros, moradora do Bairro Santa Paula, Zona Leste, saiu do trabalho, no Centro, às 14h30, e foi a pé encontrar seu esposo no Bairro Ladeira, para conseguir uma carona para casa. “Meu marido está afastado do trabalho por conta da pandemia e vai conseguir me encontrar pra irmos pra casa. Se não fosse isso, teria de ir caminhando, porque hoje eu não tenho dinheiro para Uber”, contou.
A dona de casa Jéssica Naira, moradora do Bairro Jóquei Clube III, na Zona Norte, aguardava chegar o carro que pediu via aplicativo, enquanto relatou à Tribuna concordar com a paralisação dos trabalhadores do transporte coletivo urbano. No entanto, na avaliação dela, “eles nem deveriam ter saído da garagem”. “Eu acho que têm que parar sim, meu ex-marido já trabalhou como cobrador e eu sei que a situação deles é bem difícil. Mas eu acho que não deveriam ter saído da garagem, porque parar na via acaba nos prejudicando ainda mais, o trânsito fica lento, demoramos muito pra chegar em casa.”
Esperando sentada no degrau de um dos veículos parados, já que “o motorista me deixou ficar sentada aqui, porque estou muito cansada”, a moradora do distrito de Rosário de Minas, Eliane Maria de Almeida Sá, afirmou que já aguardava “há horas” o retorno da circulação dos veículos, e que ficaria ali “plantada”, esperando a retomada. “Não tenho como voltar pra casa, se ficarem aqui a noite toda, vou ter que ficar e vou esperar”, disse. “Mas eu sou a favor da paralisação, as empresas têm obrigação de honrar com seus compromissos, com os trabalhadores, e com nós, usuários.”
A costureira Silvana Amorim diz ser a favor do movimento paredista, “desde que tivessem avisado antes, porque isso prejudica muito a população”, relatou à Tribuna enquanto aguardava, na Avenida Getúlio Vargas, um possível retorno da circulação da frota. “Moro em Nova Benfica e preciso voltar pra casa. Se os ônibus não voltarem, vou dar um jeito, pedir para o meu marido ou filho vir me buscar.”
Reincidente
A suspensão temporária da prestação de serviços de transporte público desta terça é a segunda em menos de 15 dias. Em 9 de julho, o movimento chegou a interromper o serviço por 15 horas. Assim como no último protesto, o Sinttro/JF alegou que a paralisação seria de organização espontânea, ou seja, liderada pelos próprios trabalhadores. Desta vez, por volta das 7h, os rodoviários paralisaram os coletivos no corredor central da Avenida Barão do Rio Branco e nas faixas a eles exclusivas na Avenida Getúlio. Os trabalhadores então concentraram-se na esquina da Rua Halfeld com a Rio Branco e com a Getúlio à espera de sinalizações, seja do próprio Sinttro/JF, em busca de mediação, ou das empresas vinculadas aos consórcios Manchester e Via JF.
Rodoviários descumprem decisão da 1ª Vara do Trabalho
Após cinco horas e meia de paralisação, o juiz da 1ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT), Thiago Saco Ferreira, determinou, em tutela de urgência, às 14h26, a retomada imediata das operações em até duas horas, ou seja, até às 16h30. De acordo com a tutela, “deverá a categoria profissional retomar integral e imediatamente suas atividades em até duas horas”. No entanto, a categoria não cumpriu a decisão proferida pelo magistrado em tutela de urgência, requerida pelo próprio sindicato.Na ação, o Sinttro pleiteou a garantia de pagamento de cesta básica. O juiz não só acatou, como ainda determinou o retorno dos ônibus.
De acordo com o Sinttro/JF, os rodoviários voltariam a tocar os coletivos apenas se a Gil quitasse a parcela do tíquete-alimentação referente a maio. Diante da alegada ausência de diálogo com a viação, os rodoviários então seguiram concentrados nas esquinas da Rua Halfeld com as avenidas Rio Branco e Getúlio Vargas até por volta das 21h. A cada hora de atraso ao descumprir a decisão liminar, o Sinttro/JF estaria passível a multa de R$ 5 mil.
“A categoria não quer liberar, mesmo com a liminar da Justiça. Já pelejamos com eles. Os trabalhadores querem o pagamento do tíquete, que a empresa não pagou. Eles não querem voltar”, afirmou o presidente do Sinttro/JF, Vagner Evangelista. Conforme o líder sindical, além da parcela de maio, o benefício retroativo a junho ainda não teria sido quitado. Questionado sobre a multa de R$ 5 mil imposta pela 1ª Vara do Trabalho em caso de descumprimento da liminar, Vagner apenas se ressentiu. “A multa cai em cima do sindicato, mas eles não querem arredar o pé. Só se tiver a polícia para fazer cumprir (a liminar) mesmo. O sindicato não pode fazer nada. Eu entrei em contato com a Gil de manhã para saber se pagariam o tíquete, mas não me responderam, nem atenderam.”
Além do tíquete-alimentação, a quitação das cestas básicas acordadas em ACT com a Gil, a Auto Nossa Senhora Aparecida Ltda (Ansal), a Viação São Francisco Ltda (VSFL) e a Transporte Urbano São Miguel Ltda (Tusmil) também era reivindicada pelos rodoviários. Em negociação com a categoria, as empresas haviam acordado a suspensão do pagamento da cesta básica por 60 dias, entre maio e junho. Entretanto, como ressalta o próprio Sinttro/JF, o benefício deveria voltar a ser pago em julho, o que não teria sido feito.
Na mesma decisão que obrigou a retomada do transporte público, a 1ª Vara do Trabalho determinou às viações dos consórcios Manchester e Via JF o pagamento das cestas básicas referentes a julho até a próxima sexta-feira (24), uma vez que são um direito da categoria conforme o acordo coletivo de trabalho vigente, entre 2019 e 2020. “Acertou-se a suspensão de direito previsto em norma coletiva pelo prazo de sessenta dias. Isso demonstra que, entendendo a delicada situação atual (que se arrasta, em virtude de fatores imponderáveis e alheios à ‘ciência’, de forma indefinida e sem perspectiva de cessação), a categoria profissional agiu razoavelmente e aceitou tal mitigação do direito objeto da presente demanda. Todavia, nenhum instrumento legal ou normativo ampara a continuidade da suspensão da cláusula relacionada ao fornecimento de cestas básicas, cujo prazo para adimplemento cessou ontem (segunda-feira).”
‘Monitorando’
Em nota encaminhada à Tribuna, a Secretaria de Transporte e Trânsito (Settra) ponderou que a paralisação do transporte coletivo urbano é uma negociação entre empresas e funcionários. Informou, ainda, que acompanha e monitora todo o trânsito, preservando os cruzamentos por meio dos agentes. A PJF afirmou, ainda, que as empresas já foram intimadas a reapresentar ao Executivo, até 30 de julho, as certidões negativas de débito (CNDs) com o Município, sob pena de punições previstas no edital de licitação do transporte público. Conforme o Executivo, a exigência das CNDs estava suspensa em razão da pandemia de Covid-19.
Empresas recorrem ao TRT-3
Diante do impasse, a Gil, a Ansal, a Tusmil e a Viação São Francisco Ltda recorreram ao TRT-3 para reivindicar o retorno à circulação de, no mínimo, 80% da frota de ônibus. As empresas pediram ainda que o Tribunal oficiasse tanto o comandante da Polícia Militar (PM) de Juiz de Fora como a Settra para garantir o cumprimento da ordem, sob alegação de “abusividade e ilegalidade da greve”. O desembargador Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto então deferiu, parcialmente, o pedido de tutela de urgência para que os rodoviários colocassem em circulação 60% da frota de transporte coletivo, sob pena de multa diária de R$ 30 mil em caso de descumprimento.
Rios Neto cobrou ainda ao Sinttro/JF “que se abstenha de promover quaisquer atos que possam, ainda que indiretamente, colocar em risco a integridade física e moral dos trabalhadores; a liberdade de ir e vir; promover depredações no patrimônio das suscitantes, bem como obstar a entrada e saída dos empregados que queiram ocupar seus postos de trabalho, bem como dos veículos da frota, inclusive nas trocas de turnos”. Por fim, o desembargador acatou o pedido de notificação ao comandante da PM de Juiz de Fora para que tome “as providências que entender cabíveis” para o cumprimento da decisão.
Conforme manifesta o desembargador na liminar, embora o direito à greve seja consagrado pela Constituição Federal, há limites estabelecidos para exercê-lo, “com ênfase para o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade nos serviços ou atividades essenciais”. “Cumpre destacar o caráter essencial do transporte coletivo, conforme preceitua a Constituição Federal e a Lei nº 7.783/89, cuja prestação de serviços não pode ser totalmente interrompida, devendo ser garantida à comunidade a sua continuidade. (…) Faz-se necessário reconhecer que, do movimento grevista deflagrado, decorrem consideráveis e graves perturbações aos cidadãos de Juiz de Fora, ainda mais no momento excepcional vivenciado pela sociedade em decorrência da Covid-19”, relatou o desembargador.
Entretanto, o magistrado não indicou ilegalidade ou abusividade na paralisação dos rodoviários. “Saliento, a princípio, que não compete a este Juízo decidir sobre a abusividade e a ilegalidade de greve, haja vista que tal matéria se encontra afeta à Seção Especializada de Dissídios Coletivos, oportunamente.”
‘Sem razoabilidade’, afirma Astransp
Em contato com a Tribuna, a Astransp, que representa o Consórcio Manchester (Tusmil e Gil), além da Viação São Francisco Ltda, afirmou acreditar que o movimento é incitado pelo Sinttro. Segundo a Astransp, o sindicato teria aceitado suspender a cesta e parcelar o tíquete-alimentação devido às dificuldades financeiras das empresas que exploram o transporte público juiz-forano. “O quadro permanece o mesmo, agravado, mas ele (sindicato) inflexivelmente, sem razoabilidade, não aceita prorrogar o aditivo”, afirma, em nota.
Conforme a Astransp, como a pandemia de coronavírus e a situação de calamidade se estendem, “as medidas têm que ser prorrogadas, como têm feito as autoridades, sérias e comprometidas com a saúde e o social”. Ainda segundo a nota enviada pela Astransp, “só o sindicato é que acha que as empresas, que estão se endividando e represando passivo, têm que restabelecer o status quo”, finaliza.
O presidente do Sinttro/JF, Vagner Evangelista, em entrevista à Rádio CBN no início da manhã desta terça negou que o sindicato tenha arquitetado o movimento e também que tenha acordado o parcelamento do tíquete-alimentação. Por outro lado, informou que a categoria não aceita uma nova suspensão da cesta básica. “Da última vez (que houve negociação), o que as empresas queriam era suspender a cesta por mais 30 dias. Mas a categoria não aceita mais a suspensão da cesta básica. Quando falamos que deveria ter o retorno (da cesta básica), eles falaram que não haveria negociação.”
Em resposta ao posicionamento emitido pela Astransp, o Sinttro intimou as empresas a provarem o acordo pelo parcelamento do tíquete. “O que foi feito foi o parcelamento de duas vezes em abril no benefício referente a março”, garante o sindicato, em nota, revelando que os trabalhadores também renunciaram à cesta básica e ao adiantamento salarial por dois meses, os quais já passaram.
O Sinttro ainda criticou os empregadores da Gil pelos atrasos nos vencimentos e em verbas trabalhistas. Informou, ainda, que ação na Justiça do Trabalho movida pelo sindicato cobra pagamentos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) atrasados desde 2018, “o que prova que esta ingerência com os trabalhadores já vem muito antes da pandemia”.
Almas pede sensibilidade
O prefeito Antônio Almas (PSDB) abriu a transmissão ao vivo que fez nas redes sociais nesta terça-feira (21) falando da paralisação do transporte coletivo urbano durante a pandemia. Segundo Almas, as reivindicações da categoria são relacionadas a questões trabalhistas que não competem à Prefeitura. No entanto, o Executivo acompanha a situação e pode até rever as concessões, se as empresas de ônibus não estiverem cumprindo as exigências.
“É a terceira vez, durante esse período de pandemia, que nós temos que enfrentar uma paralisação do transporte coletivo urbano em Juiz de Fora. Muito subsidiado pela discussão que foi feita pela sociedade na questão da CPI dos Ônibus, estamos com olhar muito mais denso sobre a questão. E temos visto alguns problemas que não podem continuar acontecendo. Os consórcios são concessões públicas que têm que dar resposta a este momento, negociando na Justiça do Trabalho, se for o caso, a solução para este impasse relacionado ao não pagamento de alguns benefícios ou até de salários.”
Conforme Almas, neste contexto, a PJF está tomando todas as medidas administrativas e jurídicas necessárias para que o serviço volte a funcionar. Também já foram solicitadas pesquisas de origem e destino, entre outras ações e estudos, para avaliar a qualidade oferecida aos usuários, já que há muitas reclamações sobre ônibus lotados e poucos horários ofertados.
Almas destacou que, quando há uma penalização do cidadão em um serviço que é concessão pública, cabe à PJF a fiscalização. “Se necessário, vamos rediscutir todo esse processo de prestação de serviço no transporte coletivo urbano. Mas quero pedir agora que haja sensibilidade por parte dos trabalhadores e empresários para que esta questão seja resolvida o mais rapidamente possível e para que haja logo a retomada da circulação dos ônibus. Não saímos de um período grave de pandemia, estamos vivendo este período grave. Não é possível que o trabalhador saia de casa nessa dificuldade e não tenha o seu retorno garantido para casa. Greve é direito, mas qualquer movimento de paralisação tem regras a serem cumpridas.”