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Quando a luta contra a dengue transforma famílias

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Mariana e Arthur carregam muita gratidão no coração pela solidariedade recebida (Foto: Fernando Priamo)

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“Nós mantivemos a cabeça erguida e firmes, até para passar energia positiva para o Arthur, mas foi muito difícil. Eu evitava vir para casa, no período em que ele esteve no hospital, porque vir aqui, sem ele, me causava muita angústia”, emociona-se Mariana Carvalhaes Abib ao resgatar o recente período vivido por ela e seus familiares junto ao seu único filho, Arthur Abib Azalin. O garoto, de apenas três anos, enfrentou, por cerca de duas semanas, o sofrimento de estar com dengue hemorrágica. Na segunda-feira (8), o pequeno Arthur teve alta da Santa Casa, onde esteve internado no CTI, em estado gravíssimo. Apesar do desespero, Mariana relata que esteve sempre grata ao apoio que recebeu de familiares, amigos e até de desconhecidos. “Nós temos uma filosofia de vida baseada no amor. A criação do Arthur é feita com muito amor, e eu acho que isso pode ter contribuído para a gente ter essa retribuição de carinho. Além das doações (de sangue), tivemos uma corrente muito forte de orações em diversas religiões, o que nos deu muita força.”

Mariana e Arthur carregam muita gratidão no coração pela solidariedade recebida (Foto: Fernando Priamo)

O caso de Arthur é um do milhares de registros de dengue notificados em Juiz de Fora neste ano. Apesar de a cidade já ter vivido uma epidemia da doença em anos anteriores, como em 2016, o cenário atual da arbovirose (doença causada pelos chamados arbovírus, que incluem o vírus da dengue, Zika vírus, febre chikungunya e febre amarela) no município colocou muita gente em alerta: além do número crescente de casos registrados principalmente no primeiro semestre, o tipo de vírus circulante na cidade – o sorotipo 2 – contribuiu para o avanço da dengue em Juiz de Fora. Isso porque, de acordo com especialistas já ouvidos pela Tribuna e representantes da Secretaria de Saúde (PJF), mais virulento, o novo sorotipo foi um dos fatores para evolução e agravamento do quadro da doença – inclusive para pacientes que já tiveram dengue anteriormente. Arthur, além de ser criança, fator que já faz com que o organismo não responda de maneira eficaz, também teve dengue aos 5 meses de idade. Essa circunstância pode fazer com que a pessoa desenvolva sintomas ainda mais graves.

“Quando Arthur começou a apresentar os sintomas, num sábado, o levamos para uma clínica e ele foi diagnosticado com virose. Voltamos pra casa, mas apesar de medicado, ele não melhorava, meu marido percebeu que estava se desidratando e, na segunda-feira, começou a apresentar desconforto na barriga e vômito. De noite, levamos na emergência da Santa Casa, a médica que avaliou o Arthur imediatamente o colocou no soro, antes mesmo de realizar o exame de sangue, porque o quadro de desidratação era grave. Como o número de plaquetas estava muito baixo, foi preciso interná-lo. No dia seguinte, foi constatado que meu filho estava com ascite (líquido na barriga) e um derrame pleural (água no pulmão), e o quadro ficou ainda mais grave”, conta Mariana. Além disso, Arthur também desenvolveu infecção, à qual, segundo a mãe, foi controlada rapidamente pela intervenção da equipe do CTI, pela força de vontade do filho e pela solidariedade que a família recebeu.

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Campanha se espalha pela cidade

Após perda de morador, comunidade do Barbosa Lage se une para fazer limpeza no bairro (Foto: Maria de Fátima Vieira)

O estado de saúde de Arthur fez com que ele precisasse receber doação de plaquetas e, com isso, foi necessário que o estoque de sangue utilizado fosse reposto a partir de outras doações. “Logo que constatamos que precisaria de plaquetas para que ele pudesse receber o componente do Hemocentro, meu marido pediu à minha sogra e ao padrinho do Arthur para que doassem [sangue]. Não sei ao certo como as pessoas ficaram sabendo, mas muita gente foi doar sangue em nome do meu filho. Até hoje não conseguimos entender a dimensão que a campanha pela vida dele tomou”, diz Mariana. Segundo ela, muitas pessoas foram até o Hemocentro doar sangue em nome do filho: jogadores do Tupi, soldados do Exército e do Corpo de Bombeiros e até pessoas de fora da cidade.
A atitude encheu de gratidão a família. Agora, em casa, novamente unida, eles tentam aos poucos voltar à rotina. Arthur, que sempre foi um menino enérgico, “está mais tranquilo, mas consciente de tudo o que aconteceu. Quem o conhece de perto sabe que ele é muito amoroso, muito querido por todos e nos ensina muito todos os dias. Foram momentos muito difíceis, mas ele tirou de letra e dava força pra gente. Hoje, ver de novo a alegria dele, é a nossa felicidade.”

‘E agora, quem vai me sorrir?’

A perda, por outro lado, se fez realidade para a família de Luis Claudio Vieira. O cabeleireiro, de 54 anos, veio a óbito no dia 7 de maio – data também em que fazia aniversário – com suspeita de dengue hemorrágica. O registro de morte suspeita de dengue foi um dos primeiros a ser feito este ano na Secretaria de Saúde (PJF). “Foi um grande susto, ninguém espera que um bichinho tão minúsculo vai acabar com uma pessoa tão cheia de vida. Ainda estamos tentando nos recuperar porque é muito difícil: nossa família sempre foi muito unida, os irmãos sempre juntos. Éramos quatro e agora somos três. O Luis se foi e deixou uma lacuna em nós”, lamenta Maria de Fátima Vieira, irmã de Luis Claudio.

Morador do Jóquei Clube I, Zona Norte, Luis Claudio foi até a UPA Norte ao sentir os primeiros sintomas. Segundo a irmã, o atendimento demorou a ser realizado. Na época, as unidades de saúde estavam lotadas por pessoas com sintomas clínicos da doença, que recorriam à hidratação. “Ele deu entrada na UPA na madrugada de domingo, foi atendido, mas não recebeu hidratação, aí voltou para casa e, depois disso, piorou. No dia seguinte, ficou em estado grave, com hemorragia, passando muito mal, foi um coisa horrorosa, e o quadro evoluiu muito rápido, mesmo depois do soro. Na terça-feira, ele faleceu”, conta Maria de Fátima. Luiz também já havia tido dengue anteriormente, o que também pode ter contribuído para a gravidade do seu quadro.

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Limpeza por parte da comunidade visa conscientizar população sobre os riscos da dengue (Foto: Maria de Fátima Vieira)

“Foi um perda muito grande e meu emocional ainda está muito abalado. Acho que a doença é negligenciada por muita gente e falta amparo para a população no meio de um surto de dengue. A cidade deveria ter centros de hidratação, como já houve antes ou mesmo dentro dos postos de saúde. Eu sei que posto é para a prevenção, mas isso não impede de atender essas pessoas que precisam de um soro, de uma medicação imediata. Eu acho que falta ação da Prefeitura, mas também falta consciência por parte de nós, da sociedade como um todo”, desabafou.

Apesar disso, Maria de Fátima garante que o que ficou foi a imagem alegre do irmão, uma pessoa, segundo ela, que não se importava com a tristeza, o importante era lutar para estar bem. “O lema dele era alegria. No dia do velório, tinha tanta gente, e todos falavam a mesma coisa: e agora, quem vai me fazer sorrir?”

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Resposta

Por meio de nota, a Secretaria de Saúde (PJF) informou que todas as unidades de saúde da rede SUS em Juiz de Fora, sejam elas de atenção primária ou de urgência e emergência, possuem o insumo para preparar a hidratação em pacientes diagnosticados com dengue ou outra doença em que se faça necessária a utilização do mesmo e que os centros de hidratação são abertos, especificamente, quando as unidades de saúde não conseguem atender toda a demanda – o que foi verificado na epidemia de 2016, quando foram registrados cerca de 36 mil casos da doença.  A PJF informou ainda que trabalha com ações de combate à doença por meio da Sala de Operações, com atividades de controle vetorial, limpeza de locais de descarte irregular de lixo (bota-fora), vistoria em casas e comércios, aplicação de larvicida, tratamento e eliminação de depósitos propícios para proliferação do vetor e também ações educativas de conscientização contra a dengue.

Comunidade realiza mutirão

Cerca de uma semana após a morte de Luis Claudio, Maria de Fátima, representantes e moradores do Barbosa Lage, Zona Norte, onde ela mora, fizeram um mutirão para limpeza do bairro. “Tivemos apoio com materiais, caçamba, caminhão de reciclagem, aí passamos a manhã toda e o início da tarde recolhendo entulho e limpando o local. Tinha muito lixo. Depois disso, percebemos que a comunidade está mantendo a limpeza, já capinaram, pintaram os troncos de árvores, até banco para gente sentar o pessoal colocou. Então, percebo que surtiu efeito de alguma forma. Mas a gente ainda é muito pequeno, acho que falta mesmo consciência e iniciativas para informar a população.”
Na opinião de Maria, projetos educativos e informativos sobre a dengue e assuntos relacionados ao acúmulo e descarte de lixo e entulho deveriam ser constantes nos bairros, nas escolas, nas igrejas, para que a população soubesse melhor como agir e se prevenir. Esse também é ponto de vista de Mariana, mãe de Arthur. “A população, de modo geral, não acredita que uma doença ou algo parecido vai acontecer com ela. Às vezes, muita gente acha que a dengue não é real, ou que é uma doença simples, mas de fato não é. Nós precisamos nos conscientizar, é um trabalho de todos e que de fato vai prevenir situações graves como a que meu filho viveu.”

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